As fezes contaminadas do barbeiro, misturadas aos alimentos, podem provocar epidemias da Doença de Chagas
(foto:Fiocruz)

Infecções freqüentes
19 de abril de 2005

Casos de transmissão por via oral da doença de Chagas existem no Brasil pelo menos desde 1965, alertam pesquisadores em entrevista à Agência FAPESP. Descuidos básicos com as condições de infra-estrutura e higiene podem fazer com o que o problema volte

Infecções freqüentes

Casos de transmissão por via oral da doença de Chagas existem no Brasil pelo menos desde 1965, alertam pesquisadores em entrevista à Agência FAPESP. Descuidos básicos com as condições de infra-estrutura e higiene podem fazer com o que o problema volte

19 de abril de 2005

As fezes contaminadas do barbeiro, misturadas aos alimentos, podem provocar epidemias da Doença de Chagas
(foto:Fiocruz)

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - Na cidade de Teotônia, a 100 quilômetros de Porto Alegre, uma microepidemia da doença de Chagas atingiu 17 pessoas. O caso não é recente, mas ocorrido em 1965. Foram cinco mortes em 40 dias. Exames patológicos realizados em dois pacientes que entraram em óbito nos primeiros 15 dias identificaram ninhos de Trypanozoma cruzi no músculo cardíaco.

"A suspeita maior é que a contaminação tenha ocorrido por ingestão de carne malpassada de algum animal que estava com o parasita", disse Sérgio de Abuquerque, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, à Agência FAPESP.

Segundo o pesquisador, depois desse episódio na década de 1960 é que a ciência passou a estudar mais a fundo a questão. "Isso culminou com a publicação de um artigo em 1978, no qual os autores confirmaram a transmissão oral da doença em mamíferos", explica o pesquisador.

Os casos gaúchos e os registrados em 2005 em Santa Catarina apresentam características muito semelhantes, segundo avaliação de Iseu Gus, do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul. "Nesses dois episódios, a transmissão via oral mostrou que em alguns infectados ela causa um quadro agudo e apresenta uma virulência muito alta", afirma o pesquisador gaúcho. O mecanismo responsável por essa relação ainda é pouco conhecido.

Um artigo assinado por Gus, em 1993, na revista Arquivos Brasileiros de Cardiologia, mostra mais um lado da microepidemia no interior do Rio Grande do Sul. Uma análise feita em oito dos indivíduos que sobreviveram às infecções de 1965 – e que tiveram exames sorológicos positivos na época – não desenvolveram nenhuma complicação de saúde por causa dos parasitas. "A evolução dos oito casos, em 25 anos, foi benigna. Não apresentou nenhum sinal ou manifestação orgânica de doença de Chagas ou de miocardiopatia", lembra Gus.

O pesquisador gaúcho espera que os casos catarinenses tenham sido registrados de forma correta, para que esse acompanhamento, durante as próximas décadas, possa ser feito. "No caso dos que entraram em óbito em 1965, não havia manifestações clássicas de Chagas agudo. As pessoas tinham quadro infeccioso não específico", disse.

Depois do Rio Grande do Sul, destaca Albuquerque, um outro surto importante ocorreu em outubro de 1986 na cidade de Catolé do Rocha, na Paraíba. "A infecção foi comprovada em 26 indivíduos. A hipótese mais provável é que a transmissão via oral também tenha ocorrido por causa do caldo de cana contaminado", conta. O pesquisador da USP também lembra que casos semelhantes ocorreram tanto no ano 2001, no Pará, como em 2005, no Amapá, provavelmente causados pela ingestão de suco de açaí contaminado.

"Sob o meu ponto de vista, no caso específico de Santa Catarina, houve a moagem do triatomíneo infectado com a cana. Eles devem ter sido atraídos pela luz da barraca e caído na moagem", explica Albuquerque.

A transmissão do T. cruzi pela via oral é muito comum no ambiente silvestre da doença. Isso pode ocorrer tanto pelos animais onívoros que ingerem os insetos contaminados como pelo carnivorismo existente entre as diferentes espécies de animais. "Outros casos de infecção oral podem ocorrer com relativa freqüência, por descuidos básicos com as condições de infra-estrutura e higiene", alerta o cientista.


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