Em entrevista à Agência FAPESP, Kurt Wüthrich contou que começou a desenvolver técnica premiada de análise estrutural de proteínas movido pela curiosidade de melhorar seu desempenho esportivo (imagem: Agência FAPESP)

Experiência com a própria hemoglobina foi motivação inicial de Nobel de Química
18 de novembro de 2014

Em entrevista à Agência FAPESP, Kurt Wüthrich contou que começou a desenvolver técnica premiada de análise estrutural de proteínas movido pela curiosidade de melhorar o desempenho esportivo

Experiência com a própria hemoglobina foi motivação inicial de Nobel de Química

Em entrevista à Agência FAPESP, Kurt Wüthrich contou que começou a desenvolver técnica premiada de análise estrutural de proteínas movido pela curiosidade de melhorar o desempenho esportivo

18 de novembro de 2014

Em entrevista à Agência FAPESP, Kurt Wüthrich contou que começou a desenvolver técnica premiada de análise estrutural de proteínas movido pela curiosidade de melhorar seu desempenho esportivo (imagem: Agência FAPESP)

 

Por Karina Toledo, de Araraquara

Agência FAPESP – O estereótipo do cientista franzino, sempre a postos na bancada do laboratório com seus óculos fundo de garrafa e avesso a qualquer atividade física, rapidamente se desfaz ao se conhecer a história de vida do suíço Kurt Wüthrich – vencedor do Nobel de Química em 2002.

Primeiro de sua família a ter um diploma universitário, Wüthrich graduou-se em Química, Física e Matemática pela University of Bern, na Suíça, entre os anos de 1957 e 1962. Também nessa época, conquistou seu primeiro emprego como professor de Esportes em uma escola de ensino médio – cargo que exerceu durante cinco anos.

Paralelamente, nos meses de inverno, trabalhava como instrutor de esqui em resorts dos alpes suíços. Em uma dessas ocasiões conheceu Marianne Briner, com quem teve dois filhos e é casado até hoje.

Entre 1962 e 1964, enquanto cursava doutorado em Química na University of Basel, na Suíça, praticava em média 25 horas semanais de exercícios físicos intensos e frequentava cursos de Anatomia e Fisiologia com o objetivo de se tornar bacharel em Esportes.

Durante o pós-doutorado, realizado na University of California, Berkeley, Estados Unidos, começou a desenvolver estudos com ressonância magnética nuclear (RMN). Alguns anos depois, motivado pelo desejo de melhorar seu desempenho esportivo, decidiu estudar a estrutura de sua própria hemoglobina – proteína existente nos glóbulos vermelhos e responsável pelo transporte de oxigênio no sistema circulatório.

Em meados dos anos 1970, começou a desenvolver um método que possibilitasse usar a RMN para analisar proteínas em solução. Basicamente, a ideia consiste em bombardear a amostra com fortes ondas eletromagnéticas.

O núcleo de certos átomos, como o de hidrogênio, responde emitindo suas próprias ondas eletromagnéticas, que – ao serem analisadas – dão pistas sobre a estrutura da molécula. Mas, inicialmente, o método só funcionava com moléculas pequenas.

A análise de proteínas complexas oferecia como resultado um emaranhado indecifrável de sinais de rádio. Wüthrich encontrou um meio de determinar a distância entre os átomos de hidrogênio e, assim, construir uma imagem tridimensional da molécula-alvo.

Obteve seu primeiro sucesso com a técnica em 1984, quando elucidou a estrutura tridimensional de uma proteína existente no plasma do touro. O feito lhe rendeu a indicação para o Nobel quase 20 anos mais tarde. Estima-se que cerca de 20% das estruturas tridimensionais de proteínas conhecidas até o ano de 2002 tenham sido determinadas com uso de RMN.

Wüthrich dividiu o prêmio com John Fenn (Virginia Commonwealth University) e Koichi Tanaka (Shimadzu Corp.). Os dois desenvolveram métodos diferentes para identificar determinadas proteínas em solução pela medição do peso das moléculas.

Atualmente, Wüthrich é professor de Biologia Estrutural do Instituto de Pesquisa Scripps, nos Estados Unidos, e docente de Biofísica na Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH), na Suíça.

Por meio do programa Ciência Sem Fronteiras, atua desde 2012 também como pesquisador visitante no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biologia Estrutural e Bioimagem (Inbeb) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em entrevista à Agência FAPESP, concedida durante a inauguração da Plataforma II de RMN do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/novo_laboratorio_da_unesp_usa_ressonancia_magnetica_nuclear_para_analises_quimicas/20208/), Wüthrich falou sobre suas atuais linhas de pesquisa. Um de seus objetivos hoje é compreender doenças causadas por versões anormais das proteínas príons, que podem ser transmissíveis.

Um exemplo é a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), caracterizada por um quadro de demência rapidamente progressiva, desordem na marcha, postura rígida, crises epilépticas e paralisia facial que confere ao portador a aparência de sempre estar sorrindo. A DCJ faz parte do grupo das encefalopatias espongiformes e é considerada a versão humana da doença da vaca louca.

No evento realizado em Araraquara, o pesquisador apresentou uma palestra na qual abordou a evolução das pesquisas com RMN, as perspectivas para essa área e a importância da ciência básica motivada pela curiosidade.

