José Goldemberg, presidente da FAPESP, destaca solidez do sistema paulista de pesquisa em cerimônia de lançamento. Obras do artista ficarão expostas até 14 de outubro (foto: Leandro Negro/Agência FAPESP)
José Goldemberg, presidente da FAPESP, destaca solidez do sistema paulista de pesquisa em cerimônia de lançamento. Obras do artista ficarão expostas até 14 de outubro
José Goldemberg, presidente da FAPESP, destaca solidez do sistema paulista de pesquisa em cerimônia de lançamento. Obras do artista ficarão expostas até 14 de outubro
José Goldemberg, presidente da FAPESP, destaca solidez do sistema paulista de pesquisa em cerimônia de lançamento. Obras do artista ficarão expostas até 14 de outubro (foto: Leandro Negro/Agência FAPESP)
José Tadeu Arantes e Phelipe Janning | Agência FAPESP – Ao apresentar o Relatório de Atividades 2015 da FAPESP, o presidente da instituição, José Goldemberg, recordou que estava presente quando foi apresentado o primeiro transistor produzido no mundo. E fez um gesto que aludiu ao tamanho de uma bola de futebol. Em seguida mostrou seu minúsculo smartphone, com milhares de transistores. Com esse exemplo, Goldemberg ilustrou o acelerado desenvolvimento científico e tecnológico das últimas décadas, ressaltando que, hoje, a fronteira da ciência está espalhada pelo mundo todo.
“Neste contexto”, disse, “o Estado de São Paulo dispõe de um sólido sistema de pesquisa – um sistema permanente, que independe das mudanças políticas de governo”.
A cerimônia de apresentação do Relatório, realizada ontem na sede da FAPESP, abriu também a exposição dedicada ao artista paulista Paulo Pasta, cujos trabalhos foram escolhidos para ilustrar a publicação. Reprodução fotográficas de algumas dessas obras estarão expostas no Hall Nobre da FAPESP até o dia 14 de outubro.
Também presente na ocasião, o ex-presidente Celso Lafer elogiou o apuro gráfico do Relatório. E a feliz escolha de reproduções de pinturas do artista Paulo Pasta para ilustrá-lo.
Nascido em Ariranha, no interior do Estado de São Paulo em 1959, Paulo Pasta pertence à nova geração de artistas que ocupou a cena paulistana nos anos 1980. Porém, desde cedo, um temperamento de certa forma clássico, ancorado em referências históricas e mais afeito ao silêncio do que ao ruído, o diferenciou de outros protagonistas de sua faixa etária. Informações detalhadas sobre o pintor podem ser acessadas em www.paulopasta.com.br.
A inclusão de um artista de apenas 57 anos no Relatório de Atividades 2015 é um fato novo. Até agora, os relatórios homenagearam artistas já falecidos, como Portinari, Volpi e Ianelli. Ou caracterizados pela longevidade do currículo exibido na data da homenagem, como Tomie Ohtake, Renina Katz e Maria Bonomi. Em um caso e no outro, artistas que, enfim, já faziam parte da história das artes plásticas no Brasil. Cada vez mais reconhecido pela crítica e pelo público, Paulo Pasta é um artista cuja história está sendo feita. E esse fazer-se, aqui e agora, não poderia ser mais adequado para ilustrar o relatório de uma instituição que tem por missão promover o conhecimento.
Perguntado, em entrevista gravada em vídeo, como se sentia ao ter a obra escolhida para ilustrar o Relatório 2015, Paulo Pasta utilizou a metáfora da garrafa de náufrago, que, lançada ao mar, acaba chegando a algum lugar. “Uma garrafa de naufrago lançada por mim chegou à FAPESP”, disse. “Gosto muito quando obtenho respostas ao meu trabalho. Tenho a impressão de que ele está fazendo sentido para alguém. Acho ótimo”, completou.
