Os campos rupestres representam um dos ecossistemas mais biodiversos e ameaçados do Brasil (foto: Rafael Soares)

Genômica
Grupo soluciona controvérsia genética envolvendo planta icônica dos campos rupestres
21 de março de 2025

Combinando técnicas inovadoras, pesquisadores do Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas da Unicamp determinaram o número cromossômico das espécies do gênero Vellozia. Resultado fornece subsídios para programas de conservação e aplicações biotecnológicas

Genômica
Grupo soluciona controvérsia genética envolvendo planta icônica dos campos rupestres

Combinando técnicas inovadoras, pesquisadores do Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas da Unicamp determinaram o número cromossômico das espécies do gênero Vellozia. Resultado fornece subsídios para programas de conservação e aplicações biotecnológicas

21 de março de 2025

Os campos rupestres representam um dos ecossistemas mais biodiversos e ameaçados do Brasil (foto: Rafael Soares)

 

Agência FAPESP* – Pesquisadores do Centro de Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC) determinaram, com precisão inédita, o número cromossômico das icônicas velózias dos campos rupestres, solucionando uma incerteza genética que perdurava há décadas. O estudo foi publicado no Brazilian Journal of Botany.

Os campos rupestres ocorrem predominantemente no Cerrado. E representam um dos ecossistemas mais biodiversos e ameaçados do Brasil, abrigando espécies altamente adaptadas a condições extremas. Entre elas, as do gênero Vellozia se destacam por sua resistência à seca e a solos pobres, tornando-as alvos de estudos moleculares para a compreensão dessas características.


Planta da espécie Vellozia nivea (foto: Isabel Gerhardt)

Desde a década de 1980, pesquisadores tentam determinar o número básico de cromossomos das espécies de Vellozia, mas os resultados sempre foram controversos. Alguns estudos apontavam nove, oito e até sete pares cromossômicos, dependendo da espécie. Parte dessa confusão se deve ao fato de que alguns cromossomos eram considerados satélites – pequenas estruturas ligadas aos cromossomos principais, que poderiam ser interpretadas como partes acessórias e não como verdadeiros cromossomos.

Pesquisadores do GCCRC – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – abordaram essa questão de uma maneira inovadora. Utilizando um anticorpo contra uma proteína do centrômero (região mais estreita dos cromossomos e importante para sua divisão), conseguiram demonstrar que esses supostos satélites eram, na verdade, cromossomos reais. Isso trouxe uma nova perspectiva sobre a organização genômica do gênero e ajudou a resolver um debate de décadas.

“Se há centrômero, há um cromossomo. Essa abordagem confirmou que as espécies analisadas possuem nove pares cromossômicos”, conta Guilherme Braz, especialista em citogenética e primeiro autor do estudo. Os resultados possibilitaram a determinação inequívoca do número de cromossomos em seis espécies de Vellozia, sendo que, para quatro delas, essa informação era inédita.

O desafio da contagem

Determinar o número exato de cromossomos de uma planta pode parecer simples, mas no caso das velózias há um desafio técnico importante: é extremamente difícil obter células em metáfase, a fase da divisão celular em que os cromossomos estão mais visíveis em microscópios e prontos para serem contados. As velózias apresentam crescimento extremamente lento, o que limita a obtenção dessas células.

Para superar esse obstáculo, os pesquisadores se valeram de uma estratégia inovadora: por meio da aplicação de hormônios em sementes das espécies, geraram uma estrutura denominada calo, que apresenta uma taxa mais alta de divisão celular. Isso permitiu a obtenção de um número muito maior de células em metáfase, facilitando a contagem e confirmando os achados sobre o número de cromossomos do gênero.


Cromossomos de planta do gênero Vellozia (foto: Guilherme Braz)

“Combinamos a indução de divisão celular e a identificação de uma proteína do centrômero, permitindo uma contagem precisa. Esse método pode futuramente ser aplicado a outras espécies que igualmente têm cromossomos pequenos e baixo número de células em metáfase”, resume Ricardo Dante, pesquisador principal do GCCRC e da Embrapa Agricultura Digital que também assina o artigo.

Por que isso importa?

Na avaliação de Isabel Gerhardt, pesquisadora principal do GCCRC e da Embrapa Agricultura Digital, a resolução desse mistério cromossômico não é apenas uma curiosidade acadêmica, pois tem implicações importantes para a evolução, conservação e genética das espécies de Vellozia. “O número de cromossomos pode indicar eventos como poliploidia [duplicação do genoma], fusões ou quebras cromossômicas que influenciaram a adaptação dessas plantas ao ambiente extremo dos campos rupestres”, complementa Gerhardt, coautora do estudo.

Além disso, conhecer o número correto de cromossomos auxilia na definição de espécies e linhagens evolutivas únicas, contribuindo para a preservação de populações ameaçadas. O estudo também pode ter aplicações biotecnológicas, pois compreender a organização genômica e investigar os genes envolvidos na resposta à seca das velózias pode inspirar estratégias agrícolas para minimizar os efeitos das mudanças climáticas.

Os pesquisadores do GCCRC mostraram que contar cromossomos pode ser um verdadeiro quebra-cabeça, mas, ao utilizar ferramentas modernas, conseguiram solucionar um mistério que persistia há décadas. Essa descoberta não apenas redefine o conhecimento sobre o gênero Vellozia, mas também contribui para a valorização da biodiversidade brasileira.

O artigo Revisiting the cytogenetics of Vellozia Vand.: immunolocalization of KNL1 elucidates the chromosome number for the genus pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s40415-024-01064-1.

* Com informações do GCCRC.
 

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.