Profissionais se articulam para identificar casos suspeitos, coletar amostras de secreções para análise e tratar os pacientes; já foram registrados nove casos suspeitos em seis estados brasileiros (imagem: CDC)
Profissionais se articulam para identificar casos suspeitos, coletar amostras de secreções para análise e tratar os pacientes; já foram registrados nove casos suspeitos em seis estados brasileiros
Profissionais se articulam para identificar casos suspeitos, coletar amostras de secreções para análise e tratar os pacientes; já foram registrados nove casos suspeitos em seis estados brasileiros
Profissionais se articulam para identificar casos suspeitos, coletar amostras de secreções para análise e tratar os pacientes; já foram registrados nove casos suspeitos em seis estados brasileiros (imagem: CDC)
Carlos Fioravanti | Pesquisa FAPESP – Apesar de nove casos suspeitos terem sido registrados em seis estados brasileiros até o dia 30 de janeiro, as temperaturas altas do verão no Brasil talvez dificultem a chegada e o avanço da nova variedade de coronavírus que emergiu em dezembro – auge do inverno do hemisfério Norte, onde o clima frio favorece sua sobrevivência e transmissão –, infectou quase 10 mil pessoas e causou cerca de 213 mortes na China até o fim de janeiro. Por outro lado, o intenso comércio com o país asiático, hoje o principal importador de produtos brasileiros, poderia facilitar a circulação de pessoas e da nova variedade do patógeno, chamada provisoriamente de 2019-nCoV.
No dia 30, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto do coronavírus emergência de saúde pública global, o que implica ação coordenada entre os países. O novo vírus já foi detectado em 19 nações. No Brasil, os pacientes suspeitos estão em São Paulo (3 deles), Santa Catarina (2), Rio de Janeiro (1), Minas Gerais (1), Paraná (1) e Ceará (1).
“O vírus da Sars [síndrome respiratória aguda grave] era mais letal que essa nova variedade”, comenta o virologista Edison Luiz Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Em 2002 e 2003, a Sars, causada por outra variedade de coronavírus, que começou também na China em 2002 e, até o ano seguinte, apresentou uma letalidade [mortes por casos confirmados] de 10% – infectou cerca de 8 mil pessoas e matou aproximadamente 800. A síndrome respiratória do Oriente Médio [Mers] surgiu em 2014, causada também por um coronavírus, infectou 2.494 pessoas e, até este ano, causou 858 mortes, com uma letalidade de 34%, enquanto a da variedade atual foi estimada em 2,1%.
“Pode ser que essa nova variedade não chegue ao Brasil, como a da Sars não chegou, porque seu avanço foi possivelmente bloqueado pelas temperaturas altas das regiões tropicais”, diz Durigon. A China tenta bloquear a circulação do vírus limitando a saída de pessoas das regiões com maior número de casos.
No Brasil, instituições públicas da área da saúde se mobilizam para identificar os possíveis casos suspeitos, coletar amostras de secreções respiratórias e de sangue para análise e tratar os pacientes. No dia 28 de janeiro, em entrevista coletiva no auditório do Ministério da Saúde, em Brasília, o ministro Luiz Henrique Mandetta informou que o critério de classificação dos casos suspeitos havia mudado – passaria a abranger qualquer pessoa voltando da China e não mais apenas da cidade de Wuhan, onde os primeiros registros apareceram – e que as análises genéticas do vírus, a serem feitas no Brasil, ajudariam a entender melhor a circulação da doença.
Segundo ele, o protocolo de atendimento médico seria o mesmo adotado em 2002 para prevenir a chegada da Sars, que acabou não ocorrendo. Mandetta também reconheceu o “perigo iminente” de o 2019-nCoV chegar ao Brasil: “Precisamos estar extremamente atentos”. Ele reconheceu que ainda há muitas incertezas sobre tempo de transmissão, incubação, potencial de letalidade e comportamento do vírus em gestantes, crianças e idosos. Nesta semana, a OMS divulgou uma primeira estimativa da taxa de infectividade do novo coronavírus: de 1,4 a 2,5, que corresponde ao número médio de pessoas que podem ser infectadas a partir de um único indivíduo; a taxa do sarampo, por exemplo, varia de 12 a 16.
Em São Paulo, a Secretaria de Estado da Saúde criou um plano de risco e resposta rápida contra o coronavírus, reunindo o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), os institutos Adolfo Lutz e Butantan, o escritório estadual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) e as secretarias municipais de Saúde do Estado. O Instituto de Infectologia Emílio Ribas e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP serão centros médicos de referência para atendimento às pessoas infectadas.
Para evitar o contágio, os principais aeroportos do país espalharam recipientes com álcool em gel, principalmente na área de desembarque, para desinfecção das mãos. A cada duas horas é emitido um comunicado sonoro pedindo a quem tenha tosse, febre ou dificuldade para respirar – e tenha estado na China – que procure o serviço médico.
Semelhanças
Em artigo publicado em 24 de janeiro na revista médica The Lancet, uma equipe do Hospital Jin Yin-tan, de Wuhan, descreveu a evolução da doença em 41 pessoas tratadas nos hospitais da cidade. A maioria (73%) era homem com idade média de 49 anos (66%) e menos da metade (32%) tinha alguma doença anterior, como hipertensão ou diabetes; 27 deles tinham se exposto a um mercado de frutos do mar de Wuhan apontado como provável origem do vírus. Quase todos (98%) tiveram febre e tosse (76%) e falta de ar (55%). Todos tiveram pneumonia, 13 passaram por unidades de terapia intensiva e seis (15%) morreram.
