Projeto Temático do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental da USP encerra com a publicação de 14 artigos, cinco teses de doutorado e cinco de mestrado
Projeto Temático do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental da USP encerra com a publicação de 14 artigos e a conclusão de seis teses de doutorado e seis dissertações de mestrado
Projeto Temático do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental da USP encerra com a publicação de 14 artigos e a conclusão de seis teses de doutorado e seis dissertações de mestrado
Projeto Temático do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental da USP encerra com a publicação de 14 artigos, cinco teses de doutorado e cinco de mestrado
Por Claudia Izique
Agência FAPESP – A epilepsia não é exatamente uma doença, mas uma síndrome ou conjunto de alterações decorrente de perda do equilíbrio entre excitação e inibição em neurônios, em uma ou mais regiões do cérebro, seguida ou não de convulsão.
Há diversos tipos de epilepsia, algumas de origem genética, outras sintomáticas. Para alguns casos, já existem medicamentos e até cirurgias que reduzem a frequência das crises. Mas muitos dos mecanismos desencadeadores das crises epilépticas que acometem milhões de pessoas em todo o planeta ainda permanecem um mistério para a ciência.
Na tentativa de compreender a origem desse distúrbio neurológico, as pesquisas usam, além da informação proveniente de todo o universo clínico, modelos experimentais e computacionais, que procuram mimetizar as manifestações dessa síndrome e, adicionalmente, permitem testar a eficácia de potenciais drogas anticonvulsivantes.
Em alguns modelos experimentais, as crises epilépticas são induzidas em animais sadios por meio de estimulação elétrica ou administração de drogas. Outros modelos utilizam animais geneticamente selecionados, com predisposição para apresentar crises – para estudar alterações neuronais, fisiológicas e neuroquímicas espontâneas ou induzidas por meio de intensa estimulação sensorial (luz ou som), elétrica ou química.
“Estímulos sonoros, visuais ou até táteis podem ser o gatilho para as crises epilépticas, desde que haja predisposição genética”, explica o neurofisiologista Norberto Garcia-Cairasco, professor titular do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador principal do Programa FAPESP de Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe).
Ele cita o exemplo de um fato ocorrido em 1997, no Japão, quando, durante um episódio do desenho animado da série Pokémon, sob efeito de intensa luz intermitente, centenas de crianças manifestaram sintomas neurológicos agudos e foram hospitalizadas. Algumas delas foram diagnosticadas com epilepsia de tipo fotossensível, hoje sabidamente de origem genética.
Estímulo sonoro e crise
O Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental (LNNE), do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP, realiza pesquisas com modelos animais, com destaque para a cepa Wistar Audiogenic Rat (WAR). Desenvolvida há aproximadamente 25 anos pelo LNNE, essa cepa corresponde a uma linhagem de ratos propensos a crises, selecionada de progenitores Wistar provenientes do Biotério Central da USP em Ribeirão Preto. Essa linhagem está em sua 50ª geração, tendo produzido cerca de 7 mil animais, cujos padrões comportamentais são periodicamente reavaliados.
Submetidos a estímulo sonoro de alta intensidade, esses animais apresentam manifestações convulsivas: saltam, correm ou têm crises tônico-clônicas generalizadas. “O estudo das crises audiogênicas é uma ótima ferramenta para compreender os substratos neuronais associados às crises epilépticas e as alterações comportamentais, eletrofisiológicas e moleculares consequentes”, explica Garcia-Cairasco, diretor do LNNE.
Existem outros modelos em cepas de camundongos e hamsters com predisposição genética a crises induzidas por estímulos sonoros, que são utilizados em vários laboratórios espalhados pelo mundo. O estudo comparativo é importante para se conhecer mais profundamente a neurobiologia das crises epilépticas.
Já ficou demonstrado, por exemplo, que algumas drogas antiepilépticas utilizadas na clínica humana protegeram animais de determinadas cepas, mas não se revelaram eficazes em outros modelos animais como, por exemplo, aqueles com crises induzidas por drogas ou estimulação elétrica. “Daí a necessidade de se utilizar variados modelos e realizar estudos comparativos para testar novas drogas antiepilépticas”, argumenta Garcia-Cairasco.
Caracterização da cepa WAR
Os primeiros resultados de pesquisa do grupo da FMRP começaram a ser apresentados em congressos internacionais em 1990 e vários projetos contaram com o apoio da FAPESP. O último deles foi o Projeto Temático “Neurociências & Epilepsia. Caracterização Interdisciplinar da Cepa WAR e Modelos de Epilepsia Correlacionados”, iniciado em 2008 e encerrado em 2014, coordenado por Garcia-Cairasco.
A pesquisa foi dividida em sete subprojetos, com a participação de pesquisadores dos Departamentos de Fisiologia, Bioquímica/Imunologia, Biologia Celular/Molecular e Bioagentes Patogênicos, da FMRP.
“Nosso objetivo foi identificar perguntas para as quais a clínica ainda não tem respostas. A análise multidisciplinar é uma estratégia eficaz por congregar competências de vários pesquisadores. Por sua vez, o uso de vários modelos animais permite obter informações científicas mais consistentes e avaliar aspectos das crises comportamentais agudas e crônicas, os mecanismos do fenômeno de longo prazo, chamado de neuroplasticidade, e a resposta potencial a terapias”, diz Garcia-Cairasco.
