Em artigo divulgado na Scientific Reports, pesquisadores afirmam que a entrada do parasita na célula hospedeira aumenta a expressão de certos microRNAs capazes de inibir a ação do sistema imune (imagem: Wikimedia Commons)

Grupo da USP identifica potenciais alvos para o tratamento da leishmaniose
23 de agosto de 2017

Em artigo divulgado na Scientific Reports, pesquisadores afirmam que a entrada do parasita na célula hospedeira aumenta a expressão de certos microRNAs capazes de inibir a ação do sistema imune

Grupo da USP identifica potenciais alvos para o tratamento da leishmaniose

Em artigo divulgado na Scientific Reports, pesquisadores afirmam que a entrada do parasita na célula hospedeira aumenta a expressão de certos microRNAs capazes de inibir a ação do sistema imune

23 de agosto de 2017

Em artigo divulgado na Scientific Reports, pesquisadores afirmam que a entrada do parasita na célula hospedeira aumenta a expressão de certos microRNAs capazes de inibir a ação do sistema imune (imagem: Wikimedia Commons)

 

Karina Toledo | Agência FAPESP – Pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) começam a desvendar os mecanismos moleculares pelos quais o parasita causador da leishmaniose cutânea consegue driblar as defesas do organismo hospedeiro e infectar novas células.

Caracterizada por feridas na pele de lenta cicatrização, a doença é causada por protozoários do gênero Leishmania. Costuma ser transmitida ao ser humano e a outros mamíferos pela picada de insetos que se alimentam de sangue, como o mosquito-palha (gênero Lutzomyia, nas Américas).

De acordo com as informações relatadas pelo grupo da USP na revista Scientific Reports, o simples fato de o patógeno entrar no macrófago – célula de defesa que representa o principal alvo da Leishmania nos mamíferos – é suficiente para alterar a expressão gênica no hospedeiro. Como resultado, há uma diminuição na síntese de óxido nítrico, uma espécie de “arma química” usada pelo sistema imune no combate a invasores.

“Nossa linha de pesquisa tem como objetivo entender como se dá essa interação entre a Leishmania e o macrófago para, assim, identificar alvos moleculares que permitam interromper a infecção e matar o parasita”, contou Lucile Maria Floeter-Winter, professora do Departamento de Fisiologia do IB-USP e coordenadora do projeto apoiado pela FAPESP.

Nos experimentos mais recentes, os cientistas infectaram macrófagos de camundongos com protozoários da espécie Leishmania amazonensis. As culturas celulares foram divididas em dois grupos: um recebeu o parasita “selvagem” (sem alteração genética) e, o outro, uma linhagem modificada no laboratório para não produzir uma enzima chamada arginase.

Em um trabalho anterior, publicado na revista PLOS One, o grupo da USP já havia demonstrado que a produção de arginase é essencial para a sobrevivência do parasita no organismo hospedeiro.

O passo seguinte foi analisar como a entrada da Leishmania na célula altera a expressão de microRNAs – pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas, mas desempenham função regulatória em diversos processos celulares.

“Os microRNAs são capazes de se ligar a moléculas de RNA mensageiro [que dão origem às proteínas] fazendo com que elas sejam degradadas ou inibindo sua tradução em proteína. Portanto, quando há um aumento na expressão de microRNA na célula, significa que algum processo celular está sendo inibido”, explicou Floeter-Winter.

O grupo focou a análise em um conjunto de 84 microRNAs sabidamente envolvidos na resposta imune de macrófagos, com o objetivo de ver quais teriam a expressão aumentada com a entrada do parasita na célula. A expressão foi avaliada em quatro momentos diferentes: 4, 24, 48 e 72 horas depois da infecção.

Os resultados mostram que o parasita selvagem aumentou a expressão de 78% dos 84 microRNAs analisados no macrófago. Já a linhagem sem arginase aumentou a expressão de apenas 32% dessas moléculas.

“Isso evidencia que o fato de o parasita não produzir arginase faz com que o macrófago responda de forma diferente à infecção”, avaliou Floeter-Winter.

Entre os microRNAs que estavam mais expressos nos macrófagos infectados pelo parasita selvagem em comparação ao grupo que recebeu a Leishmania nocaute de arginase, duas moléculas chamaram a atenção dos pesquisadores: o miR-294 e o miR-721.

Com o auxílio de programas de bioinformática, o grupo buscou os possíveis alvos desses dois microRNAs. Essa análise sugeriu que ambos seriam responsáveis por inibir no macrófago a produção de uma enzima chamada óxido nítrico sintase – essencial para que a célula de defesa consiga secretar óxido nítrico e matar o patógeno.

“A entrada da Leishmania nocaute de arginase no macrófago também aumenta a expressão de miR-294 e o miR-721, mas, aparentemente, não o suficiente para inibir completamente a óxido nítrico sintase e facilitar a sobrevivência do parasita”, comentou a pesquisadora.

Três outros experimentos foram feitos para confirmar que miR-294 e miR-721 têm como alvo uma região do RNA mensageiro da óxido nítrico sintase. A descrição metodológica rendeu um segundo artigo publicado no periódico Protocol Exchange, também do grupo Nature.

Em um dos testes, os pesquisadores colocaram na cultura de células, logo após a infecção, moléculas conhecidas como antagomiR, capazes de se ligar no microRNA e, assim, impedir que ele se una ao alvo natural (o RNA mensageiro).

“Mostramos que, à medida que aumentamos a dose do antagomiR específico para miR-294 e miR-721, uma quantidade menor de microRNAs se ligava ao RNA mensageiro da oxido nítrico sintase e, assim, o efeito inibitório não acontecia”, contou Floeter-Winter.

Próximos passos

O grupo coordenado por Floeter-Winter chegou a levantar a hipótese de que a enzima arginase poderia ser um alvo interessante para o desenvolvimento de fármacos contra a leishmaniose. No entanto, a ideia não se mostrou factível.

“No trabalho anterior, mostramos que essa enzima está localizada dentro de uma organela do parasita que, por sua vez, está dentro de uma organela do macrófago. Dificilmente um composto químico conseguiria atravessar todas essas membranas e chegar ao local onde a arginase está ativa em quantidade suficiente para ter um efeito biológico”, comentou.

Por estarem localizados no citoplasma do macrófago, os microRNAs miR-294 e miR-721 aparentam ser alvos mais promissores, na avaliação da pesquisadora.

Para avançar nesse entendimento, segundo Floeter-Winter, o próximo passo é repetir o experimento usando macrófagos de uma linhagem diferente de camundongo.

“Inicialmente usamos uma linhagem chamada BALB/c, que é suscetível à infecção por Leishmania. Agora vamos usar macrófagos da linhagem Black-C57, que é resistente ao parasita. Queremos ver, nesse contexto, o que acontece com a expressão de microRNAs após a infecção”, afirmou.

O grupo pretende ainda repetir o experimento usando uma linhagem de macrófagos humanos, além de realizar testes com outras espécies de Leishmania – tanto as causadoras da forma tegumentar (como, por exemplo, a L. major e a L. braziliensis), quanto da forma visceral (L. infantum e L. donovani, entre outras).

“Fizemos inicialmente uma fotografia mais ampla dessa interação entre parasita e macrófago. Agora será preciso detalhar o que acontece caso a caso”, disse.

O artigo Leishmania (Leishmania) amazonensis induces macrophage miR-294 and miR-721 expression and modulates infection by targeting NOS2 and L-arginine metabolism pode ser lido em: https://www.nature.com/articles/srep44141.

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