Objetivo do TFFF é criar um sistema internacional de pagamento para mais de 70 países em desenvolvimento localizados principalmente nas três bacias que detêm florestas tropicais: a amazônica, a do Congo e a do Sudeste Asiático (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)
Iniciativa lançada pelo Brasil na Cúpula dos Líderes, em Belém, pode representar novo passo para conter o avanço no desmatamento e na degradação desses ecossistemas, que são os maiores absorvedores globais de carbono da atmosfera
Iniciativa lançada pelo Brasil na Cúpula dos Líderes, em Belém, pode representar novo passo para conter o avanço no desmatamento e na degradação desses ecossistemas, que são os maiores absorvedores globais de carbono da atmosfera
Objetivo do TFFF é criar um sistema internacional de pagamento para mais de 70 países em desenvolvimento localizados principalmente nas três bacias que detêm florestas tropicais: a amazônica, a do Congo e a do Sudeste Asiático (foto: Léo Ramos Chaves/Pesquisa FAPESP)
Elton Alisson, de Belém | Agência FAPESP – Um dos países mais frios da Europa, distante a milhares de quilômetros das florestas tropicais existentes no mundo, a Noruega aderiu prontamente ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), lançado oficialmente quinta-feira (06/11), na abertura da Cúpula dos Líderes, em Belém. A razão é muito simples, apontou Andreas Bjelland Eriksen, ministro do Clima e do Meio Ambiente do país nórdico: diminuir o risco que o desmatamento e a degradação desses ecossistemas, mesmo longe de suas fronteiras, representam para a regulação climática do país e de todo o globo terrestre.
“Um dos maiores riscos que enfrentamos hoje é o desmatamento das florestas tropicais, que tem consequências não apenas para o Brasil. Mesmo um país [de clima] frio como a Noruega, no extremo norte do mundo e longe das florestas tropicais, depende da colaboração internacional para gerenciar os riscos e garantir que não sejam destruídas nas próximas décadas”, disse Eriksen.
Principal aposta do Brasil para a COP30, o objetivo do TFFF é criar um sistema internacional de pagamento para mais de 70 países em desenvolvimento, de todos os continentes e localizados principalmente nas três bacias que detêm florestas tropicais: a amazônica, a do Congo e a do Sudeste Asiático.
Na avaliação de cientistas ouvidos pela Agência FAPESP, iniciativas como esta são estratégicas para a conservação das florestas tropicais, cujo desmatamento e degradação contribuem para acelerar os efeitos das mudanças climáticas e colocam em risco a estabilidade ambiental e econômica em escala global.
“O fundo representa uma inovação no mecanismo de financiamento para conservação de florestas tropicais. Basicamente, é um fundo para dar lucro para quem investe e, ao mesmo tempo, auxilia na preservação da floresta”, avalia Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
“É muito importante levarmos em conta que a preservação de florestas tropicais, que são os maiores absorvedores de CO2 [dióxido de carbono] da atmosfera, é estratégica para o nosso planeta e para o futuro das negociações climáticas, porque, se reduzirmos significativamente esses absorvedores de carbono, vamos acelerar a mudança climática”, diz Artaxo.
Por meio da fotossíntese, as florestas tropicais capturam dióxido de carbono da atmosfera e armazenam na biomassa das árvores e no solo, reduzindo a concentração desse gás de efeito estufa e mitigando as mudanças climáticas.
A Amazônia, por exemplo, estoca cerca de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono em sua biomassa. No entanto, o desmatamento e as queimadas liberam esse carbono armazenado, contribuindo significativamente para o aquecimento global.
“A manutenção dessas florestas em pé tem uma dupla função: evita as emissões provenientes do desmatamento e garante que elas continuem absorvendo o carbono da atmosfera, diminuindo, dessa forma, os efeitos das mudanças climáticas”, resume Luiz Aragão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coordenação do PFPMCG.
Incentivos estratégicos
“Temos trabalhado na proteção das florestas tropicais em conjunto com o Brasil e outros países desde 2008 e grande parte do nosso trabalho tem se concentrado na redução do desmatamento. Mas, no ponto em que estamos agora, reduzir o desmatamento das florestas tropicais não será suficiente. Precisamos criar incentivos para preservar as florestas tropicais remanescentes pelo tempo que ainda temos e gostamos do modelo proposto pelo TFFF desde o início porque se cria um valor econômico para permitir que a floresta tropical continue existindo ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, gere benefícios financeiros”, avaliou o ministro do Clima e do Meio Ambiente da Noruega.
