No Brasil Colônia, a mistura entre europeus, indígenas e escravos fez nascer a base da cozinha verde-amarela. A antropóloga Paula Pinto e Silva conta a história em livro que acaba de ser lançado
No Brasil Colônia, a mistura entre europeus, indígenas e escravos fez nascer a base da cozinha verde-amarela. A antropóloga Paula Pinto e Silva conta a história em livro que acaba de ser lançado
Agência FAPESP - O processo de negociação entre europeus, indígenas e escravos no Brasil Colônia não envolveu apenas troca de alimentos. A tensão social criada pela chegada dos viajantes de além-mar influenciou de forma definitiva os hábitos alimentares do país que surgia. Desde então, ficou fundamentada a mistura de ingredientes e de tradições.
"Os índios tinham uma culinária estabelecida e os europeus trouxeram outros hábitos alimentares. Podemos dizer que a cozinha brasileira nasceu da negociação, da mistura entre colonizados e colonizadores", explica a antropóloga Paula Pinto e Silva à Agência FAPESP.
A pesquisadora, que defendeu dissertação de mestrado sobre o assunto na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), acaba de lançar o livro Farinha, feijão e carne-seca: um tripé culinário no Brasil colonial (Editora Senac).
A proposta é mostrar como a alimentação pode refletir diretamente a estrutura da sociedade colonial, marcada pela hierarquia, diversidade e fome. A comida dos senhores e escravos, segundo a pesquisadora, era baseada no mesmo tripé que dá nome ao livro. "O que mudava era apenas o modo de preparo desses alimentos em cada região geográfica brasileira", conta Paula.
Paula coletou informações em diversas coleções de viajantes coloniais, relatos de expedições científicas, inventários de época e artigos de autores que estudaram os modos indígenas de produzir alimentos. "Uma das maiores fontes foi o acervo do Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, que tem mais de 45 mil fichas."
Um mesmo tipo de alimento recebia tratamento diferenciado, dependendo da região do país, segundo o estudo da antropóloga. A ida do homem branco para o interior levou à criação de gado e à produção de carne-seca.
Nesse contexto, os fazendeiros do Nordeste, como não tinham muitos pastos definidos para o gado, acabavam usando os animais mais para o transporte. O resultado foi a produção de carnes mais duras. No Sul, os registros mostram exatamente o oposto: pastos cercados e uma alimentação específica para o gado. A região, portanto, tornou-se naquela época exportadora de carne-seca.
"Os doces determinavam a hierarquia social dos engenhos. Apenas os senhores e suas visitas tinham acesso aos doces finos durante festas rituais, como casamento ou batizado. Os escravos podiam comer apenas melaço e rapadura", conta Paula.
Se o modo de preparo das comidas e dos doces definia a estrutura social da época, outro hábito à mesa era igual em todas as classes. Mesmo entre as pessoas das famílias mais ricas não havia muitos registros de que elas fizessem uso de garfos, facas e colheres.
"Os inventários indicaram que os talheres eram associados à riqueza. Se o indivíduo tinha uma única colher, já era considerado rico", diz Paula. A história registra que os primeiros manuais de etiqueta surgiram na Europa apenas no final do século 18. O Brasil deixaria de ser colônia 22 anos depois, no primeiro quarto do século 19.
Mais informações sobre o livro Farinha, feijão e carne-seca: www.editorasenacsp.com.br.
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