 

 

Agência FAPESP – Durante sua palestra, o senhor mencionou a importância da pesquisa movida pela curiosidade. Esse foi o seu caso quando começou a estudar a estrutura tridimensional de proteínas ou tinha um objetivo mais aplicado, como encontrar a cura de uma doença?
Kurt Wüthrich – Meu caso foi um pouco especial, porque eu era um esportista. E, em todos os esportes de resistência, a captação de oxigênio é um fator limitante. A primeira proteína que estudei foi minha própria hemoglobina, na tentativa de achar algo que pudesse ajudar a melhorar a captação de oxigênio durante os exercícios. Eu tive a chance e a oportunidade de trabalhar nesse campo e a curiosidade de descobrir como era a hemoglobina do meu sangue.

Agência FAPESP – Por que é tão importante conhecer a estrutura tridimensional das proteínas?
Wüthrich – Não é possível, sob hipótese alguma, entender como as proteínas desempenham suas diferentes funções no organismo sem conhecer a estrutura tridimensional dessas moléculas. As proteínas regulam todos os processos em nosso corpo, mas também formam nosso cabelo e nossa pele. A maior parte das proteínas em nosso corpo está em solução e não poderia desempenhar suas funções se não estivesse dissolvida em água, mas o cabelo felizmente não se dissolve em água. E você não consegue entender essas diferenças se não conhece a estrutura tridimensional.

Agência FAPESP – No estudo da estrutura de proteínas, qual é a vantagem que a RMN oferece em relação a outras técnicas estruturais, como a cristalografia, por exemplo?
Wüthrich – A cristalografia é feita com cristais de proteína e a RMN nos permite trabalhar com soluções. A cristalografia trabalha em temperaturas muito baixas, nós conseguimos trabalhar na temperatura do corpo humano. Podemos ajustar nossas soluções para que mimetizem os fluidos corporais. É uma situação muito mais semelhante àquela por meio da qual a proteína atua no corpo humano. Isso nos permitirá no futuro, espero, estudar proteínas diretamente em células vivas.

Agência FAPESP – Quais são suas linhas de pesquisa atualmente?
Wüthrich – Em Zurique, estudo principalmente doenças relacionadas à proteína príon, como a doença da vaca louca, e as doenças priônicas humanas, entre elas a DCJ. Nos Estados Unidos, estudo principalmente os receptores acoplados à proteína G [GPCRs, na sigla em inglês]. Em nosso corpo temos 826 desses receptores e eles estão relacionados a quase tudo: olfato, paladar, controlam o batimento cardíaco, adrenalina. Tudo passa pelos GPCRs. Por isso, cerca de 40% das drogas de prescrição hoje existentes se ligam a GPCRs. A ideia é elucidar o mecanismo de ação desses receptores. Eles ficam na membrana celular, percebem a droga do lado de fora e ativam sinais dentro da célula que surtem efeito na doença. Queremos entender como exatamente a droga afeta o sinal dentro da célula.

Agência FAPESP – Quando foi a primeira vez que esteve no Brasil e como vê a evolução da ciência brasileira desde então?
Wüthrich – A primeira vez que estive no Brasil foi em 1973 e de lá para cá houve uma série de altos e baixos na ciência brasileira. Houve avanços e resultados muito impressionantes em genômica. Cientistas brasileiros desvendaram em um instituto virtual [ Organização para Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos] o genoma da bactéria [ Xanthomonas citri] que causa doenças em cítricos.

Agência FAPESP – O que recomendaria como tema de estudo para um jovem cientista de sua área hoje?
Wüthrich – Em primeiro lugar eu recomendaria escolher algo de que gosta de fazer, pois, mesmo que trabalhe duro, deve parecer divertido. Isso é o mais importante. Pois, movido pela curiosidade, é possível obter resultados importantes em qualquer área. Também é preciso ter ciência de para onde seu campo de interesse caminha e buscar trabalhar na fronteira. Penso que haverá grandes avanços nas técnicas de imagem de alta resolução e aplicações interessantíssimas de imagens de ressonância magnética funcional. Espero que a próxima geração seja capaz de observar proteínas em células vivas e isso não necessariamente se limita a técnicas de RMN. Também há técnicas ópticas, como a que ganhou o Nobel de Química em 2014, que permite obter imagens de altíssima resolução do interior das células. Isso derrubou uma antiga lei da microscopia de que não seria possível observar nada menor do que a metade do comprimento de onda da luz [ 0,2 micrômetro].

Agência FAPESP – Considera o ensino como parte importante da carreira científica?
Wüthrich – Fui professor de esportes no colegial durante cinco anos. É um longo tempo. Ensinei esqui por 10 anos. Gosto de dar aulas. Penso que universidades de excelência precisam ter pesquisadores ensinando seus estudantes, caso contrário eles nunca terão o sentimento real do que se trata a ciência. Voltando aos esportes, eu sempre treinei com os melhores, com atletas olímpicos. Somente quando estamos entre os melhores aprendemos e temos chance de chegar ao topo. Sei que muitas faculdades no Brasil mantêm professores sem doutorado em seus quadros. Muitos professores aqui não estão capacitados para fazer pesquisa. Penso que isso precisa mudar se o Brasil realmente quiser se estabelecer como um ator importante da pesquisa básica. Claro que podem fazer isso.
 

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