Os campos rupestres representam um dos ecossistemas mais biodiversos e ameaçados do Brasil (foto: Rafael Soares)
Combinando técnicas inovadoras, pesquisadores do Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas da Unicamp determinaram o número cromossômico das espécies do gênero Vellozia. Resultado fornece subsídios para programas de conservação e aplicações biotecnológicas
Combinando técnicas inovadoras, pesquisadores do Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas da Unicamp determinaram o número cromossômico das espécies do gênero Vellozia. Resultado fornece subsídios para programas de conservação e aplicações biotecnológicas
Os campos rupestres representam um dos ecossistemas mais biodiversos e ameaçados do Brasil (foto: Rafael Soares)
Agência FAPESP* – Pesquisadores do Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC) determinaram, com precisão inédita, o número cromossômico das icônicas velózias dos campos rupestres, solucionando uma incerteza genética que perdurava há décadas. O estudo foi publicado no Brazilian Journal of Botany.
Os campos rupestres ocorrem predominantemente no Cerrado. E representam um dos ecossistemas mais biodiversos e ameaçados do Brasil, abrigando espécies altamente adaptadas a condições extremas. Entre elas, as do gênero Vellozia se destacam por sua resistência à seca e a solos pobres, tornando-as alvos de estudos moleculares para a compreensão dessas características.
Planta da espécie Vellozia nivea (foto: Isabel Gerhardt)
Desde a década de 1980, pesquisadores tentam determinar o número básico de cromossomos das espécies de Vellozia, mas os resultados sempre foram controversos. Alguns estudos apontavam nove, oito e até sete pares cromossômicos, dependendo da espécie. Parte dessa confusão se deve ao fato de que alguns cromossomos eram considerados satélites – pequenas estruturas ligadas aos cromossomos principais, que poderiam ser interpretadas como partes acessórias e não como verdadeiros cromossomos.
Pesquisadores do GCCRC – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – abordaram essa questão de uma maneira inovadora. Utilizando um anticorpo contra uma proteína do centrômero (região mais estreita dos cromossomos e importante para sua divisão), conseguiram demonstrar que esses supostos satélites eram, na verdade, cromossomos reais. Isso trouxe uma nova perspectiva sobre a organização genômica do gênero e ajudou a resolver um debate de décadas.
“Se há centrômero, há um cromossomo. Essa abordagem confirmou que as espécies analisadas possuem nove pares cromossômicos”, conta Guilherme Braz, especialista em citogenética e primeiro autor do estudo. Os resultados possibilitaram a determinação inequívoca do número de cromossomos em seis espécies de Vellozia, sendo que, para quatro delas, essa informação era inédita.
O desafio da contagem
Determinar o número exato de cromossomos de uma planta pode parecer simples, mas no caso das velózias há um desafio técnico importante: é extremamente difícil obter células em metáfase, a fase da divisão celular em que os cromossomos estão mais visíveis em microscópios e prontos para serem contados. As velózias apresentam crescimento extremamente lento, o que limita a obtenção dessas células.
Para superar esse obstáculo, os pesquisadores se valeram de uma estratégia inovadora: por meio da aplicação de hormônios em sementes das espécies, geraram uma estrutura denominada calo, que apresenta uma taxa mais alta de divisão celular. Isso permitiu a obtenção de um número muito maior de células em metáfase, facilitando a contagem e confirmando os achados sobre o número de cromossomos do gênero.
Cromossomos de planta do gênero Vellozia (foto: Guilherme Braz)
“Combinamos a indução de divisão celular e a identificação de uma proteína do centrômero, permitindo uma contagem precisa. Esse método pode futuramente ser aplicado a outras espécies que igualmente têm cromossomos pequenos e baixo número de células em metáfase”, resume Ricardo Dante, pesquisador principal do GCCRC e da Embrapa Agricultura Digital que também assina o artigo.
Por que isso importa?
Na avaliação de Isabel Gerhardt, pesquisadora principal do GCCRC e da Embrapa Agricultura Digital, a resolução desse mistério cromossômico não é apenas uma curiosidade acadêmica, pois tem implicações importantes para a evolução, conservação e genética das espécies de Vellozia. “O número de cromossomos pode indicar eventos como poliploidia [duplicação do genoma], fusões ou quebras cromossômicas que influenciaram a adaptação dessas plantas ao ambiente extremo dos campos rupestres”, complementa Gerhardt, coautora do estudo.
Além disso, conhecer o número correto de cromossomos auxilia na definição de espécies e linhagens evolutivas únicas, contribuindo para a preservação de populações ameaçadas. O estudo também pode ter aplicações biotecnológicas, pois compreender a organização genômica e investigar os genes envolvidos na resposta à seca das velózias pode inspirar estratégias agrícolas para minimizar os efeitos das mudanças climáticas.
Os pesquisadores do GCCRC mostraram que contar cromossomos pode ser um verdadeiro quebra-cabeça, mas, ao utilizar ferramentas modernas, conseguiram solucionar um mistério que persistia há décadas. Essa descoberta não apenas redefine o conhecimento sobre o gênero Vellozia, mas também contribui para a valorização da biodiversidade brasileira.
O artigo Revisiting the cytogenetics of Vellozia Vand.: immunolocalization of KNL1 elucidates the chromosome number for the genus pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s40415-024-01064-1.
* Com informações do GCCRC.
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