No Brasil, o projeto de Lei de Biossegurança tem alteração aprovada por comissão do Senado, passando a permitir a pesquisa em casos específicos (foto: URMC)
Licença inédita é dada à Universidade de Newcastle e comemorada por cientistas. No Brasil, o projeto de Lei de Biossegurança tem alteração aprovada por comissão do Senado na terça (10/8), passando a permitir a pesquisa em casos específicos. Texto deverá ser apreciado em regime de urgência para aprovação ainda este ano
Licença inédita é dada à Universidade de Newcastle e comemorada por cientistas. No Brasil, o projeto de Lei de Biossegurança tem alteração aprovada por comissão do Senado na terça (10/8), passando a permitir a pesquisa em casos específicos. Texto deverá ser apreciado em regime de urgência para aprovação ainda este ano
No Brasil, o projeto de Lei de Biossegurança tem alteração aprovada por comissão do Senado, passando a permitir a pesquisa em casos específicos (foto: URMC)
Agência FAPESP - Cientistas britânicos foram autorizados a realizar a clonagem com células-tronco embrionárias humanas para fins terapêuticos. O sinal verde inédito na Europa foi concedido pelo Departamento de Embriologia e Fertilização Humana (HFEA) da Grã-Bretanha à Universidade de Newcastle.
Segundo o serviço noticioso da BBC, a clonagem terapêutica foi legalizada na Grã-Bretanha em 2001, mas essa é a primeira licença para realizá-la. De acordo com Suzi Leather, diretora do Departamento de Embriologia e Fertilização Humana da Grã-Bretanha, a licença inicial de um ano para pesquisa foi concedida depois da "análise cautelosa de todos os aspectos científicos, éticos, legais e médicos do projeto".
"A pesquisa que será feita na Universidade de Newcastle é um passo fundamental, pois antes de avançarmos com a clonagem terapêutica precisamos saber sem a menor sombra de dúvida que podemos produzir linhagens de células a partir dos embriões clonados", disse Richard Gardner, que lidera o grupo de pesquisa em células-tronco na Royal Society.
"Um trabalho anterior feito por cientistas sul-coreanos, que aparentemente havia sido bem sucedido, terminou em incertezas depois que eles não conseguiram provar definitivamente que a linhagem que haviam obtido era de um embrião humano", afirmou Gardner.
Entre os satisfeitos com a medida do governo britânico está Alastair Kent, do Grupo de Interesse Genético, que representa 130 organizações assistenciais que trabalham em prol de famílias que vivem com doenças hereditárias. Kent acredita que milhões de pessoas poderão se beneficiar dos resultados da pesquisa com embriões humanos.
A autorização também recebeu sua parcela de críticas. David King, biólogo e diretor do grupo de pressão contra a clonagem Alerta Genético Humano, pediu que o pedido de licença fosse rejeitado. "É muito pouco provável que essa pesquisa produza qualquer coisa útil em termos médicos, mas será uma grande ajuda para aqueles que desejam clonar bebês", disse.
Alteração no projeto de lei
A decisão britânica chega em momento oportuno. Em junho, o candidato à presidência dos Estados Unidos John Kerry afirmou que, caso seja eleito, pretende reverter a decisão do governo de George W. Bush de cortar o auxílio federal à pesquisa com células-tronco embrionárias.
No mês seguinte, a revista médica The Lancet dedicou uma edição a estudos com células-tronco. Em editorial, a tradicional publicação chamou os pesquisadores à ação, ao afirmar que depende deles conquistar a opinião de governos e da sociedade para o apoio a tais pesquisas.
"Convencer os críticos do valor das células-tronco embrionárias implica em lidar com problemas especialmente difíceis. Poucos avanços científicos têm desafiado os valores humanos fundamentais ou geraram tantos dilemas éticos", disse a revista.
No Brasil, as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas para fins terapêuticos estavam proibidas pelo polêmico projeto da Lei de Biossegurança, que foi aprovado na Câmara dos Deputados em fevereiro e se encontra em apreciação no Senado Federal.
A decisão era considerada prejudicial ao desenvolvimento da ciência brasileira. Logo em seguida à aprovação na Câmara, a FAPESP entregou ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB/AP), uma manifestação de preocupação da Fundação sobre os termos da lei.
