Análise feita por pesquisadores do Observatório COVID-19 BR indica que o atraso no registro de notificações começou a impactar as estatísticas da capital paulista (linha azul) a partir de 20 de março. Em vermelho, a estatística corrigida pelo nowcasting (imagem: GT COVID-19 Sampa)

Ferramenta permite monitorar em tempo real o avanço da COVID-19 na cidade de São Paulo
20 de abril de 2020

Pesquisadores do Observatório COVID-19 BR usam técnicas estatísticas para corrigir o atraso no sistema de notificação da doença causado pela demora no diagnóstico. Metodologia poderia ser adaptada para outras cidades

Ferramenta permite monitorar em tempo real o avanço da COVID-19 na cidade de São Paulo

Pesquisadores do Observatório COVID-19 BR usam técnicas estatísticas para corrigir o atraso no sistema de notificação da doença causado pela demora no diagnóstico. Metodologia poderia ser adaptada para outras cidades

20 de abril de 2020

Análise feita por pesquisadores do Observatório COVID-19 BR indica que o atraso no registro de notificações começou a impactar as estatísticas da capital paulista (linha azul) a partir de 20 de março. Em vermelho, a estatística corrigida pelo nowcasting (imagem: GT COVID-19 Sampa)

 

Karina Toledo | Agência FAPESP – Uma parceria firmada entre os pesquisadores do Observatório COVID-19 BR e a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo tem possibilitado monitorar com dados mais próximos da realidade a evolução da epidemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) na capital paulista – cidade com o maior número de casos confirmados no país.

Com uso de uma ferramenta estatística conhecida como nowcasting, a equipe consegue corrigir o atraso no sistema de notificação da doença, que é decorrente da demora – de aproximadamente 10 dias – no processamento dos exames diagnósticos. Desse modo, por exemplo, foi possível calcular a existência de 4.493 paulistanos com manifestações graves de COVID-19 no dia 13 de abril, enquanto os dados oficiais apontavam apenas 3.357 casos confirmados nessa data.

Os resultados do trabalho, realizado no âmbito do Grupo Técnico de Assessoramento em Epidemiologia e Modelagem Matemática COVID19 (GT COVID-19 Sampa), estão disponíveis na página covid19br.github.io/municipio_SP.

“A principal vantagem é possibilitar ao gestor público a tomada de decisão com base em dados do presente e não de duas semanas atrás”, afirma o físico Vítor Sudbrack, mestrando no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp) sob a orientação do professor Roberto Kraenkel. Ambos integram a equipe do Observatório COVID-19 BR, plataforma on-line que reúne análises baseadas em dados oficiais sobre a propagação do SARS-CoV-2 no Brasil. A iniciativa é fruto da colaboração entre cientistas da Unesp, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Graças à parceria com a secretaria municipal, os pesquisadores tiveram acesso à base de dados local do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (SIVEP-Gripe), que é gerido em nível nacional pelo Ministério da Saúde. Lá estão concentradas as notificações de todos os pacientes que deram entrada em hospitais públicos da capital e foram internados com síndrome respiratória aguda grave (SRAG).

“Quando o paciente é internado com SRAG, é feita a notificação e colhida uma amostra para diagnóstico. O resultado pode indicar se a causa foi o novo coronavírus, o influenza [vírus da gripe], algum outro patógeno ou ainda pode ser inconclusivo”, explica Ana Freitas Ribeiro, médica sanitarista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e membro do GT COVID-19 Sampa.

Dados do Ministério da Saúde indicam que, na semana epidemiológica 14 – que corresponde ao período entre 29 de março e 04 de abril –, cerca de 90% das confirmações de SRAGs por vírus respiratórios (7.333) correspondiam a casos de COVID-19. “Entretanto, nesse mesmo período, 89% dos casos notificados em nível nacional ainda estavam em investigação”, conta Ribeiro.

Segundo Paulo Inácio Prado, professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da USP e integrante do Observatório COVID-19 BR, a metodologia usada pelo grupo para corrigir esse atraso no registro de casos de COVID-19 da capital paulista poderia ser aplicada em qualquer cidade do país.