Sua pintura atual é minimalista e impecavelmente construída, mas seu ateliê, profuso, lembra um pouco o ambiente registrado na gravura “O Alquimista”, de Pieter Bruegel, o Velho (c. 1525 – 1569). E, no entanto, ateliê e pintura dialogam com perfeição, tendo o pintor como mediador. Porque é preciso misturar tintas em incontáveis recipientes, manchar paredes, sujar o chão, pintar e repintar, para chegar a uma superfície que não poderia ser obra do relance, da improvisação súbita. Não, a pintura de Paulo Pasta é, decididamente, fruto de um esforço reiterado, “alquímico”, no sentido de um processo em que o autor e a obra se transmutam mutuamente. Em seu ateliê bruegueliano, Paulo Pasta falou à Agência FAPESP.
Agência FAPESP: Esse quadro que está atrás de você, no qual ainda está trabalhando, é muito diferente dos seus quadros anteriores. Eu gostaria que comentasse essa diferença.
Paulo Pasta: É um díptico que ainda não está pronto. Mas o que está acontecendo nele, e está acontecendo à minha revelia, é que ele tem as cores mais contrastadas, é muito menos indefinido do que o meu trabalho anterior. Eu costumo me reconhecer e dar o trabalho por terminado justamente quando acontece uma indefinição, uma espécie de catarata visual, que dificulta a visualização da figura. Mas estou gostando da maneira franca como este está chegando, com as cores se apresentando de forma muito resoluta, muito resolvida. E vou seguindo o que ele me diz.
Agência FAPESP: Como você transitou daquela superfície saturada de tinta, cheia de tons, atritada, para essas áreas uniformes, homogêneas, claramente definidas?
Pasta: O meu trabalho se transforma lentamente, porque obedece ao tempo da experiência. Como disse, eu preciso me reconhecer nele. Quando toco na pintura, também sou tocado por ela. Quando agrego sentido à tela, agrego sentido a mim mesmo. É uma construção mútua. O trabalho não avança na medida da minha vontade, do meu pensamento, do meu projeto. Eu posso ter uma ideia, mas, quando vou levar à prática, essa ideia muitas vezes não se confirma. Cria-se um hiato, um espaço, entre o que eu quero e o que eu faço. Esse espaço é muito instigante para mim. É nele que eu aprendo.
Agência FAPESP: E o seu trabalho foi mudando ao longo do tempo?
Pasta: Lentamente, mas foi. Eu tinha uma superfície mais encorpada, mais densa, mais carregada de tinta, na qual a figuração acontecia quando eu raspava a pintura. Era uma espécie de “despintura”. Quando eu retirava material, a forma aparecia. Ali já existia uma conversa minha com o passado – tanto o passado do quadro quanto o passado histórico. Era como se eu buscasse o rastro das coisas, como se esse rastro do passado me desse segurança para estar no presente. Isso ficou muito associado à minha pintura da juventude. Depois, ela foi se afirmando na superfície. E a cor passou a cumprir aquilo que, antes, era realizado por meio da raspagem.
Agência FAPESP: A cor substituiu a raspagem...
Pasta: Sim. Quando uma cor não se distingue muito da outra, quando é preciso parar na frente para perceber as diferenças, e quando, parado na frente, a pintura vai se desvelando pouco a pouco ao olhar, vai se constituindo, por meio disso tudo, uma relação temporal. Então, a temporalidade, que antes estava nas alusões providas pela raspagem, migrou para a cor. Eu acho que, no meu trabalho, não existe a representação do instante. Mas a permanente construção desse instante. E, para o presente se dar, existe a projeção do passado e também a projeção do futuro. Não lembro quem falou da sombra que o futuro projeta sobre o presente, mas essa ideia me marcou. O meu trabalho procura ter essa relação com as dimensões do tempo.
Agência FAPESP: Como você avalia essa transição? Você chegou a uma depuração maior ou se permitiu ser mais exuberante? Porque, antes, você agregava matéria, mas como que buscando ir além da matéria, ao encontro de uma qualidade espiritual. Você acha que está mais perto disso agora?
Pasta: Eu acho que estou chegando cada vez mais perto de mim mesmo. O artista vai buscando recursos internos para viver. E o trabalho expressa isso. Assim, meu trabalho migrou de uma nomenclatura para uma apresentação das coisas. Tudo aquilo que, antes, uma iconografia do passado carregava está, agora, na própria cor, na própria maneira como a pintura se dá. Acho, sim, que o meu trabalho sempre procedeu no sentido de uma depuração, uma síntese, uma ascese. Eu gosto do menos, não gosto do mais, creio que quanto menos melhor. E minha pintura me leva a esse silêncio, a esse vazio, no qual busco alguma coisa para pintar para não ter que pintar o nada. Eu gosto desse espaço vazio, numinoso, que a pintura abre, e que se oferece ao espectador, para que, nele, ele possa se projetar também.
