Após a crise do setor cinematográfico de meados dos anos 1990, as empresas exibidoras passaram por processo de concentração e internacionalização do capital (foto: Wikimedia Commons)
Após a crise do setor cinematográfico de meados dos anos 1990, as empresas exibidoras passaram por processo de concentração e internacionalização do capital
Após a crise do setor cinematográfico de meados dos anos 1990, as empresas exibidoras passaram por processo de concentração e internacionalização do capital
Após a crise do setor cinematográfico de meados dos anos 1990, as empresas exibidoras passaram por processo de concentração e internacionalização do capital (foto: Wikimedia Commons)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Argentina, Brasil e México, os três países com maior tradição cinematográfica da América Latina, chegaram ao fundo do poço em número de filmes produzidos em meados da década de 1990. Foi a primeira vez que as curvas que registram as produções argentinas, brasileiras e mexicanas se cruzaram. E se cruzaram em um patamar extremamente baixo. Esse ponto de mínimo coincidiu com o forte enquadramento das três economias no processo de globalização.
“Foi um tsunami que submergiu a produção cinematográfica dos três países latino-americanos. E a retomada que se seguiu ocorreu em bases bastante diferentes das anteriores”, disse Anita Simis, professora livre-docente do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus de Araraquara. Com atuação na área de sociologia da comunicação, ela concluiu recentemente o projeto de pesquisa Políticas para o audiovisual: Argentina, Brasil e México, que recebeu apoio da FAPESP.
Ela resumiu os principais resultados no artigo “Economia política do cinema: Argentina, Brasil e México”, publicado na revista Versión – Estudios de Comunicación y Política, da Universidad Autónoma Metropolitana, do México .
“É comum encontrarmos análises que enfatizam a produção, mas a minha pesquisa levou-me a olhar o fenômeno a partir do ângulo da exibição”, afirmou. “A reorganização pós-tsunami caracterizou-se pela forte concentração e internacionalização do capital das empresas exibidoras e a introdução do modelo multiplex, em que um mesmo espaço, na maioria das vezes localizado em shopping center, abriga várias salas de cinema.”
“O cinema deixou de ser entretenimento de massa e se tornou entretenimento de um segmento social com poder aquisitivo para pagar o bilhete de entrada acrescido do custo do consumo ao redor, desde os alimentos oferecidos pela própria sala até os produtos expostos nas vitrines das lojas dos shopping centers. Descartou-se a exploração comercial em profundidade, que caracterizava o modelo anterior, com a exibição primeiro nas salas de cinema das metrópoles do Primeiro Mundo; depois, no centro das grandes cidades dos países periféricos; e, por último, nos bairros e cidades do interior. E passamos a ter a exploração em extensão, com a exibição em um grande número de salas simultaneamente e uma acirrada publicidade, que dificulta a inserção do filme local, cujo marketing se resume, muitas vezes, ao boca a boca”, discorreu a pesquisadora.
Segundo Simis, três grupos exibidores – Cinemark, Cinépolis e GSR – controlam atualmente 35,9% das salas de cinema do Brasil. “Eles possuem 1.017 salas de um total de 2.833 e atraíram 45,9% do público em 2014”, informou.
Fundada em 1984 nos Estados Unidos, a Cinemark é a segunda maior rede mundial em número de salas e a primeira em venda de ingressos. Além dos Estados Unidos, está presente em outros 12 países. E, no Brasil, onde foi a introdutora do modelo multiplex, possui 585 salas, em 18 estados.
A Cinépolis, que é propriedade da Organización Ramírez, com sede no México, mas possui conexões com a Coca-Cola, o Medcom Group e a Imax Corporation, é a quarta maior operadora de cinemas do mundo e a maior da América Latina. Possui, atualmente, mais de 3.300 salas em 11 países. E expandiu-se com uma média de 200 novos cinemas por ano, nos últimos cinco anos.
O GSR (Grupo Severiano Ribeiro), que também atua sob a marca Kinoplex, é uma empresa brasileira que detém 250 salas em 11 unidades da federação: 188 com controle exclusivo e 62 em joint venture com a United Cinemas International.
Controle dos processos de distribuição e exibição
“No setor cinematográfico, a globalização se traduziu em um forte controle dos processos de distribuição e exibição. Na produção, pode até haver descentralização, como no México, onde existe uma forte associação das empresas locais com o capital estrangeiro, ou mesmo no Brasil e na Argentina, cuja produção local, depois de testada, pode ser distribuída por empresas norte-americanas. Mas são a distribuição e a exibição que constituem os elos privilegiados na cadeia de acumulação do capital”, analisou Simis.
Segundo a pesquisadora, a concentração e a internacionalização do processo de exibição foram impulsionadas pelo grande aumento do custo de produção dos filmes de Hollywood, que alcançou, nos anos 1990, o patamar dos US$ 60 milhões. Conforme estudo citado por ela [Cinema, Desenvolvimento e Mercado, de Paulo Sérgio Almeida e Pedro Butcher, Rio de Janeiro, Editora Aeroplano, 2003], em 1986 Hollywood dependia, em média, de 75% de receita doméstica e 25% da receita estrangeira para pagar seus custos de produção. Mas, já em 1998, a receita estrangeira havia superado a receita doméstica, na proporção de 55% para 45%.
“Como afirmou o próprio Jack Valenti, líder da MPAA (The Motion Picture Association of America – associação que representa os seis maiores estúdios de Hollywood) –, somente dois de cada dez filmes norte-americanos recuperavam o investimento por meio da exibição doméstica nas salas de cinema. Os demais dependiam da televisão, da TV a cabo, do vídeo e, mais do que tudo, do mercado internacional”, acrescentou Simis.
Isso explica por que o controle dos circuitos mundiais da distribuição e da exibição tornou-se uma peça-chave para o êxito dos negócios dos grandes estúdios. E por que as estratégias e táticas de exibição passaram a ser definidas globalmente. “O valor dos ingressos não é fixado pelo poder aquisitivo local onde se encontram as salas, mas, ao contrário, se abrem salas de exibição onde possa existir um público capaz de pagar o valor médio fixado em escala global”, explicou a pesquisadora.
“Aos nacionais restam os claros que não foram preenchidos pelos blockbusters estrangeiros”, continuou Simis. “Os filmes não chegam diretamente às telas para que o público determine se os consome, mas passam antes pelo crivo de distribuidores e exibidores que se valem de estratégias agressivas de publicidade, impedindo uma concorrência equilibrada com os produtos nacionais. O novo aqui é que o investimento nestas estratégias é cada vez maior.”
Como as empresas distribuidoras e as empresas exibidoras fazem parte, muitas vezes, dos mesmos grupos midiáticos, a concentração torna-se quase absoluta, restringindo o espaço para a diversidade cultural a algumas poucas salas das grandes metrópoles. Uma das estratégias que decorrem dessa alta concentração é o lançamento simultâneo em diversas salas do mundo, com um grande número de cópias disponíveis.
“Enquanto um produtor latino-americano coloca uma cópia de seu filme no mercado, um estúdio norte-americano lança simultaneamente 50 cópias. Como afirmou o veterano diretor de cinema argentino Octavio Getino, não houve uma crise na produção, mas uma reorganização da comercialização das obras a partir da crise nos modos tradicionais de circulação e recepção de filmes”, concluiu a pesquisadora.
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