“Temos interesse em fazer novas parcerias que nos possibilitem acesso às bases de dados do SIVEP-Gripe. No GT COVID-19 Sampa acontece o diálogo entre pesquisadores de universidades, do sistema de saúde e da prefeitura. A correção do atraso de notificação dos dados oficiais é resultado desse diálogo transdisciplinar, que vejo como um subsídio muito útil às políticas públicas porque é construído junto com gestores”, diz Prado.

Monitoramento preciso

Os pesquisadores entrevistados pela Agência FAPESP explicam que a ferramenta de nowcasting não corrige a subnotificação dos casos assintomáticos e dos infectados com sintomas leves, que atualmente não são testados no país.

O protocolo de vigilância epidemiológica da COVID-19 adotado pelo Brasil determina testar prioritariamente os pacientes que necessitam de internação hospitalar, profissionais de saúde e pessoas que morreram em decorrência de SRAG.

“Como não há testes suficientes para toda a população, parte-se do princípio de que o monitoramento dos casos graves pode dar uma noção do todo e indicar o ritmo de crescimento ou retração da epidemia”, explica Sudbrack.

Essa estratégia de vigilância, contudo, tem sido prejudicada pelo atraso nas notificações – principalmente na Região Metropolitana de São Paulo, que concentra a maioria dos infectados pelo novo coronavírus. Por limitações logísticas, o intervalo de tempo entre a chegada do paciente grave ao hospital e a confirmação do diagnóstico tem sido, em média, de 10 dias. Os dados oficiais sem a correção do nowcasting, portanto, indicam o índice de ocupação hospitalar por COVID-19 de 10 dias atrás.

“Até 20 de março, o número oficial de casos [1.231] no município é muito parecido com o apontado pela ferramenta de nowcasting [1.254]. A partir desse ponto as curvas no gráfico começam a divergir, indicando que o número de novos testes realizados havia ultrapassado a capacidade de processamento do sistema de saúde”, diz Sudbrack.

Para contornar o problema, os pesquisadores do Observatório COVID-19 BR usaram técnicas estatísticas que permitem corrigir o número oficial de casos de acordo com a distribuição média de atraso na notificação.

“Se eu tenho um amigo que sempre se atrasa 10 minutos para chegar a um compromisso, sei que posso chegar 10 minutos após o horário marcado. Assim, há grande chance de chegarmos juntos. Eu me adaptei com base em um comportamento médio. A lógica da ferramenta é mais ou menos a mesma”, explica Sudbrack.

Além de ajudar os gestores a preparar o sistema de saúde para atender os doentes, a ferramenta possibilita fazer outros tipos de cálculo com maior precisão.

“Sem a correção do nowcasting, por exemplo, o tempo estimado de duplicação dos casos graves de COVID-19 na cidade de São Paulo estava acima de 10 dias no começo de abril. Quando fizemos a correção percebemos que, na verdade, a quantidade de casos graves dobrava a cada sete dias. Antes da quarentena ser decretada, em 22 de março, os casos dobravam a cada quatro ou cinco dias. Esse ritmo se manteve até 24 de março e, a partir de então, o tempo começou a aumentar, sinal de que o distanciamento social está freando a disseminação do vírus”, diz.

Na avaliação de Sudbrack, porém, a situação atual ainda não permite pensar no relaxamento das medidas adotadas para conter o avanço da epidemia. “Ainda estamos em uma condição delicada. Se hoje temos em torno de 5 mil casos, teremos aproximadamente 10 mil em uma semana. E corremos o risco de jogar fora todo o trabalho já feito se a circulação de pessoas for liberada antes da hora. O tempo de duplicação dos casos na Itália, por exemplo, já ultrapassou 25 dias e só agora estão começando a relaxar lentamente as medidas de isolamento social”, conta.

No limite

Uma estimativa disponível na página do Observatório COVID-19 BR aponta que, se não tivessem sido adotadas medidas para conter a disseminação do novo coronavírus e para expandir a capacidade do sistema público de saúde, os leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) do município de São Paulo teriam alcançado 100% de ocupação no dia 2 de abril. Ou seja, a rede pública da capital já teria entrado em colapso.

Como destaca Prado, estima-se que um caso grave de COVID-19 permaneça internado, em média, por 11 dias. Portanto, mesmo com o aumento no tempo de duplicação dos casos da doença, os pacientes graves continuam a se acumular nos hospitais. “No momento, o GT COVID-19 Sampa projeta um aumento de pelo menos 20% na demanda por leitos de UTI a cada semana”, revela.
 

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