Game foi desenvolvido por pesquisadores da USP para auxiliar na capacitação de profissionais que atendem mulheres em situação de violência
Game foi desenvolvido por pesquisadores da USP para auxiliar na capacitação de profissionais que atendem mulheres em situação de violência
Thais Szegö | Agência FAPESP – O problema é sério e complexo e não é de hoje que as mulheres enfrentam ataques principalmente no ambiente em que deveriam se sentir mais seguras: seus lares. E a pandemia provocada pelo novo coronavírus só piorou o quadro, já que muitas delas foram obrigadas a passar mais tempo dentro de casa, com seus agressores. Em todo o mundo, uma em cada duas relatou ter sofrido ou conhecido alguém que sofreu algum tipo de violência durante a fase de isolamento social. No Brasil, uma em cada quatro acima de 16 anos enfrentou situações como essas no mesmo período. E o impacto é mais amplo do que se imagina: estudos apontaram que, entre as vítimas, chega a ser dez vezes maior o risco de suicídio. Já as que encararam apenas violência psicológica apresentaram aumento na ocorrência e piora de sintomas físicos e psicológicos, levando a queda de produtividade e aumento nos custos da saúde pública e privada com tratamentos.
Especialistas apontam que, para combater o problema, é necessária uma rede de apoio muito bem treinada, que possa ajudar essas mulheres a entender que estão enfrentando violência, que nem sempre é óbvia e não obrigatoriamente é caracterizada por agressões físicas, e dar o suporte necessário para que elas consigam tratar todos os desdobramentos do caso.
“Entretanto, estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo [EE-USP] revelaram a falta de qualificação de profissionais que atuam nos serviços de atendimento às mulheres em situação de violência e a apontaram como uma das principais limitações para o enfrentamento do problema”, conta Lucimara Fabiana Fornari, enfermeira que realizou pós-doutorado na instituição.
Essa constatação serviu de motivação para uma ação educativa baseada no jogo Violetas: Cinema & Ação no Enfrentamento da Violência Contra a Mulher, que teve como objetivo promover reflexões sobre a violência de gênero e ações de enfrentamento na realidade em que os profissionais estão inseridos.
Trata-se de um jogo de tabuleiro colaborativo – para quatro a oito jogadores – elaborado pelo Grupo de Pesquisa Gênero, Saúde e Enfermagem da EE-USP em parceria com o Núcleo de Estudos em Educação e Promoção da Saúde, do Centro de Estudos Avançados e Multidisciplinares da Universidade de Brasília. O game contém cartas com perguntas baseadas em cenas de filmes, que abordam os diretos sexuais e reprodutivos, a diversidade sexual e racial, os estereótipos de gênero, as formas de violência, as políticas e práticas para o enfrentamento do problema. Quando as questões são respondidas corretamente, possibilitam o acúmulo de cartas e a obtenção de tokens, que garantem a vitória.
Abordagem qualitativa
O jogo foi usado em uma intervenção qualitativa realizada em três unidades da Casa da Mulher Brasileira (CMB), que são centros públicos especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica. Os resultados do trabalho foram publicados na Revista Brasileira de Enfermagem.
Foram selecionados 28 profissionais, entre psicólogos, assistentes sociais e técnicos administrativos, que atuavam nas CMB de Brasília (DF), Campo Grande (MS) e Curitiba (PR). Eles participaram de oficinas nas quais ocorreram as partidas do jogo e, posteriormente, construíram juntos ações para o enfrentamento do problema na sua realidade.
“Os dados foram submetidos a análise temática de conteúdo com apoio do software Web Qualitative Data Analysis [webQDA] específico para pesquisas qualitativas”, conta Fornari, que trabalhou em parceria com a professora da USP Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca.
O trabalho, financiado pela FAPESP, buscou abordar algumas situações que demandam maior atenção dos profissionais, como a desconstrução dos padrões sexistas, os riscos da pornografia e o respeito à diversidade sexual.
A partir disso, os participantes da pesquisa sugeriram ações para a divulgação do tema junto à comunidade, como palestras e cartilhas, oferta de atendimento individual e grupal às mulheres e qualificação dos profissionais que atuam na rede intersetorial.
Segundo Fornari, a intervenção educativa foi percebida pelos envolvidos como um importante espaço para a reflexão e para estimular a implementação de ações que visam a superação de barreiras no atendimento a mulheres que buscam os serviços de apoio. “E ela também se mostrou inovadora, pois envolveu o uso de tecnologia e metodologia participativa, na qual os profissionais são encarados como sujeitos do processo de aprendizagem e protagonistas da construção coletiva de ações para transformar a realidade”, diz.
O artigo Critical-emancipatory educational intervention through games to face gender violence pode ser lido em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10226417/.
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