Agência FAPESP: Falou-se aqui na realização da obra como uma ascese. Você tem, para além da pintura, uma busca espiritual? Ou sua busca se esgota na própria pintura?
Pasta: A pintura é, para mim, o caminho de construção da ascese. Não tenho nenhuma preocupação espiritual além da pintura. Mira Schendel dizia que Deus habita o coração da matéria. Se eu conseguir com as minhas formas, com as minhas cores, com a organização interna do meu trabalho atingir aquilo que eu imagino que o trabalho deva ser, acho que já estarei tocando uma essência, minha própria essência. Eu pinto para poder me ver, para poder me descobrir, para poder chegar a mim mesmo. Nesse sentido, pintar é um processo de crescimento interior, de crescimento espiritual. Matisse tinha uma frase de que gosto muito. Quando lhe perguntaram ‘você acredita em Deus?’, ele respondeu ‘sim, quando estou trabalhando’. O trabalho para mim é esse caminho, esse condutor, por meio do qual minha ascese e meu entendimento maior do mundo se realizam.
Agência FAPESP: Seus quadros transitaram da cor turva, indefinida, para cores claras, vibrantes, afirmativas. Sua cor ganhou presença, luminosidade, assertividade. Como isso se relaciona com a sua busca pelo silêncio?
Pasta: Eu acho que, quando a pintura é boa, ela faz silêncio. Pode ser que esteja falando bobagem, mas acho que, quando a música é boa, ela também é silenciosa. A boa música é análoga ao silêncio. Eu penso o mesmo em relação às formas, às cores. A estridência ocorre quando algo não deu certo. Claro que entendo pintores que justamente querem promover o ruído, o barulho, porque isso talvez seja o que mais lhes diga respeito. Mas, no meu caso, não. Quando minhas cores conseguem se colocar umas ao lado das outras de maneira não conflituosa, a analogia que me ocorre é o silêncio.
Agência FAPESP: Você escuta música erudita enquanto trabalha. A música ajuda na concentração?
Pasta: A música ajuda a abafar o ruído da rua. Se tem uma coisa com a qual eu não consigo conviver é o barulho. A música me ajuda nesse sentido.
Agência FAPESP: Seus quadros anteriores, arranhados, raspados, aludiam sempre à figura. Os novos, com suas superfícies homogêneas, também. São colunas, vigas, frontões, pórticos. Muito depurados, muito abstratos, mas, ainda assim, reconhecíveis. A sugestão do objeto continua presente. De certa forma, com muitas camadas de distância, ainda há um De Chirico nos seus quadros, como havia na juventude.
Pasta: É verdade. Eu não me sinto, não me considero, não me acho um pintor abstrato. Nem sei como entender uma pintura totalmente abstrata. Preciso ter sempre algo para começar uma pintura. E esse algo é a referência a alguma coisa. Sempre imagino que estou pintando um lugar. Foram as ogivas no passado. São as vigas agora. Parece que eu estou sempre construindo também uma espécie de boca de cena. Uma boca de cena onde nada acontece, onde talvez os personagens principais sejam as cores, a luz e o silêncio. Você falou em De Chirico. Ele realmente foi muito importante para mim, porque me deu a chave da pintura metafísica. Principalmente o De Chirico do início, com seu silêncio, seu estranhamento, sua descoberta de um sentido oculto nas coisas, diferente do sentido que elas aparentam ter no cotidiano. Isso me marcou muito. Mas a minha pintura foi, também, se distanciando dessas referências iconográficas e caminhando para as cores. Cores que foram ficando cada vez mais resolutas. E eu comecei a perceber que, talvez, o elemento principal do meu trabalho seja a cor. Eu não separo forma e conteúdo. Então, ‘o que pintar’ e ‘como pintar’ têm que ter uma relação muito próxima, muito harmônica, uma relação de simpatia mesmo. Durante muito tempo, eu busquei ‘o que pintar’. Agora, com a cor, o ‘como’ se destacou. Mas isso não é algo que esteja completamente claro para mim. É mais uma compreensão intuitiva.
