Colóquio na USP marca os 60 anos de atução do físico José Goldemberg com discussões sobre o papel da ciência e do Estado nas mudanças sociais e a necessidade de um maior incentivo às atividades de P&D nas indústrias brasileiras
Colóquio na USP marca os 60 anos de atução do físico José Goldemberg com discussões sobre o papel da ciência e do Estado nas mudanças sociais e a necessidade de um maior incentivo às atividades de P&D nas indústrias brasileiras
Agência FAPESP – O colóquio em homenagem ao físico José Goldemberg que ocorre até quinta-feira (24/6), na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, tem o objetivo de "olhar para uma trajetória passada de sucesso em busca de inspiração para seguir em frente rumo a um futuro mais promissor em áreas estratégicas para o país, como educação, ciência e meio ambiente".
Na manhã desta terça-feira (24/6), especialistas de diferentes áreas do conhecimento abriram o evento com discussões sobre o tema "Ciência e desenvolvimento". Foram abordados assuntos como o papel da ciência e do Estado nas mudanças sociais e os caminhos para um maior incentivo das atividades de pesquisa industrial.
"Dedico boa parte de minha vida à universidade e também ocupei posições políticas nas quais tive oportunidades únicas de entender o processo decisório de governo. Por isso, afirmo com toda a convicção que as mudanças sociais ocorrem em função dos interesses do Estado e não dos cientistas", disse Goldemberg, que foi ministro da Educação durante o governo Collor.
"O grande papel da ciência não é o de mudar a sociedade, mas sim o de racionalizar, que é o que pode fazer a diferença em momentos de decisão política. Seria muita pretensão dizer que os cientistas e intelectuais dirigem a sociedade", complementou o homenageado.
O encontro foi dividido em seis módulos de acordo com áreas em que Goldemberg dedicou os 60 anos de sua carreira profissional, como energia, universidade, tecnologia e desenvolvimento sustentável.
Hernan Chaimovich, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), também falou sobre o papel social da ciência. Para ele, não é função dos cientistas promover mudanças sociais. "Essa certamente é uma função do Estado, mas desenvolvimento justo e sustentável é algo impensável sem ciência", afirmou.
"No Brasil, as relações entre ciência e Estado são muito evidentes e isso marca a experiência de vida do professor Goldemberg. A racionalidade das explicações científicas pode ser incorporada pelo governo e contribuir para a soberania do Estado nacional. Por outro lado, a ciência é internacional e, portanto, depende da colaboração entre cientistas de Estados soberanos", refletiu.
O presidente da Sociedade Brasileira de Física, Alaor Silvério Chaves, propôs a criação de uma Empresa Brasileira de Ciência e Tecnologia Industrial, nos moldes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mas voltada aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) na indústria. A idéia foi recebida com um misto de entusiasmo e resistência.
"Apenas 1% do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro é investido em atividades de P&D na indústria. Boa parte dos institutos tecnológicos no país está concentrada mais na prestação de serviços do que em desenvolvimento de pesquisa tecnológica. Assim como a Embrapa, que levou o país a patamares elevados na área de pesquisa e aplicações agrícolas, uma nova empresa pública nacional direcionada à C&T poderia sustentar o salto tecnológico e industrial que o Brasil necessita", apontou.
Para Goldemberg, a idéia é boa, mas precisa ser analisada com cautela. "Ela pode ser vista pelos governantes como um movimento corporativista, como se em vez de querermos transformar a ciência estivéssemos interessados em mudar a indústria do país. O ideal nesse caso seria não criar uma nova empresa brasileira voltada à área industrial, mas sim fazer uma ligação dos institutos tecnológicos já existentes, até porque muitos enfrentam sérios problemas de gestão", observou.
Nesse mesmo sentido, Eduardo Moacyr Krieger, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e conselheiro da FAPESP, defendeu uma maior institucionalização do sistema nacional de ciência e tecnologia.
"Como fisiologista, entendo que as coisas acontecem quando estão bem estruturadas. Tudo o que é espontâneo não funciona muito bem. Por isso, as políticas devem se estruturar em nível federal de tal modo que C&T não seja uma política de governo, mas de Estado", disse.
"Será que não está na hora de assumirmos um forte movimento de institucionalização da pesquisa no Estado de São Paulo, recuperando órgãos como a Secretaria de Ciência e Tecnologia, que hoje não existe mais?", questionou Krieger.
"Uma das lições que ficam de toda a trajetória acadêmica e política do professor Goldemberg é que, mais importante do que olharmos para o retrovisor, é enxergarmos um futuro melhor", disse.
Com o tema central "2010-2020: um período promissor para o Brasil?", os debates do evento, que resultarão em um livro com as principais conclusões, contam com a presença de pesquisadores da USP e de outras universidades do país, dirigentes e representantes governamentais, empresários e representantes de associações e sociedades científicas.
O colóquio é uma realização da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da FAPESP, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e de diversas unidades da USP.
Todas as palestras, que ocorrem no auditório da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, na capital paulista, com entrada gratuita sem necessidade de inscrição prévia, são transmitidas ao vivo em www.iea.usp.br/aovivo.
Trajetória ímpar
José Goldemberg nasceu em 1928 em Santo Ângelo (RS) e realizou o ensino básico em Porto Alegre, onde sua vocação para as ciências exatas foi despertada. Em 1946 estudou no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, o principal centro de estudos científicos da época. Formou-se em física (1950), defendeu doutorado (1954) e pós-doutorado (1955) na universidade.
Em 1962 foi aos Estados Unidos, na Universidade de Stanford. De volta ao Brasil, três anos depois, realizou concurso na Escola Politécnica da USP, da qual se tornou professor catedrático de física experimental. A partir de 1970, passou a ter responsabilidades administrativas como diretor do Instituto de Física da USP, criado em 1969, cargo no qual permaneceu até 1978.
Nessa época se tornou presidente da Sociedade Brasileira de Física e também da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, quando seus trabalhos científicos mudaram de rumo, dirigindo-se primeiro à energia nuclear e a seguir para a energia em geral. Produziu inúmeros trabalhos sobre o assunto. Um dos mais importantes foi o livro Energy for a Sustainable World, publicado em 1988 com influência notável na área.
De 1983 a 1986 dirigiu empresas de energia no Estado de São Paulo e, de 1986 a 1990, foi reitor da USP, quando realizou uma reformulação dos estatutos da universidade para preservar sua excelência acadêmica, tendo participado de negociações com o governo do Estado para a concessão de autonomia financeira às universidades paulistas.
De 1990 até 1992 ocupou vários cargos no governo federal. Foi secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República e também secretário interino de Meio Ambiente, quando conduziu a participação brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Rio-1992). Como ministro da Educação, em 1991 e 1992, preparou uma proposta ao Congresso Nacional dando autonomia efetiva às universidades federais.
Em 1995 escreveu, durante estada na Academia Internacional do Meio Ambiente, em Genebra, outra importante obra intitulada Energy and Environment in the Developing Countries. Em 2008 recebeu o prêmio Planeta Azul pelas grandes contribuições na formulação e implementação de diversas políticas associadas a melhoras no uso e na conservação de energia.
O prêmio, considerado um dos maiores da área de meio ambiente, é concedido pela japonesa Asahi Glass Foundation a pessoas que se destacam em pesquisa e formulação de políticas públicas na área ambiental. Atualmente Goldemberg é professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e continua realizando estudos científicos na área de energia.
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