"O texto da lei, do jeito que está, pode levar à obstrução de pesquisas. Qualquer proibição ou criação de entraves, que não possam ser resolvidos na prática, vão impedir que trabalhos sejam feitos tanto com organismos geneticamente modificados (OGMs) como com as células-tronco", disse em fevereiro Marco Antônio Zago, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), à Agência FAPESP.
Na terça-feira (10/8), a Comissão de Educação do Senado aprovou alterações no projeto da Lei de Biossegurança, após substitutivo apresentado pelo senador Osmar Dias (PDT-PR). Uma das mudanças mais significativas é a permissão para o uso, ainda que restrito, de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos.
Segundo a Agência Senado, desde que impróprias para fertilização em laboratório – ou próprias, mas sem perspectiva de serem usadas pelos pais – as células poderão ser manipuladas na busca de técnicas de alteração genética em tecidos humanos, com uma condição adicional: terão de pertencer ao estoque congelado nas clínicas de fertilização.
Osmar Dias havia proposto menos restrições. No artigo 4º do substitutivo, pedia que fosse "permitida a utilização, para fins terapêuticos, de células-tronco de conjuntos celulares embrionários humanos com até cinco dias de formação, produzidos para reprodução por fertilização in vitro, e não utilizadas no respectivo procedimento, desde que precedida do consentimento fundamentado de seus doadores e, na ausência destes, dos seus sucessores".
Se essa versão tivesse sido aprovada, os cientistas poderiam usar qualquer célula gerada ao longo do tempo em processos de fertilização, desde que não ultrapassasse os cinco dias de formação, e a doação fosse autorizada pelos pais. O prazo de cinco dias garantiria que o material estivesse em estágio de célula embrionária, não se constituindo um embrião com terminações nervosas, por exemplo.
Com o apoio dos senadores Tião Viana (PT-AC) e Lúcia Vânia (PSDB-GO), o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou e conseguiu aprovar emenda que modifica o artigo 4º. Além das células impróprias para a fertilização, poderão ser usadas células próprias, desde que tenham sido congeladas até três anos antes ou após três anos da data em que a lei entrar em vigor. Manteve-se a obrigação de consentimento dos progenitores, com exceção dos casos em que esses sejam desconhecidos.
A idéia dos senadores é que o texto resultante permita a pesquisa, mas, ao restringi-la ao estoque atual de células, evite a produção de material com fins comerciais. Jereissati argumentou que o estoque é suficiente para que sejam realizadas pesquisas pelos próximos cinco anos.
São caracterizados como crimes no substitutivo a engenharia genética em células germinais ou embriões humanos, a clonagem humana para fins reprodutivos e a produção de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível.
O projeto segue agora para análise das comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Assuntos Sociais (CAS) e Assuntos Econômicos (CAE), mas um acordo de líderes poderá permitir que a matéria seja encaminhada diretamente para votação do Plenário, conforme defendeu a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC). Para ela, a nova Lei de Biossegurança é de vital importância para o país e, portanto, deve ser aprovada ainda este ano.
"Essa alteração representa um grande avanço, sem dúvida. Saímos de uma situação de proibição total para uma na qual podemos ter algum tipo de material para pesquisa", disse Lygia da Veiga Pereira, professora e pesquisadora do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo, à Agência FAPESP. A equipe da pesquisadora foi responsável pela criação, em 2001, das primeiras linhagens de células-tronco embrionárias de camundongos e da primeira leva de camundongos geneticamente modificados no país.
Em junho, a equipe de Lygia da Veiga Pereira, da USP, importou dos Estados Unidos quatro linhagens de células-tronco embrionárias humanas, proibidas de serem estabelecidas no Brasil. O material foi cedido pelo laboratório do professor Douglas Melton, do Departamento de Ciências Naturais da Universidade de Harvard.
"Com as células que importamos, temos material para fazer pesquisas por pelo menos dez anos, mas o que precisamos é de autonomia para estabelecer nossas próprias linhagens. Essa decisão da Grã-Bretanha mostra o rumo que a ciência está tomando em todo o mundo e o Brasil não pode ficar para trás, como corríamos o risco de ficar pelo texto da Lei de Biossegurança da forma como estava", disse Lygia.
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