Imaginários olímpicos
16 de agosto de 2004

Livro de professora da USP conta as histórias de 45 medalhistas brasileiros, traça a evolução de modalidades esportivas no país e afirma que as glórias olímpicas nacionais são mais frutos de esforços individuais do que de uma política de apoio ao esporte

Imaginários olímpicos

Livro de professora da USP conta as histórias de 45 medalhistas brasileiros, traça a evolução de modalidades esportivas no país e afirma que as glórias olímpicas nacionais são mais frutos de esforços individuais do que de uma política de apoio ao esporte

16 de agosto de 2004

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - As primeiras medalhas dos Jogos Olímpicos de Atenas começam a ser distribuídas. Começou também o esforço da delegação brasileira, a maior que o país já levou ao tradicional evento esportivo, para aumentar os resultados modestos obtidos até hoje. Desde 1920, em Antuérpia, até 2000, em Sydney, os atletas nacionais conquistaram apenas 66 medalhas, sendo 12 de ouro, 19 de prata e 35 de bronze.

"As vitórias brasileiras são muito mais frutos de esforços individuais do que de uma política sistemática de apoio ao esporte ou às modalidades", disse à Agência FAPESP Katia Rubio, professora e pesquisadora da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo. No livro Heróis olímpicos brasileiros (Editora Zouk), lançado em junho, ela faz um levantamento inédito que resgata a história de vida de 45 medalhistas olímpicos do Brasil.

Todos os atletas vivos com conquistas individuais foram ouvidos. Entrevistas com familiares serviram para reconstruir a saga dos esportistas já mortos. No caso das conquistas coletivas – vôlei, basquete e futebol –, a pesquisadora selecionou os nomes que considerou mais representativos de cada equipe.

Para ficar em um exemplo mais recente, Katia lembra a história do nadador baiano Edvaldo Valério. Apenas os mais interessados no olimpismo nacional não se surpreenderam quando o atleta entrou na piscina em Sydney para fechar o revezamento 4 por 100 do Brasil. O time nacional ficou com o bronze muito por causa do desempenho de Valério. "Quando o entrevistei, em 2001, ele estava praticamente esquecido de novo. Fora do eixo Rio-SP, tentava obter forças para continuar", revela a professora da USP. Destaque nos últimos jogos, Valério não está em Atenas.

Segundo Katia, o caso é atípico na natação brasileira, modalidade que nunca trouxe uma medalha de ouro para o Brasil, mas soma três de prata e seis de bronze. "O Valério se forjou nadando em rios e no mar. Apenas depois é que ele foi para as piscinas", disse. A natação, ao contrário do atletismo, não é um esporte muito praticado, pelo menos em nível olímpico, por pessoas de baixa renda ou negras, como Valério, segundo a pesquisadora.

"Todos os medalhistas brasileiros do atletismo são negros. É um esporte que pode ser praticado no campinho de terra, em vários lugares. Também não exige equipamentos muito sofisticados no início de carreira", explica Katia. Para a cientista, suas pesquisas mostram que no Brasil, além do esforço individual, não existe um cultura do esporte, mas sim das diferentes modalidades olímpicas.

"O caso do judô, por exemplo, ou da vela, é bem emblemático", explica. Enquanto o primeiro surgiu no Brasil por causa da colônia japonesa, e apenas depois conseguiu desenvolver um estilo brasileiro de luta, na vela um outro tipo de imigração está presente. "Os sobrenomes dos medalhistas do Brasil no iatismo são todos do norte europeu", lembra.

As também reduzidas conquistas olímpicas do Brasil em esportes coletivos, marcam, segundo Katia, um divisor de águas para o país. Enquanto o basquete nacional, um dos três melhores do mundo ao lado de Estados Unidos e União Soviética nos anos 60, recusou-se a se profissionalizar e decaiu, o vôlei surgiu, exatamente no processo oposto, com toda força a partir dos anos 80.

"No caso do voleibol, existe muito de um processo individual também. O Carlos Arthur Nuzman (presidente da Confederação Brasileira de Voleibol na década de 80), tinha um projeto de ser presidente do Comitê Olímpico Nacional. Apesar disso, a estrutura montada por ele funciona até hoje, porque não foi pensada para durar apenas quatro anos", afirma.

Nas histórias resgatadas pela pesquisadora da USP fica claro que os heróis olímpicos brasileiros são mais frutos de processo individuais do que coletivos. Manter esse sentimento olímpico aceso, mas dentro de políticas que também estimulem o coletivo, segundo mostra o trabalho acadêmico desenvolvido por Katia, pode ser uma das saídas para o futuro.


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