Número de laranjeiras afetadas pela doença no Estado e no Triângulo Mineiro caiu de 42,58% em 2008 para 3,02% este ano; conhecimento gerado por pesquisas possibilitou controlar nova praga (Foto: Wikimedia Commons)

Incidência de ‘amarelinho’ nos laranjais paulistas cai drasticamente
15 de julho de 2016

Número de laranjeiras afetadas pela doença no Estado e no Triângulo Mineiro caiu de 42,58% em 2008 para 3,02% este ano; conhecimento gerado por pesquisas possibilitou controlar nova praga

Incidência de ‘amarelinho’ nos laranjais paulistas cai drasticamente

Número de laranjeiras afetadas pela doença no Estado e no Triângulo Mineiro caiu de 42,58% em 2008 para 3,02% este ano; conhecimento gerado por pesquisas possibilitou controlar nova praga

15 de julho de 2016

Número de laranjeiras afetadas pela doença no Estado e no Triângulo Mineiro caiu de 42,58% em 2008 para 3,02% este ano; conhecimento gerado por pesquisas possibilitou controlar nova praga (Foto: Wikimedia Commons)

 

Elton Alisson  |  Agência FAPESP – Os esforços de pesquisa realizados nos últimos 20 anos em São Paulo no combate à clorose variegada dos citros (CVC) ou “amarelinho” – doença que ataca a laranja, causada pela bactéria Xylella fastidiosa – resultaram em uma redução do número de laranjeiras atacadas pela praga no Estado e no Triângulo Mineiro de 42,58% em 2008 para 3,02% este ano.

O conhecimento gerado no combate à CVC, por meio de projetos apoiados pela FAPESP e pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) nos últimos anos, tem sido fundamental para enfrentar, agora, uma doença muito mais letal para os citros: o greening ou HLB, que está presente em 17% das laranjeiras no Estado de São Paulo.

A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do workshop “O impacto da pesquisa apoiada pela FAPESP e Fundecitrus no controle da Clorose Variegada dos Citros (CVC) ou 'amarelinho' na citricultura paulista”, realizado quarta-feira (13/07), no auditório da FAPESP.

Participaram do evento o secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, o presidente e o diretor científico da FAPESP, José Goldemberg e Carlos Henrique de Brito Cruz, respectivamente, o presidente do Fundecitrus, Lourival Carmo Monaco, e seu gerente-geral, Antonio Juliano Ayres, entre outros pesquisadores.

“O ‘amarelinho’ se tornou uma doença de importância secundária para o setor citrícola do Estado de São Paulo”, disse Ayres à Agência FAPESP.

“Hoje, quando se fala sobre a doença para o citricultor em São Paulo, ele diz que isso é passado. Essa mudança só foi possível pelo conhecimento gerado e pela adoção de tecnologias de manejo nas últimas décadas”, avaliou.

De acordo com os pesquisadores participantes do evento, o “divisor de águas” na busca por estratégias para atacar a CVC nos pomares paulistas foi o Programa Genoma, da FAPESP.

O programa foi lançado em 1997, a partir da constatação de que a produção científica no Estado de São Paulo estava crescendo mais do que a média mundial em todas as áreas, exceto em genética molecular e, particularmente, em genômica, que são fundamentais para o desenvolvimento da biotecnologia.

A fim de qualificar pesquisadores e grupos de pesquisa nessa área, os dirigentes da FAPESP chegaram à conclusão de que era preciso sequenciar o genoma de algum organismo. A pergunta, contudo, era qual organismo sequenciar.

Na época, pesquisadores do Fundecitrus estavam em contato com Victoria Rossetti (1910 – 2010). Formada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), Rossetti trabalhou sua vida inteira no Instituto Biológico, onde assumiu a chefia da Seção de Fitopatologia Geral em 1957, tornando-se diretora da Divisão de Patologia Vegetal em 1968, cargo no qual se aposentou em 1987. Mesmo depois de aposentada continuou suas pesquisas junto ao instituto.

A pesquisadora identificou em parceria com Joseph Marie Bové (1929 – 2016), do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA, na sigla em francês) de Bordeaux, na França, a bactéria Xylella fastidiosa em laranjais em São Paulo, causadora da doença que Rosseti nomeou de clorose variegada dos citros porque as manchas amareladas na folha causadas pela praga apresentam-se de forma variegada, não contínua (Leia mais em:agencia.fapesp.br/13243/).

