USP e Arquivo Público do Estado lançam site com 184 mil fichas policiais dos arquivos do Deops. De acordo com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, que coordena o projeto, iniciativa permitirá reescrever memória política brasileira (Foto: Ficha de Monteiro Lobato nos arquivos do Deops)

História da resistência
26 de janeiro de 2009

USP e Arquivo Público do Estado lançam site com 184 mil fichas policiais dos arquivos do Deops. De acordo com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, que coordena o projeto, iniciativa permitirá reescrever memória política brasileira

História da resistência

USP e Arquivo Público do Estado lançam site com 184 mil fichas policiais dos arquivos do Deops. De acordo com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, que coordena o projeto, iniciativa permitirá reescrever memória política brasileira

26 de janeiro de 2009

USP e Arquivo Público do Estado lançam site com 184 mil fichas policiais dos arquivos do Deops. De acordo com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, que coordena o projeto, iniciativa permitirá reescrever memória política brasileira (Foto: Ficha de Monteiro Lobato nos arquivos do Deops)

 

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Entre 1924 e 1983, período que abrange duas ditaduras, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops) vigiou e reprimiu movimentos políticos e sociais. As 184 mil fichas policiais produzidas por aquele órgão podem agora ser acessadas no novo site do Projeto Integrado Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo (Proin), lançado no sábado (24/1).

Além do lançamento do site, no sábado também ocorreu a reinauguração do Memorial da Resistência de São Paulo, localizado no antigo prédio do Deops, no Largo General Osório, onde hoje funciona a Estação Pinacoteca.

De acordo com a coordenadora do Proin, Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), o site facilitará as atividades de pesquisa nos arquivos, que têm importância histórica incalculável.

“Antes do trabalho de digitação realizado no Proin, os documentos do Deops só estavam disponíveis em microfilme e era muito difícil localizar um prontuário. Com o site, basta digitar o nome da pessoa ou da instituição para encontrar a ficha correspondente. Isso facilitará o cruzamento de dados com outros arquivos e permitirá reescrever a história e a memória política brasileira”, disse Maria Luiza à Agência FAPESP.

Segundo ela, as pesquisas começaram em 1996, mas somente tomaram um formato de projeto acadêmico em 1999, com a aprovação de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, que originou o Proin e resultou na organização da documentação referente ao período entre 1924 e 1954.

“A partir daí, inúmeros inventários começaram a ser publicados como instrumento de pesquisa e divulgação dos resultados. Hoje totalizam 14 números temáticos reafirmando a importância dos projetos de Iniciação Científica”, disse a professora.

Em 2007 teve início um segundo Projeto Temático, com o título “Arquivos da repressão e da resistência, história e memória. Mapeamento e análise da documentação do Deops”. Esta etapa envolve nove professores doutores, além da equipe de bolsistas de pós-graduação e capacitação técnica. A data de referência do projeto foi ampliada, incluindo também o período que vai de 1955 a 1983, data de extinção do Deops de São Paulo.

“Os arquivos do Deops foram abertos ao público em 1995. No ano seguinte fui consultá-los como pesquisadora e encontrei grandes dificuldades para identificar os prontuários – tanto por nomes como por assuntos. Isso nos motivou a sugerir o projeto”, contou.

Desde o início o projeto teve uma tríplice coordenação: o professor Boris Kossoy, da Escola de Comunicações e Artes da USP, é responsável pelo setor de iconografia, Maria Luiza se encarrega da organização dos inventários e a direção do Arquivo do Estado é responsável pela liberação dos documentos.

De acordo com Maria Luiza, um dos principais ganhos do projeto foi a formação de recursos humanos. “O primeiro projeto, que envolveu cerca de 60 bolsistas de graduação e pós-graduação, foi um inventário do Deops. Tivemos que começar do zero, digitando uma a uma as 184 mil fichas. Vários bolsistas de iniciação científica e treinamento técnico ficaram tão envolvidos que vieram fazer pós-graduação conosco”, disse.

Durante o trabalho, a equipe foi percebendo a riqueza dos arquivos. Além dos prontuários de figuras conhecidas como Monteiro Lobato, Jorge Amado, Patrícia Galvão, o arquivo está repleto de histórias de pessoas anônimas que tiveram um importante papel político e histórico, atuando nas frentes de resistência ao autoritarismo.

