Sidarta Ribeiro, da Universidade de Duke, um dos idealizadores do Instituto Internacional de Neurociência de Natal (foto: E.Geraque)

Fluxos de sonhos
30 de março de 2004

Sidarta Ribeiro, da Universidade de Duke, fala em entrevista à Agência FAPESP, sobre o Instituto Internacional de Neurociência de Natal, do qual é um dos idealizadores, e do novo paradigma que está sendo construído pelas pesquisas recentes sobre o cérebro

Fluxos de sonhos

Sidarta Ribeiro, da Universidade de Duke, fala em entrevista à Agência FAPESP, sobre o Instituto Internacional de Neurociência de Natal, do qual é um dos idealizadores, e do novo paradigma que está sendo construído pelas pesquisas recentes sobre o cérebro

30 de março de 2004

Sidarta Ribeiro, da Universidade de Duke, um dos idealizadores do Instituto Internacional de Neurociência de Natal (foto: E.Geraque)

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - Depois de se formar em biologia pela Universidade de Brasília e de ter feito mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sidarta Ribeiro mudou-se para os Estados Unidos. Após ter concluído o doutorado na Universidade Rockfeller, mudou-se para a Universidade de Duke, na Carolina do Norte, onde está há três anos.

No laboratório do também neurocientista e brasileiro Miguel Nicolelis, Ribeiro tem desenvolvido importantes pesquisas sobre os fluxos da memória. O jovem brasiliense de 32 anos identificou, por exemplo, processos que ocorrem durante o sono e que são essenciais para a consolidação da memória. Mecanismos moleculares que são ativados tanto na fase de sono profundo como durante os sonhos, período marcado pelo movimento rápido dos olhos (REM, na sigla em inglês).

Além de suas pesquisas, o cientista tem, atualmente, outro grande objetivo, o Instituto Internacional de Neurociência de Natal, do qual é um dos idealizadores. Ao contrário do próprio Nicolelis e de Cláudio Mello, da Universidade do Oregon de Saúde e Ciência, os outros mentores do projeto, Ribeiro está disposto a se dedicar de forma integral ao novo centro, que não deve ficar pronto antes de 2007.


Agência FAPESP – Podemos dizer que está ocorrendo uma revolução na neurociência?
Sidarta - Sim, estamos caminhando para um novo paradigma. Todo o trabalho do Miguel (Nicolelis) aponta para uma visão bem diferente do cérebro em relação ao que se pensava nos anos 60 e 70, que ainda é a visão tradicional e predominante. O meu trabalho, voltado para as áreas de aprendizado e memória, também aponta para um caminho distinto. Hoje, estamos vendo o cérebro como um sistema distribuído, dinâmico, e é dessa forma que ele precisa ser estudado. Se acharmos que o cérebro é estático, e as tecnologias desenvolvidas a partir disso mantiverem essa idéia imóvel, não chegaremos a lugar algum.

Agência FAPESP - Vocês se consideram participantes dessa revolução. Mas, e aqui no Brasil? A neurociência também está nesse contexto?
Sidarta - Isso também é válido para o Brasil. A idéia do Instituto Internacional de Neurociência de Natal, por exemplo, é exatamente criar um centro que inicie suas atividades correndo na frente. É muito complicado você alcançar alguém, em termos de gap tecnológico, que esteja 100 ou 200 anos à frente. Mas, se você consegue, por uma conjunção de fatores, largar primeiro, haverá também uma responsabilidade grande de continuar correndo na dianteira. Trata-se de uma coisa possível e não de uma utopia.

Agência FAPESP - O otimismo de vocês é muito grande em relação ao instituto. Isso também se amplia para a questão da captação dos recursos que esse ambicioso projeto irá necessitar?
Sidarta - Há uma série de itens que estamos procurando fazer de modo diferente. Desde o modelo de gestão até a captação de recursos. Muitas vezes perguntam para o Miguel como será a seleção de pessoal. Ele costuma dizer que será por mérito. É isso. Mérito mundial, tanto entre os brasileiros como para os estrangeiros. Com uma palavra você define uma série de coisas.