As pesquisas relacionadas à caracterização das alterações dos ratos WAR incluíram análises comportamentais, eletrofisiológicas, neuroendócrinas, cardiovasculares/respiratórias, moleculares, entre outras. Os resultados foram comparados com os de outros modelos experimentais de epilepsia como, por exemplo, o de crise induzida por tratamento com a pilocarpina, um potente agente convulsivante e neurotóxico. "Buscamos semelhanças entre as manifestações de crises epilépticas audiogênicas agudas e crônicas em modelos animais correlacionados com as crises epilépticas em humanos”, afirma o pesquisador.
Epilepsia e depressão
Inicialmente, o LNNE procurou desenvolver uma cepa que modelasse apenas as epilepsias. Mas, com o processo de endogamia da linhagem de ratos, foram selecionadas também alterações que são características de comorbidades encontradas nos pacientes com epilepsia. Por meio da avaliação da função cardiovascular e respiratória, os pesquisadores descobriram que os WARs são hipertensos, taquicárdicos e têm aumento da atividade do sistema simpático.
Constataram também que, em ratos da cepa WAR, o eixo neuroendócrino hipotálamo-hipófise adrenal – mobilizado toda vez que há uma situação de estresse – está hiperativo. O desafio agora é relacionar esse fenômeno com a depressão, doença muito prevalente em humanos.
“Na realidade, nos interessa a relação bidirecional entre estresse e depressão, e a cepa WAR pode ajudar a modelar esta interação, de vital importância na clínica neuropsiquiátrica”, explica Garcia-Cairasco. Em conjunto, se observam em WARs respostas aumentadas ao estresse e riscos de falência cardiorrespiratória, fenômeno que facilitaria a chamada “morte súbita nas epilepsias”.
Mesmo não sofrendo os insultos típicos do Status Epilepticus (SE), um padrão de crise com convulsões duradouras e contínuas, a repetição das crises audiogênicas provoca alterações comportamentais, eletrofisiológicas, além de alterações celulares e moleculares típicas do fenômeno epiléptico. Os animais da cepa WAR têm respostas a estímulos causadores de epilepsia mais intensas do que as de animais não selecionados, já que neles são induzidas crises com doses subconvulsivantes.
A pesquisa também permitiu examinar potenciais mecanismos da associação entre epilepsia e a doença de Alzheimer, considerando que estudos recentes têm demonstrado que crises epilépticas podem contribuir para acelerar o declínio cognitivo no Alzheimer. Esses estudos, ainda preliminares, sugerem alterações precoces hipocampais na cepa WAR típicas de cérebros de pacientes com a doença de Alzheimer.
Colaboração internacional
Os pesquisadores comparam, há pelo menos uma década, os modelos de crises audiogênicas de animais da cepa WAR com os Genetically-Epilepsy Prone Rats (GEPRs) desenvolvidos pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e, no âmbito do Projeto Temático, com os dos hamsters GASH-Sal, do Instituto de Neurociências de Castilla y León, da Universidade de Salamanca, na Espanha. Recentemente, Garcia-Cairasco recebeu homenagem da prefeitura de Salamanca pelos muitos anos de pesquisa junto com a Universidade.
Durante a vigência do Projeto Temático, foram publicados 14 artigos, além do capítulo Physiological and Pathophysiological Expansion of Neuronal Network – de autoria de N´Gouemo, Garcia-Cairasco and Fangold, no livro Neuronal Networks in Brain Function, CNS Disorders and Therapeutics, Eds. Faingold & Blumenfeld (Academic Press), Londres, 2014. O projeto também resultou em cinco teses de doutorado – outras quatro estão em andamento –, cinco dissertações de mestrado e três pós-doutorados.
Nesse período, ainda foram organizados pelo LNNE os simpósios internacionais que geraram os volumes especiais da revista Epilepsy & Behavior: NEWroscience 2008. Contemporary Neuroscience, Epilepsy and the Arts e NEWroscience 2013. Epilepsies: Complexity and Comorbidities, em que Garcia-Cairasco atuou como editor convidado.
Um ramo da cepa WAR foi doado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A mesma cepa também é utilizada em estudos colaborativos com laboratórios em São Paulo, Pernambuco, Brasília e Rio de Janeiro. Recentemente, o LNNE obteve aprovação para doação da cepa WAR para o The Rat Resource and Research Center (RRRC), nos Estados Unidos, um dos maiores repositórios internacionais de cepas de ratos, responsável pelo armazenamento e distribuição de embriões desses modelos à comunidade biomédica internacional.
Desestigmatizando a epilepsia
Já se sabe que as epilepsias são graves e que, além do custo enorme com os pacientes não diagnosticados ou sem resposta às terapias, outros podem ter morte súbita associada a essa síndrome. Há, portanto, um longo caminho a percorrer até se desvendar os enigmas que ainda envolvem a epilepsia, que incluem a compreensão das funções e disfunções do cérebro para além da linearidade dos modelos de pensamento estabelecidos, além de iniciativas para “desestigmatizar” a doença, segundo Garcia-Cairasco, membro da Neurobiology Commision of the International League Against Epilepsy (ILAE).
Os pesquisadores do LNNE integram o Grupo de Estudos Reflexões em Neurociências Contemporâneas do Instituto de Estudos Avançados da USP, em Ribeirão Preto, que tem o objetivo de discutir as funções e disfunções do cérebro de forma transdiciplinar e aberto à sociedade (leia mais em http://agencia.fapesp.br/17775). Participam, desde 2011, da Brain Awareness Week (BAW) – uma iniciativa mundial da Dana Foundation, que apoia pesquisas sobre o cérebro. O evento, com duração de uma semana, ocorre todos os anos no mês de março e tem como objetivo divulgar ao grande público temas e avanços neurocientíficos.
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