Uma equipe do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China (CDC China) relatou na revista New England Journal of Medicine, também em 24 de janeiro, a evolução clínica de três pacientes – todos homens, com 32, 49 e 61 anos – hospitalizados por causa da infecção; o mais velho, frequentador assíduo do mercado de frutos do mar, morreu 27 dias depois de ter sido hospitalizado.
Ainda não há tratamento específico para esse tipo de vírus, transmitido de pessoa para pessoa por meio de perdigotos – gotículas de secreção expulsas da boca e nariz durante a fala, tosse ou espirro.
Variedades de coronavírus humanos menos patogênicas que as vindas diretamente de animais silvestres, como o 2019-nCoV, já circulam no Brasil. Geralmente causam resfriados comuns, embora às vezes possam provocar doenças respiratórias graves.
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP identificaram quatro tipos de coronavírus humanos em 11% de um grupo de 236 crianças com 3,5 meses e problemas respiratórios internadas no HC em 2008 e 2009. “Foi uma surpresa; o coronavírus, sozinho ou associado com outra espécie de vírus, o rinovírus C, foi um indício de gravidade do caso e de necessidade de internação na unidade de terapia intensiva”, diz o virologista Eurico Arruda, professor da FMRP-USP e coordenador de um estudo publicado em junho de 2019 na PlOS ONE com esses resultados.
Nesse trabalho, o microrganismo respiratório mais comum foi o rinovírus (85% dos casos), seguido pelo vírus sincicial (59%), bocavírus (23%) e adenovírus (17%), com 198 crianças apresentando infecções causadas por mais de um tipo. Foram para a UTI 47 crianças, 25 receberam ventilação mecânica e oito morreram.
“As formas mais graves de coronavírus sempre estiveram associadas a animais silvestres”, observa Arruda. Como aquela responsável pela Sars e Mers, a nova variedade – a sétima causadora de doenças em seres humanos já identificada – parece ter vindo de morcegos, os reservatórios naturais desse tipo de organismo, de acordo com análises genéticas de centros de pesquisa da China. Transmitido às pessoas por meio das fezes de morcegos, o vírus liga-se a receptores de membranas de células de mucosas respiratórias, sofre adaptações, multiplica-se e pode infectar outras pessoas.
“O Brasil tem suas próprias variedades de coronavírus silvestres, que poderiam causar problemas se passarem de animais para as pessoas”, diz Durigon. Em 2015, o biólogo Luiz Gustavo Góes, atualmente em estágio de pós-doutorado no ICB-USP, examinou 401 amostras de intestinos de 17 espécies de 202 morcegos coletadas de 2010 a 2014 em áreas urbanas (192 animais) e rurais (10) de 14 municípios do noroeste paulista, em busca de coronavírus, em colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba e Rio Claro. Outras 199 amostras foram coletadas no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná.
Como detalhado em artigo de outubro de 2016 na revista Infection, Genetics and Evolution, Góes identificou 15 variedades silvestres de coronavírus em intestinos de oito espécies de morcegos; um dos animais examinados era um Eumops glaucinus, de pelagem preta e orelhas grandes, que tinha sido capturado por um gato doméstico antes de ser recolhido por um morador de Araçatuba e levado à Unesp.
Não houve registros de infecções causadas por vírus de morcegos em pessoas. Mesmo assim, alerta Durigon, “temos de ficar alertas e intensificar o monitoramento de vírus emergentes em animais silvestres”.
Inteligência artificial ajuda a identificar surtos
Em 31 de dezembro de 2019, a startup canadense BlueDot disparou um alarme sobre o surto de um vírus novo na China. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos divulgaram a notícia somente em 6 de janeiro deste ano e a OMS no dia 9. Conforme a edição on-line da revista Wired, a equipe da empresa se antecipou por usar um algoritmo que vasculha notícias em 65 idiomas sobre surtos de doenças, depois filtradas e examinadas por epidemiologistas, para avisar seus clientes sobre áreas de novas doenças, como Wuhan.
Utilizando também dados de passagens áreas, que podem indicar para onde e quando as pessoas infectadas estão indo, Kamran Khan, fundador e diretor-geral da BlueDot, conseguiu prever que o vírus saltaria para as capitais da Tailândia, Coreia do Sul, Taiwan e Japão depois de emergir na China. Em 2014, a empresa captou US$ 9,4 milhões em capital de risco, tem 40 funcionários e atende órgãos do governo, companhias aéreas e hospitais.
Um braço do Google, a Google Flu Trends, faz um trabalho semelhante ao do BlueDot para detectar surtos e epidemias de gripe em 25 países. Em 2013, no entanto, o serviço sofreu um revés ao subestimar em 140% a gravidade do surto de gripe.
Precauções necessárias
Entre as recomendações da OMS para evitar o contágio estão: lavar frequentemente as mãos com água e sabão ou álcool em gel; cobrir boca e nariz com o braço flexionado ao espirrar ou tossir; evitar contato próximo com qualquer pessoa que tenha febre ou tosse; procurar ajuda médica se tiver febre, tosse e dificuldade para respirar e compartilhar o histórico de viagem com profissionais da saúde; evitar contato direto e desprotegido com animais vivos ao visitar mercados nas áreas afetadas pelo vírus; evitar comer produtos de origem animal, crus ou malcozidos e ter cuidado ao manusear carne crua, leite ou órgãos de animais que possam conter vírus.
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