Agência FAPESP - Você irá trocar os Estados Unidos por Natal para se dedicar ao novo centro?
Sidarta - Quero vir assim que puder. Primeiro, porque quero voltar para o Brasil. Segundo, por querer estar num centro de excelência científica que, tenho certeza, é o que vamos conseguir construir aqui em Natal. Quero também que a minha atividade científica esteja integrada com o desenvolvimento do país. Esse projeto tem a proposta de colocar a ciência a serviço do desenvolvimento da sociedade brasileira.

Agência FAPESP - Nos Estados Unidos, a filantropia é uma cultura forte e muitos centros e grupos de pesquisa se beneficiam disso. Existe a idéia de essa prática ser seguida em Natal?
Sidarta - Não há a menor dúvida. Os Estados Unidos são um país onde a filantropia é muito comum. No Brasil não é assim, mas está na hora de mudar. Vendo o que ocorreu nesse último ano, quando trabalhamos ativamente no projeto do centro, podemos sentir alguma mudança. Além de a idéia ser boa, estamos cercando-a de pessoas com muita legitimidade. As portas estão se abrindo.

Agência FAPESP - Essa legitimidade tem a ver com a presença do ministro Eduardo Campos, da Ciência e Tecnologia, além de outras figuras políticas de peso no cenário nacional e internacional, durante o Simpósio Internacional de Neurociência, realizado entre os dias 3 e 7 de março de 2004, que lançou o projeto em Natal?
Sidarta - Durante o simpósio tivemos a primeira reunião do conselho do instituto. Isso foi importante para dar o pontapé inicial na gestão mais oficial. Até então, era um grupo de pessoas tentando fazer algo. Agora, existe um conselho, que reúne o presidente do Banco Central [Henrique Meirelles], um prêmio Nobel [Erwin Neher, ganhador em 1991, em medicina] e cientistas do mundo todo. O nosso sonho está muito mais sólido.

Agência FAPESP - O que foi discutido nessa primeira reunião?
Sidarta - Discutimos principalmente a forma jurídica mais adequada para o instituto, que ainda não sabemos se será uma fundação ou uma associação. Depois dessa definição, vamos começar a captar os recursos que estão prometidos. De qualquer maneira, já sabemos que a nova pessoa jurídica será uma entidade autônoma, que funcionará em associação com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e que irá oferecer cursos tanto para os alunos dessa universidade como para de todo o Brasil. Na realidade, serão aceitos pesquisadores de qualquer parte do mundo.

Então, a palavra internacional não vai estar apenas no título do novo instituto?
Sidarta - Queremos criar um local onde pessoas de todo o mundo possam circular. Ciência é criação, é troca de idéias. O cientista precisa circular para se arejar. O Brasil sofre muitas vezes por falta de recursos e outras vezes por falta de tradição. Sofre da endogamia, do ambiente fechado. O simpósio em Natal foi uma prova disso. Pessoas de várias partes do Brasil brilharam fazendo ciência, pensando de forma criativa. O brasileiro é um ser altamente criativo e isso é uma forma que pode contribuir para superar nosso subdesenvolvimento. Infelizmente, muitas vezes são as elites, seja a acadêmica, a intelectual ou a científica, que não são criativas o suficiente.

O Miguel Nicolelis, que é palmeirense de carteirinha, usa nas suas apresentações científicas muitas metáforas sobre o futebol. Esse espírito mais extrovertido é comum para vocês?
Sidarta - Não é apenas o futebol, podemos usar a música também. Aqui no Brasil, nesses dois campos, mérito é uma questão inquestionável. Perna de pau não joga e nem sobe ao palco. Isso deveria valer para todos os outros domínios, não apenas na ciência. Se isso fosse feito, o país poderia alcançar em breve um nível de qualidade melhor. Agora é o momento de fazer isso, de arregaçar as mangas e de não ficar esperando o governo fazer. Esse é o espírito. E, mesmo dentro do projeto, é fundamental que a pluralidade futebolística seja mantida. Então, é bom ressaltar uma diferença para com o Nicolelis: sou flamenguista roxo (riso).


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