Cláudio Ribeiro, do IOC, salienta a importância de os profissionais da área médica de regiões não malarígenas levarem em conta a possibilidade de diagnóstico da malária em pacientes com sintomas específicos (foto: W.Castilhos)
Ruth Nussenzweig, da Universidade de Nova York, e Cláudio Ribeiro, do Instituto Oswaldo Cruz, falam sobre a dificuldade de chegar a uma vacina contra a malária. Alternativa baseada em proteína descrita pela cientista brasileira é testada na África
Ruth Nussenzweig, da Universidade de Nova York, e Cláudio Ribeiro, do Instituto Oswaldo Cruz, falam sobre a dificuldade de chegar a uma vacina contra a malária. Alternativa baseada em proteína descrita pela cientista brasileira é testada na África
Cláudio Ribeiro, do IOC, salienta a importância de os profissionais da área médica de regiões não malarígenas levarem em conta a possibilidade de diagnóstico da malária em pacientes com sintomas específicos (foto: W.Castilhos)
Agência FAPESP – Na década de 1980, a cientista brasileira Ruth Nussenzweig, da Universidade de Nova York, publicou os resultados de um estudo que apresentou uma idéia contrária ao que muitos acreditavam e que abriu caminhos para o desenvolvimento de uma solução contra a malária, doença que mata mais de 1 milhão de pessoas por ano no mundo.
Ruth e equipe induziram proteção em camundongos injetando nesses animais uma forma do parasito, denominada proteína circunsporozoíta (CS). Com a experiência, a pesquisadora percebeu que a imunidade protegia os animais e que os soros desses continham anticorpos que causavam no esporozoíta (forma ativa do parasita da malária) isolado uma reação, a qual chamou de CSP.
Em seguida, concluiu que o soro dos camundongos continha o mesmo tipo de anticorpos do soro de indivíduos expostos em áreas de transmissão que haviam adquirido a imunidade naturalmente – se uma pessoa contrai malária várias vezes, ela acaba se tornando imune. Hoje, baseada na mesma proteína descrita pela cientista, uma vacina contra a malária está sendo testada em adultos e crianças de 1 a 4 anos na África, continente que detém o maior numero de casos da doença no mundo.
"Não se acreditava que pudesse haver uma vacina, uma vez que, na natureza, o indivíduo pode pegar malária várias vezes. Nossa pesquisa também demonstrou ser possível injetar em um animal uma forma do Plasmodium, um protozoário, acabando com a idéia de que isso não era possível", relembra Ruth, três décadas depois, em entrevista à Agência FAPESP. "A vacina que estamos testando tem apresentado uma taxa de eficácia de 60% contra a chamada ‘malária grave’. A proteção tem durado até um ano."
A pesquisadora recebeu, na sexta-feira (13/4), a medalha Henrique de Aragão, durante o seminário Henrique Aragão e a pesquisa sobre a malária: 100 anos da descoberta do ciclo exoeritrocítico da malária, realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e pela Casa de Oswaldo Cruz, em homenagem ao pesquisador que, assim como Ruth, abriu caminhos para os estudos da doença.
Nascida na Áustria em 1928, Ruth Nussenzweig formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo em 1953. Fez o pós-doutorado no Collège de France e desde 1964 está na Universidade de York, onde é professora titular do Departamento de Parasitologia Médica e Molecular.
Diagnóstico tardio
Desenvolver uma vacina contra um vírus ou uma bactéria é mais fácil do que contra um protozoário, como é o caso do Plasmodium, o parasita causador da malária. "A multiplicidade e a riqueza de antígenos no parasito são maiores do que as do vírus", explicou o médico imunologista Cláudio Ribeiro, chefe do departamento de Imunologia e do Laboratório de Pesquisas em Malária do IOC, no seminário no Rio de Janeiro. Um parasito pode ter até 6 mil genes.
"A multiplicidade de resposta imune induzida no hospedeiro que ele infecta também é outro obstáculo. Algumas respostas são protetoras, outras podem ser nefastas. Além disso, a especificidade da resposta imune é tão importante quanto o contexto no qual ela é montada, que pode depender de infecções parasitárias que ocorram concomitantemente", disse.
Outro obstáculo, segundo Ribeiro, é o fato de os antígenos e os genes poderem variar. O pesquisador também salienta a importância de os profissionais da área médica de regiões não malarígenas levarem em conta a possibilidade de diagnóstico da malária ao defrontar com pacientes que apresentem sintomas como febre, dor nas pernas e dor de cabeça forte após terem passado por áreas de surtos da doença.
Há duas semanas, uma jovem morreu no Rio de Janeiro devido a um diagnóstico tardio – o profissional de saúde que primeiro a atendeu pensou tratar-se de dengue. "Isso pode acontecer em qualquer parte do mundo, menos em zonas malarígenas. Nesses locais ela teria sido diagnosticada rapidamente", comentou.
Segundo Ribeiro, a malária, fora de regiões como a Amazônia, se apresenta de forma mais grave. "Não devemos esquecer que o mosquito existe em toda a costa brasileira. Não é impossível que alguém chegue com malária ao Rio de Janeiro e contamine um mosquito, que transmite então a doença a outra pessoa. Embora seja raro, pode-se contrair a doença aqui", afirmou.
O prêmio Henrique Aragão foi criado por Ribeiro e por Hooman Homem, da Fundação Oswaldo Cruz, em 1991, e já foi concedido a pesquisadores como Leônidas Deane, Lobato Paraense e Pedro Tauil. Ruth Nussenzweig é a primeira mulher a recebê-lo.
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