“Descobrimos que era possível reescrever a história política brasileira a partir de uma história de anônimos, cruzando informações produzidas pelo Deops com os documentos confiscados dos agentes da resistência. Tivemos acesso, por exemplo, ao caso de uma operária tecelã que fazia poesias revolucionárias, à correspondência de um ativista ferroviário e à lista de livros apreendidos na casa de um sapateiro politizado”, contou.

Os pesquisadores puderam rastrear os caminhos dos impressos revolucionários – o que deu origem a um banco de dados que também pode ser acessado no site. Eram livros, panfletos e jornais que mal chegaram a circular e que foram apreendidos nas residências dos ativistas, ou até mesmo dentro de bondes, trens e navios.

Segundo a professora, o grande volume destes impressos originou a coleção Labirintos da Memória que, em breve, ganhará um novo título: Panfletos subversivos. “Pelos prontuários, descobrimos estratégias usadas para divulgar publicações proibidas. Por exemplo, um relatório policial sobre a ação ‘subversiva’ de um lavrador fichado pelo Deops informa que ele costumava ler panfletos para camponeses analfabetos, procurando incentivá-los a fazer a ‘revolução no campo’. Esses impressos eram enviados por trem e atirados no meio do percurso ou, eventualmente, escondidos em sacas de café a partir do porto de Santos ", disse.

Frente e perfil

Com base nesses estudos, em 2002 Maria Luiza lançou a exposição e o livro Livros proibidos e idéias malditas. A história dos impressos acabou se transformando em um dos módulos do novo site.

Todas essas possibilidades de abordagem têm resultado em estudos específicos, hoje sob a coordenação de Maria Luiza, Kossoy e dos professores Carlos Boucault, Elizabeth Cancelli, Federico Croci, Mariana Cardoso Ribeiro, Regina Célia Pedroso, Pàdua Fernandes, Pedro Ortiz e Priscila Perazzo.

As pesquisas sistemáticas coordenadas pelo grupo possibilitaram a criação de vários bancos de dados transformados em links no site: “Fichas policiais”, “Cadastro Proin”, “Impressos”, “Iconografia” e “Expulsos”.

De acordo com Maria Luiza, vários módulos alimentam os bancos de dados, entre eles: intelectuais, movimento feminista (história da mulher negra e o papel político da mulher) e a legislação sobre a expulsão de estrangeiros.

“O site permite buscas por nome, gênero, nacionalidade, profissão, ideologia e crime político. Com isso é fácil cruzar informações do link ‘Fichas policiais’ com o ‘Cadastro Proin’, por meio da busca avançada, para encontrar, por exemplo, camponesas ou tecelãs polonesas, judeus comunistas, japoneses fotógrafos, alemão nazista, judeu alemão e assim por diante”, afirmou.

Segundo Maria Luiza, esse tipo de busca é possível, pois os prontuários incluem fichas de qualificação, ofícios, telegramas, cartas, relatórios de informação do serviço secreto, panfletos apreendidos e fotos anexadas – ou seja, uma grande riqueza de informações acumuladas ao longo de 60 anos.

“No momento em que o cidadão ficava sob suspeita, a polícia abria um prontuário e, após a detenção, produzia a ficha de qualificação, que trazia a fotografia de frente e de perfil – uma das categorias de documentos que hoje alimentam o banco de iconogravia idealizado por Kossoy. Além da fotografia policial e as fotos confiscadas, temos um amplo universo documental acumulado ao longo dos anos. Alguns cidadãos suspeitos chegaram a ter o cotidiano vigiado por 15 anos consecutivos”, disse.

De acordo com a professora da FFLCH, os arquivos permitem reconstruir também a lógica da vigilância ou da suspeição que regia os atos da polícia política, especialmente nos períodos de ditadura.“Os prontuários e dossiês são ricos em relatórios que reproduzem os conceitos adotados pelas autoridades policiais como comunismo, terrorismo e luta armada”, disse.

A variedade dos documentos textuais e iconográficos, conta Maria Luiza, tem possibilitado a divulgação do acervo Deops por meio de diversas exposições iconográficas que envolvem grande parte da equipe de bolsistas. A última foi inaugurada no sábado (24/1): Círculo Fechado: os japoneses sob a mira do Deops, com curadoria de Kossoy, durante a reinauguração do Memorial da Resistência de São Paulo, no antigo prédio do Deops.

Mais informações: www.usp.br/proin

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