Experimento mostrou que a formulação ideal tem 260 g/kg de proteína digestível e 180 g/kg de amido (foto: Gabriela Carli)
Experimento conduzido na Unesp de Dracena mostrou que a espécie consegue usar carboidratos como fonte de energia, tornando possível reduzir o teor de proteínas – que têm valor mais elevado – na alimentação dos peixes. Tal medida também diminui a excreção de compostos nitrogenados e o impacto ambiental da piscicultura intensiva
Experimento conduzido na Unesp de Dracena mostrou que a espécie consegue usar carboidratos como fonte de energia, tornando possível reduzir o teor de proteínas – que têm valor mais elevado – na alimentação dos peixes. Tal medida também diminui a excreção de compostos nitrogenados e o impacto ambiental da piscicultura intensiva
Experimento mostrou que a formulação ideal tem 260 g/kg de proteína digestível e 180 g/kg de amido (foto: Gabriela Carli)
Agência FAPESP* – Estudo conduzido no campus de Dracena da Universidade Estadual Paulista (Unesp) demonstrou que juvenis de tambaqui (Colossoma macropomum) conseguem utilizar carboidratos como fonte de energia, poupando o uso de proteína – o ingrediente mais caro das rações para peixes.
Os resultados, publicados no Journal of Animal Physiology and Animal Nutrition, indicam que a formulação ideal para aliar desempenho zootécnico e metabolismo animal de forma mais sustentável é a dieta com 260 gramas por quilo (g/kg) de proteína digestível e 180 g/kg de amido.
O estudo faz parte de um projeto apoiado pela FAPESP e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). É coordenado por Leonardo Takahashi, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Tecnológicas (FCAT-Unesp), e envolve pesquisadores do Centro de Aquicultura (Caunesp). O grupo avaliou seis dietas formuladas com diferentes proporções de proteína e carboidrato.
“A nutrição é um dos principais desafios na produção de peixes, pois a alimentação corresponde a mais de 70% dos gastos totais e a proteína é um fator que encarece muito a ração”, explica Gabriela Carli, primeira autora do artigo, que realizou a pesquisa durante seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Aquicultura do Caunesp.
Além da aplicação direta na formulação de rações, o estudo contribui para desfazer a ideia, ainda presente em parte da literatura, de que peixes são intolerantes ao carboidrato. “Muitos dos estudos clássicos foram feitos com peixes de clima temperado, como salmões e trutas. Mas os nossos peixes nativos, como o tambaqui, têm um metabolismo diferente e precisam ser estudados com base em sua ecologia e dieta natural”, explica Takahashi.
O tambaqui é um peixe da região amazônica que se alimenta de frutos e sementes que caem na beira do rio, além de outros organismos vivos menores, por isso é considerado onívoro. “Isso sugere que a espécie possui mecanismos fisiológicos para a utilização de alimentos ricos em carboidratos”, considera Takahashi.
Em trabalho anterior (2022), os cientistas avaliaram a resposta metabólica do tambaqui à glicose e à frutose. Os resultados mostraram que o tambaqui aproveita de forma eficiente a glicose e frutose presentes em sua dieta na natureza. “Com isso, vimos que o tambaqui é metabolicamente bem adaptado ao consumo de carboidratos, o que nos deu base para pensar numa formulação com maior teor de amido”, comenta Takahashi. “Esse estudo foi essencial para entender o funcionamento bioquímico do tambaqui e definir uma dieta mais eficiente no novo trabalho”, completa o pesquisador.
Efeito poupador de proteína
“Nós trabalhamos com a hipótese de que o tambaqui, sendo um peixe onívoro da bacia amazônica, naturalmente exposto a frutos e sementes, teria um metabolismo capaz de aproveitar bem os carboidratos como fonte de energia”, explica Takahashi. “Ao confirmarmos isso, conseguimos formular uma dieta com menos proteína e mais carboidrato, sem prejuízo ao desempenho zootécnico”, relata.
O conceito de “efeito poupador de proteína” busca justamente substituir parte da proteína utilizada como fonte de energia por fontes mais baratas, como carboidratos ou lipídios. Com isso, a proteína passa a ser usada prioritariamente para o crescimento dos peixes – sua principal função biológica – e não como combustível energético.
As dietas testadas foram formuladas de forma isoenergética, ou seja, com a mesma quantidade de energia digestível, respeitando as exigências nutricionais conhecidas para o tambaqui. Foram combinados três níveis de proteína digestível (230, 260 e 290 gramas por quilograma) e dois níveis de amido (180 e 280 gramas por quilograma), totalizando seis dietas experimentais. A formulação teve como referência os parâmetros estabelecidos por estudos anteriores. As fontes proteicas incluíram farelo de soja, farinha de peixe e glúten de milho; o amido de milho foi utilizado como principal fonte de carboidrato, e, o óleo de soja, como fonte lipídica.
O grupo avaliou seis dietas formuladas com diferentes proporções de proteína e carboidrato (foto: Gabriela Carli)
“Os ingredientes proteicos são os que têm maior impacto no custo da ração”, afirma Takahashi. “Se o peixe for capaz de usar carboidrato como fonte de energia, conseguimos reduzir a inclusão de proteína, baratear a dieta e, ao mesmo tempo, minimizar a excreção de compostos nitrogenados, como a amônia, que são tóxicos e prejudiciais tanto ao peixe quanto ao ambiente”, comenta o pesquisador.
A excreção de amônia é uma preocupação importante na piscicultura intensiva, pois seu acúmulo pode comprometer a qualidade da água e provocar mortalidade nos viveiros. A menor presença de resíduos nitrogenados, associada ao uso eficiente de nutrientes, contribui para tornar a produção mais sustentável.
O estudo também abre caminho para o uso de ingredientes locais, especialmente na região Norte, onde a produção de tambaqui é concentrada, mas os custos com ração são elevados devido à necessidade de transporte de insumos vindos do Sul e Centro-Oeste. “A continuação desse trabalho é justamente testar ingredientes vegetais disponíveis regionalmente, como resíduos de indústrias de polpa de frutas da Amazônia”, adianta Takahashi.
Carli reforça a importância prática da pesquisa: “A ração representa mais de 70% do custo de produção do peixe. Reduzir esse valor sem comprometer o crescimento do animal tem impacto direto para os produtores, especialmente os de menor escala, que muitas vezes enfrentam dificuldades para adquirir ração adequada”.
A pesquisa foi realizada com juvenis, fase em que o peixe apresenta maior exigência nutricional e o custo da alimentação é mais elevado. “Essa fase permite também maior controle experimental e reflete uma etapa crítica do ciclo produtivo”, acrescenta Takahashi.
O artigo The Protein/Carbohydrate Ratio in the Diet Affects Zootechnical Performance and the Regulation of Intermediary Metabolism in Juveniles Tambaqui (Colossoma macropomum) pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jpn.14060.
* Com informações da Assessoria de Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da Unesp Jaboticabal.
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