Adolpho José Melfi, reitor da Universidade de São Paulo (foto: T.Romero)

Fiel às origens
26 de janeiro de 2004

Em entrevista à Agência FAPESP, o reitor da USP Adolpho José Melfi fala sobre conquistas, dificuldades e importância da instituição que está fazendo 70 anos. A criação do campus na Zona Leste, garante, vai seguir a mesma filosofia que norteou a fundação da própria universidade, em 1934

Fiel às origens

Em entrevista à Agência FAPESP, o reitor da USP Adolpho José Melfi fala sobre conquistas, dificuldades e importância da instituição que está fazendo 70 anos. A criação do campus na Zona Leste, garante, vai seguir a mesma filosofia que norteou a fundação da própria universidade, em 1934

26 de janeiro de 2004

Adolpho José Melfi, reitor da Universidade de São Paulo (foto: T.Romero)

 

Por Thiago Romero

Agência FAPESP - A sucessão de novos desafios, ainda que urgentes, não permitem que a história da Universidade de São Paulo seja esquecida. Em entrevista à Agência FAPESP, o reitor Adolpho José Melfi conta que a USP sempre se manteve fiel às suas origens e garante que a criação do novo campus na Zona Leste vai seguir a mesma filosofia que orientou, em 1934, a criação da maior instituição pública de ensino superior do país.

Questões como exclusão social, evasão, regime de cotas e o sempre complicado financiamento para a universidade pública também são abordados por Melfi, cuja gestão termina em 2005. Para o reitor, o simples fato de existir uma USP, nos dias de hoje, já é um grande motivo de orgulho e alegria.

Formado em geologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1960, Melfi dirigiu por duas vezes o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas entre os anos 70 e 80. Foi também pró-reitor de pós-graduação de 1994 a 1998 e vice-reitor de 1998 a 2001, quando passou a ocupar o cargo de reitor.


Agência FAPESP – Setenta anos depois, como o sr. avalia a importância hoje da Universidade de São Paulo?
Melfi - A USP é hoje, sem sombra de dúvida, o maior centro de pesquisa e de pós-graduação da América Latina. A instituição é responsável por mais de 25% de toda a produção científica nacional, que vem crescendo e ocupando lugar de destaque no âmbito internacional. De cada 250 descobertas importantes realizadas no mundo, uma é efetuada aqui. Do ponto de vista da formação, na graduação temos cursos que ocupam lugar de destaque em rankings, oficiais e não oficiais. Na pós-graduação, somos um importante centro de formação de doutores. Formamos profissionais que vão trabalhar e alavancar todo o sistema universitário brasileiro e também formar os quadros para o desenvolvimento de pesquisas em institutos e indústrias. Tudo isto teve e tem uma importância muito grande para o desenvolvimento do Brasil.

Agência FAPESP - Quais são as principais dificuldades enfrentadas atualmente pela USP?
Melfi - Nós até deveriamos ficar contentes por estar enfrentando algumas dificuldades. Por exemplo, a questão orçamentária. Quanto mais dinheiro temos, mais projetos vamos querer fazer. Desse modo, sempre vai faltar recursos. Outro aspecto importante a ser salientado é que os recursos chegam religiosamente. Ou seja, o fato de o governo respeitar nossa autonomia e realizar os repasses de nosso orçamento nos dá uma certa tranqüilidade do ponto de vista administrativo. É evidente que temos alguns desafios preocupantes pela frente. Por exemplo, a expansão da universidade é um problema, ainda que seja uma preocupação cujo principal ponto é agradável, pois estamos vendo que o país está crescendo e que estamos universalizando o ensino fundamental.

Agência FAPESP – Qual o principal projeto para 2004?
Melfi - O ponto alto será a implantação do campus na Zona Leste, que vai dar uma nova vida à USP. Estamos recriando, depois de 70 anos, um novo campus dentro da filosofia que norteou a criação da própria universidade.

