Lagarta da borboleta Juditha molpe cuidada pela formiga Dolichoderus bispinosus (foto: Hélio Soares Júnior)
Larvas de borboletas secretam líquido adocicado que as faz serem reconhecidas e protegidas contra predadores por uma determinada espécie de formiga. Mas a proteção se transformou em ataque quando os pares de insetos foram trocados em experimento
Larvas de borboletas secretam líquido adocicado que as faz serem reconhecidas e protegidas contra predadores por uma determinada espécie de formiga. Mas a proteção se transformou em ataque quando os pares de insetos foram trocados em experimento
Lagarta da borboleta Juditha molpe cuidada pela formiga Dolichoderus bispinosus (foto: Hélio Soares Júnior)
André Julião | Agência FAPESP – Lagartas (larvas de borboletas) de algumas famílias desenvolveram uma interação bastante específica com as formigas. Uma dessas famílias (Riodinidae) tem duas espécies que interagem exclusivamente com duas espécies de formigas.
Em estudo publicado na revista Insect Science, pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Federal de Alagoas (UFAL) mostram que essa interação é bastante específica, com cada lagarta interagindo apenas com uma espécie de formiga. O trabalho teve apoio da FAPESP.
Num experimento, quando trocados os pares das espécies de lagartas e formigas, estas últimas atacavam e matavam as larvas de borboletas. Isso mesmo quando as lagartas utilizaram órgãos específicos e secretaram um líquido açucarado para serem toleradas por formigas.
Os pesquisadores compararam ainda os chamados hidrocarbonetos, substâncias químicas que compõem a camada externa (cutícula) de formigas e lagartas, e encontraram uma grande diferença entre eles.
“Vimos que os hidrocarbonetos, substâncias que compõem a cutícula, a camada externa dos insetos e das plantas, não são parecidos entre si, mas nas lagartas sinalizam um alimento para as formigas. As larvas de borboletas oferecem uma secreção açucarada, que as faz serem reconhecidas e protegidas por uma espécie de formiga”, explica Luan Dias Lima, primeiro autor do estudo, realizado como parte de seu pós-doutorado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), com apoio da FAPESP.
Em um trabalho anterior, o grupo de autores havia demonstrado que outras espécies que interagem com formigas podem usar uma estratégia diferente, se escondendo das formigas ao ficar com o mesmo cheiro da planta em que vivem (leia mais em: agencia.fapesp.br/34658).
O estudo atual integra o projeto “A evolução da plasticidade e o dimorfismo entre as castas em sociedades de insetos”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Fábio Santos do Nascimento, professor da FFCLRP-USP. Outro autor, Diego Santana Assis, contou com bolsa de doutorado na mesma instituição.
Lagarta em pedaços
No experimento, os pesquisadores coletaram lagartas da espécie Juditha molpe, que vive em harmonia com formigas da espécie Dolichoderus bispinosus, e Nymphidium chione, que só é encontrada onde há formigas Pheidole biconstricta. As lagartas foram coletadas na Estação Ecológica Serra das Araras, no Mato Grosso.
Em um grupo, os pesquisadores apenas trocaram as lagartas de planta, mantendo-as com a mesma espécie de formiga que estavam. Em outro, trocaram os pares, colocando as lagartas Juditha molpe com as formigas Pheidole biconstricta e as lagartas Nymphidium chione com as formigas Dolichoderus bispinosus. Todas as combinações estavam sempre no mesmo gênero de planta (Inga spp.).
Formigas Pheidole biconstricta protegem larvas da borboleta Nymphidium chione (foto: Hélio Soares Júnior)
No primeiro grupo, a interação foi a mesma que ocorria na planta anterior, com os pares interagindo em harmonia. As formigas apalpam com as antenas as lagartas até tocarem duas aberturas onde possuem órgãos específicos para comunicação das lagartas com as formigas. As lagartas secretam um líquido açucarado, consumido pelas formigas, que logo passam a proteger a lagarta.
Com a formiga diferente, porém, o desfecho foi desfavorável para a lagarta. Nesse contexto, inicialmente as formigas ignoraram as lagartas até encontrarem a abertura de um dos órgãos especializados na secreção de líquido açucarado. Depois de tocar o local com as antenas, a lagarta secretou o néctar, a princípio acalmando as formigas.
Porém, isso durava pouco. Terminava quando a lagarta não conseguia mais produzir o líquido, esgotado, ou quando as formigas tocavam a região próxima ao outro órgão exclusivo para interação com formigas, que não se movia. Depois de inspecionar mais um pouco a lagarta, as formigas passavam a apresentar um comportamento agressivo, abrindo a mandíbula e mordendo.
“Quase todas as lagartas foram mortas durante esse tratamento de troca de pares. As soldadas da espécie P. biconstricta, inclusive, usaram suas mandíbulas robustas para cortar a J. molpe em pedaços”, narra Lima.
O pesquisador lembra que a importância de encontrar o par certo é tão grande para as lagartas que as fêmeas adultas só põem os ovos na mesma espécie de planta que tenha a formiga específica.
“Quando os ovos eclodirem, as formigas vão proteger as lagartas de serem predadas por outros animais. Sem elas, acabam mortas antes da hora”, diz.
Os pesquisadores agora querem saber se pequenas quantidades de hidrocarbonetos também reduzem ataques de outros inimigos naturais, como predadores e parasitoides que também usam pistas químicas para a localização de presas e hospedeiros.
O artigo Chemical conspicuousness, ant organs, and specificity in myrmecophilous caterpillars partitioning ant-plant systems pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1744-7917.13474.
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