Em uma visita à FAPESP, no início de 1996, Bové convenceu o então diretor científico da Fundação, José Fernando Pérez, de que a Xylella fastidiosa seria uma boa candidata para ser sequenciada, uma vez que a bactéria estava presente em 30% dos pomares em São Paulo na época e causando graves prejuízos ao setor citrícola, que representa uma importante atividade econômica para o Estado.

“O Fundecitrus nos trouxe um argumento cientificamente embasado e convincente de focalizar o esforço de sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, que na época era presidente da Fundação.

O problema, no entanto, era que nenhum grupo de pesquisa no Estado de São Paulo tinha experiência molecular com a bactéria e nem com sua cultura em laboratório.

Para superar esse entrave, a FAPESP fez uma parceria com o Fundecitrus, que já mantinha relações com os pesquisadores Joseph Bové e Monique Garnier, do INRA de Bordeaux. Eles haviam conseguido realizar o crescimento da Xylella fastidiosa em laboratório e isolado a variedade brasileira do organismo, enviada por Rossetti para ser identificada.

A estratégia usada pela FAPESP para conseguir viabilizar o sequenciamento do genoma foi a construção de uma rede de 35 laboratórios, com quase 200 pesquisadores, integrados virtualmente por meio da Rede Onsa (Organização para Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos, na sigla em inglês) – um trocadilho com a sigla Tigr em inglês, que se lê “tigre”, do Instituto para Pesquisa Genômica, dos Estados Unidos, onde surgiu a genômica.

O prazo previsto para a conclusão do sequenciamento do genoma da bactéria era de 30 meses. Mas em novembro de 1999 – oito meses antes do prazo previsto – os pesquisadores conseguiram determinar os 2,7 milhões de pares de bases de cromossomos e identificar em larga escala os genes expressos pela bactéria.

“O sequenciamento do genoma foi um marco científico para o Brasil. Foi o primeiro sequenciamento de um fitopatógeno [organismo causador de uma doença em planta)] no mundo e realizado fora do eixo Estados Unidos-Europa”, afirmou Jesus Aparecido Ferro, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal.

“Além disso, foi resultado de uma parceria entre uma instituição de fomento à pesquisa pública – a FAPESP – e uma entidade privada – o Fundecitrus –; juntou pesquisadores de diferentes áreas; introduziu o trabalho de pesquisa em rede no país; e capacitou pesquisadores e laboratórios de várias regiões do Estado de São Paulo a utilizar e difundir técnicas genômicas para diferentes áreas de pesquisa”, enumerou o pesquisador, que participou do projeto.

Aplicação do conhecimento

Após sequenciar o genoma da Xylella fastidiosa, o próximo passo dado pela comunidade de pesquisa do Estado de São Paulo foi usar as informações do genoma da bactéria para transformá-las em algo útil e prático para controlar a clorose variegada dos citros.

Para isso, a FAPESP lançou um edital para apoiar pesquisas relacionadas ao genoma funcional da bactéria em 21 laboratórios no Estado de São Paulo.

“O alvo das pesquisas era identificar genes que permitiam à Xylella desencadear a doença e, consequentemente, determinar a agressividade ou a virulência com que a planta seria infectada”, afirmou Ferro.

Alguns dos resultados importantes obtidos por meio dos projetos foram o desenvolvimento de métodos e ferramentas para a transformação da bactéria e o aumento do conhecimento sobre os mecanismos moleculares da interação da Xylella fastidiosa com os citrus.

Além disso, também resultaram na descoberta de alvos para o controle da doença através de químicos ou de transgenia e de fatores que facilitam a propagação e a difusão da doença.

Os pesquisadores constataram durante estudos epidemiológicos que o “amarelinho” se propaga mais intensamente nas regiões mais quentes do Estado de São Paulo, onde a escassez de água é mais comum.

Em regiões com chuvas regulares ou com pomares irrigados, os danos causados pela doença são menos severos.