O fundo pretende angariar aproximadamente R$ 125 bilhões em recursos privados, que serão reinvestidos em projetos com maior taxa de retorno. A diferença entre o que será pago aos investidores e o que será obtido nas aplicações (spread) será voltada a remunerar países que preservam suas florestas tropicais, de forma proporcional à área conservada. Os pagamentos aos países serão baseados em dados de sensoriamento remoto via satélites, que monitoram anualmente a cobertura florestal.
A Noruega se comprometeu a empenhar US$ 3 bilhões nos próximos dez anos no TFFF – a maior alocação de recursos no fundo –, condicionados a critérios específicos. Já a França indicou que poderá investir até US$ 577 milhões até 2030, conforme determinadas circunstâncias, e o Brasil e a Indonésia reafirmaram seus compromissos de US$ 1 bilhão cada.
Portugal anunciou um aporte de US$ 1 milhão. A Alemanha endossou o TFFF e está discutindo seu compromisso financeiro. Já os Países Baixos declararam que estão considerando apoiar a iniciativa. Ao todo, 34 países com florestas tropicais teriam endossado a declaração do TFFF.
Além de serem sumidouros de carbono, as florestas tropicais também influenciam os ciclos hidrológicos ao promover a evapotranspiração, que contribui para a formação de chuvas e a manutenção da umidade do ar. Ao transpirar grandes volumes de água, elas formam os chamados “rios voadores” – massas de ar carregadas de umidade que transportam chuva para regiões distantes.
Na Amazônia, esse fenômeno é crucial para o regime de chuvas da América do Sul, impactando diretamente a agricultura e a disponibilidade hídrica, explica Aragão.
“A Amazônia presta um serviço para além de suas fronteiras e que se estende para outros biomas. A conservação dessas áreas florestais é estratégica para garantir a segurança energética e a manutenção da balança comercial brasileira favorável, com a agricultura liderando as exportações do país”, apontou.
Importância para a biodiversidade
As florestas tropicais também são os ecossistemas mais ricos em biodiversidade no planeta. A Amazônia, por exemplo, que ocupa menos de 1% da superfície terrestre, abriga quase 10% da biodiversidade do mundo. Ao perder essas florestas, também se extingue toda essa biodiversidade, que nem sequer é conhecida e que não pode ser recuperada mesmo por meio da restauração florestal, pondera Carlos Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).
“Por meio da restauração florestal só é possível repor, mais ou menos, entre 60% e 65% das espécies de árvores da floresta. Então, com essa medida, já se perde parte da biodiversidade mesmo do sistema arbóreo dessas florestas”, afirma.
Além disso, não se consegue restaurar a complexidade do sistema original, aponta o pesquisador. “Se por um lado é possível restaurar a fisionomia florestal em uma década, por exemplo, não é possível recompor a complexidade de uma floresta nem em séculos. Ela é perdida para sempre. Por isso, conservar a floresta em pé é a melhor e mais eficiente estratégia para manter a biodiversidade e todos os processos funcionando, inclusive o processo evolutivo que também é interrompido quando a floresta é destruída”, disse Joly.
Por meio da conservação também é possível manter a complexidade de interações que ocorrem entre a biota das florestas tropicais e todos os serviços ecossistêmicos prestados por elas, como a polinização, a proteção de recursos hídricos, a manutenção dos estoques de carbono na biomassa e no solo, elenca o pesquisador.
“Por meio da restauração, é possível estocar carbono nos troncos e nas estruturas das árvores, mas não se recompõe toda uma população de animais polinizadores que estavam presentes nelas. Só é possível recuperar uma parte dos serviços ecossistêmicos”, sublinhou Joly, reafirmando por que é mais inteligente a conservação da floresta em pé.
Duas pesquisas publicadas em março de 2025 nas revistas Science e Nature, cujo pesquisador é coautor, apontaram que a crise climática está afetando as florestas tropicais de maneira acelerada, enquanto os processos ecológicos que regem sua adaptação ocorrem em ritmo muito mais lento (leia mais em: agencia.fapesp.br/54291).
Os estudos apontaram que as mudanças nas florestas tropicais podem levar à perda de biodiversidade e a um empobrecimento estrutural desses biomas.
“Mantendo a floresta em pé, é possível dar uma chance para ela responder às mudanças ao longo de um processo adaptativo, que é interrompido no momento em se fragmenta ou que é destruída. Não sabemos dizer o tempo que isso vai levar, mas, certamente, manter a floresta em pé dá uma chance para que isso aconteça”, afirmou.
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