Agência FAPESP: Você continua pintando esses quadros quase abstratos, em que existe apenas uma alusão remota ao objeto. Mas começou a pintar também paisagens. Como concilia essas duas opções?
Pasta: A minha primeira exposição, em 1984, foi de paisagens. Eram canaviais do interior do Estado de São Paulo, da região onde eu nasci. Há três anos, isso começou a voltar. As paisagens começaram a fazer novamente sentido. Por um tempo, deixei essas pinturas apenas no ateliê. Depois, no ano passado, resolvi mostrar. E fiz duas exposições simultâneas, uma de trabalhos mais abstratos, outra de paisagens. Eu não acho que esses dois caminhos constituam um problema para mim. Acho muito mais problemático explicar isso para os outros. Para mim mesmo, não há cisão. Como eu posso explicar? São coisas que ocorrem no trabalho do artista. O trabalho do artista não é um caminho reto, unívoco. É cheio de curvas, de eventos inesperados. Essas coisas têm que ser consideradas. Mas eu não sou paisagista. Não estou interessado na paisagem genericamente. Estou interessado na paisagem do lugar onde nasci. Portanto, também neste caso, estou interessado na memória. Também neste caso, estou me procurando. Por isso, apesar de terem um aspecto figurativo muito mais evidente, essas paisagens não são diferentes do meu outro trabalho.
Agência FAPESP: Muitos artistas renomados foram seus professores: Carlos Fajardo, Luiz Paulo Baravelli, Evandro Carlos Jardim, Carmela Gross, Regina Silveira. Algum deles o influenciou especialmente?
Pasta: Fajardo e Baravelli foram meus professores no cursinho para o vestibular de arquitetura. E foram muito importantes, porque, com eles, eu entendi que não estava tratando com arquitetos, mas com artistas. E que, de fato, era isso que eu queria. Tanto é que acabei indo estudar artes plásticas e não arquitetura. Na faculdade [Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo], fui aluno do Evandro, da Carmela, da Regina. E, paradoxalmente, foi no ateliê de gravura do Evandro que comecei a me desenvolver como pintor. Naquela época, a faculdade estava ainda sob a influência das ideologias dos anos 1970, para as quais a pintura não valia muito. O que contava era a arte conceitual, muito mais o comentário da arte do que a arte. Mas eu, que já pertencia à geração seguinte, a geração de 1980, não queria ficar nisso. E o Evandro foi, nesse momento, um interlocutor poderoso. Depois da faculdade, conheci o Iberê Camargo e o Amilcar de Castro, ambos importantíssimos. Quando encontrei o Iberê, eu disse para mim mesmo: ‘conheci um pintor’. Era alguém que tinha com a pintura uma relação de verdade, sólida, construída ao longo de toda uma vida de experiência. O Amilcar também me marcou muito, pela maneira concisa e precisa com que via e abordava aquilo que via. Até hoje, sinto muita saudade de conversar com os dois.
Agência FAPESP: Se você tivesse toda a história da arte à disposição, que artista escolheria?
Pasta: Eu escolheria um ser híbrido, que criei para mim mesmo, uma mistura de Matisse e Morandi. Eu ficaria na confluência dos dois. E, no Brasil, ficaria com o Volpi. O Volpi fez essa junção. Você olha o trabalho dele e reconhece tanto Matisse quanto Morandi. Ao mesmo tempo que há um silêncio, uma metafísica, um trato com os elementos bem característicos da pintura italiana, e especialmente da pintura de Morandi, há também uma presença da cor tipicamente matisseana. Existe até uma anedota muito divertida que contam sobre o Volpi. Alguém perguntou a ele sobre Picasso. E Volpi respondeu: ‘um grande artista’. O outro: ‘e Marcel Duchamp?’. Volpi: ‘um grande artista’. O outro: ‘e Matisse?’. ‘Ah’, disse Volpi, ‘este sim foi um pintor!’.
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