“Nas laranjeiras doentes, a quantidade de água que chega às folhas é 60% menor do que nas plantas sadias”, disse Ferro.

Todo esse conhecimento gerado resultou no desenvolvimento de um modelo de manejo da clorose variegada dos citros nos pomares, baseado no plantio de mudas sadias, poda ou eliminação de plantas com sintomas da doença e controle dos vetores.

Antes, a produção de mudas de laranjeiras era feita a céu aberto, próximo de pomares, o que fazia com que a maioria fosse plantada já infectada.

Com base nos dados obtidos em estudos epidemiológicos, em 2003 foi estabelecida a obrigatoriedade de os citricultores usarem viveiros protegidos para o plantio de mudas.

A medida, aliada ao uso de inseticidas contra os vetores e a erradicação de plantas mais contaminadas ou poda das menos afetadas, resultou na eliminação da contaminação de viveiros pela bactéria e na queda da incidência de clorose variegada dos citros nos laranjais paulistas e no Triângulo Mineiro nos últimos anos.

“Essa queda recente da incidência do ‘amarelinho’ foi possível em razão da substituição das plantas doentes por mudas sadias. Os casos da doença começaram a cair em razão da diminuição de mudas contaminadas”, explicou Armando Bergamin Filho, professor da Esalq.

De acordo com o pesquisador, desde 2003 foram produzidos 200 milhões de mudas de laranjeiras no Estado de São Paulo, sendo 80% originárias de 200 viveiros protegidos.

“O manejo da clorose variegada dos citros tem por base a propriedade. Se o proprietário do pomar adotar esse esquema de manejo, baseado no uso de mudas de viveiros, poda ou erradicação de plantas doentes e aplicação de inseticida para eliminar os vetores, consegue controlar a doença”, avaliou Bergamin.

Transferência de conhecimento

Na avaliação dos pesquisadores, o conhecimento obtido no combate ao “amarelinho” – que causou uma mudança no sistema de plantio da laranja, com o uso de mudas de viveiros, aumento da irrigação nas plantações e direcionamento de zonas climáticas onde os citros devem ser plantados, entre outros reflexos – tem possibilitado aos citricultores do Estado de São Paulo enfrentar o greening.

“Sem o conhecimento que obtivemos com o ‘amarelinho’, talvez a citricultura paulista não teria sobrevivido ao greening”, estimou Bergamin.

Em São Paulo, onde a doença surgiu em 2004, 17% dos laranjais foram afetados. Já no estado americano da Flórida – o maior concorrente mundial do Brasil na produção de laranja e onde a doença surgiu em 2005 –, o greening já atingiu entre 80% e 90% dos pomares.

Com isso, os produtores da região, que há 15 anos produziam 240 milhões de caixas de laranja por ano, passaram a produzir 150 milhões de caixas e, na última safra, produziram 74 milhões de caixas – o menor patamar desde 1963.

A previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) é que a produção de laranja em 2025 pela Flórida será de apenas 27 milhões de caixas.

“Os especialistas dizem que para manter uma indústria citrícola é preciso produzir pelo menos entre 50 e 60 milhões de caixas por ano. Se a produção de laranja continuar caindo, a Flórida deve sair do mercado citricultor”, estimou Bergamin.

Na avaliação dele, a “herança bendita” do “amarelinho” para a citricultura paulista foi que logo que o greening surgiu nos laranjais em São Paulo os pesquisadores e citricultores perceberam que as medidas usadas para controlar a doença teriam que ser diferentes das que usaram para combater a clorose variegada dos citros.

“Percebemos que o controle do vetor com o uso de inseticidas e a poda e erradicação de árvores nas propriedades não funciona. O manejo do greening, em vez de ser realizado só na propriedade, como no caso do ‘amarelinho’, tem que ser regional”, afirmou Bergamin.

A doença também é muito diferente do “amarelinho”, comparou o pesquisador. O número de vetores da bactéria causadora do greening é muito maior do que o do “amarelinho” e a colonização da bactéria é muito mais rápida.

E enquanto o “amarelinho” não mata a planta, mas causa a diminuição de sua produção, o greening é letal.

“Já vencemos o ‘amarelinho’. Mas o caminho de uma possível vitória sobre o greening ainda é longo”, avaliou.
 

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