Agência FAPESP - Quais serão os focos de atuação do novo campus?
Melfi - Queremos atuar em todas as áreas do conhecimento. Para a fase inicial, por exemplo, haverá a criação de uma única unidade de ensino, que irá reunir as áreas de ciência, artes e humanidades. No fundo, é um modelo igual ao utilizado na criação da própria USP, em 1934. Naquela época, algumas disciplinas foram reunidas para a criação da faculdade de Filosofia, Ciência e Letras. Nos departamentos é que foram agrupadas as ciências básicas, artes e humanidades.

Agência FAPESP - A captação de recursos privados seria uma saída eficiente para o financiamento das atividades universitárias? E a cobrança de contribuição de alunos, ela também pode ser uma solução?
Melfi - São questões polêmicas que devem ser muito bem debatidas. Universidade pública é cara. Além das pesquisas, mantemos hospitais e museus. Isso evidentemente tem que ser financiado pelo governo. A questão da cobrança das mensalidade, como ocorre nos Estados Unidos, não é a principal questão, no meu modo de ver. A universidade tem um papel social muito importante, ela contribui para o desenvolvimento econômico do país. É preciso considerar essas relações quando se afirma que a universidade deixa os pobres de lado e atende apenas os mais favorecidos. Todo o financiamento deveria vir do governo. Claro que não existe dúvida que os recursos extras, do setor privado, são importantes. O que temos que fazer é definir mecanismos eficientes para as captações.

Agência FAPESP - Qual a melhor maneira de aprimorar o nível dos estudantes e evitar a evasão dos alunos?
Melfi - Esta é uma preocupação grande. Nós tínhamos, há alguns anos, aproximadamente 30% de evasão. Hoje, ela está bem menor, ao redor dos 23%. Mas é importante analisar corretamente os números, que muitas vezes são superestimados. Por exemplo, um aluno que entra num determinado curso, mas que no ano seguinte presta vestibular novamente e entra em outra carreira, não poderia ser contabilizado, como ocorre, nas estatísticas dos que abandonaram o ensino superior. Claro que as evasões deixam vagas ociosas. A USP, há dois anos, criou um vestibular no meio do ano para preencher esses lugares. São cerca de 1,5 mil vagas anuais. Quando se fala em evasão temos ainda que analisar a questão dos alunos que não conseguem terminar o curso, seja por motivos financeiros ou porque não conseguem acompanhar o ritmo das aulas.

Agência FAPESP - Como a questão das cotas tem sido tratada na USP?
Melfi - Este é um problema que começamos a analisar em 2003, entre as três universidades públicas estaduais, com o estudo de políticas afirmativas para combater a exclusão. Ainda não temos uma posição definida. Em março deverá haver um debate aprofundado sobre o tema. A questão está sempre em pauta e as universidades públicas não podem se omitir. Todos os aspectos serão discutidos. Precisamos inclusive debater se o estabelecimento de cotas deveria ser feito por motivos raciais ou por classes econômicas inferiores. Na minha opinião, para fazer jus à cota, o aluno teria que obter uma nota superior à nota de corte no curso escolhido. Outro ponto importante é que a universidade também precisa colaborar com a melhoria do ensino médio. Os vestibulares das universidades públicas são extremamente democráticos. As provas medem o mérito e o conhecimento do aluno. O problema, claro, é que os candidatos não saem de uma escola pública da mesma forma que em deixam o ensino particular. As condições de aprendizado são totalmente diferentes. Isso é uma injustiça que nós devemos trabalhar para mudar.

Agência FAPESP - Qual é o principal mérito da USP em seus 70 anos de existência?
Melfi - Temos um indicador muito bom, exatamente este ano. Vamos realizar, em julho, a 12ª Conferência Internacional de Universidades. São reuniões realizadas a cada quatro anos, em países diferentes, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. É a primeira vez que o evento será realizado no Brasil. O fato de uma conferência desse porte ocorrer no Estado de São Paulo tem muito a ver com a USP. Apenas aqui existe uma universidade como ela. Este é um motivo de orgulho e satisfação. A nossa universidade, em 70 anos de vida, sempre manteve a mesma filosofia e objetivos do projeto de sua criação.




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