Sequenciamento de DNA de raias pescadas no Sudeste indica que mais da metade está em listas de espécies protegidas. Estudo mostra impacto da pesca acidental mesmo quando realizada em pequena escala (raia-viola (Pseudobatos horkelii) / foto: Bruno Ferrette)

Exame de DNA revela captura de peixes ameaçados de extinção
11 de julho de 2019
EN ES

Análise genética de raias pescadas no Sudeste indica que mais da metade está em listas de espécies protegidas. Estudo mostra impacto da pesca acidental mesmo quando realizada em pequena escala

Exame de DNA revela captura de peixes ameaçados de extinção

Análise genética de raias pescadas no Sudeste indica que mais da metade está em listas de espécies protegidas. Estudo mostra impacto da pesca acidental mesmo quando realizada em pequena escala

11 de julho de 2019
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Sequenciamento de DNA de raias pescadas no Sudeste indica que mais da metade está em listas de espécies protegidas. Estudo mostra impacto da pesca acidental mesmo quando realizada em pequena escala (raia-viola (Pseudobatos horkelii) / foto: Bruno Ferrette)

 

André Julião  |  Agência FAPESP – Com baixo valor comercial, as raias são frequentemente capturadas em grande quantidade ao ficarem presas, acidentalmente, nas redes de pescadores que buscam outras espécies mais valorizadas. Embora involuntária, um novo estudo indica o impacto da pesca de raias na biodiversidade marinha.

Análises genéticas de 228 raias capturadas por pescadores artesanais e por pequenos barcos industriais no Sudeste do Brasil entre 2012 e 2018 mostram que 101 faziam parte de lista de espécies globalmente ameaçadas de extinção e 131 têm a pesca e comercialização proibidas no país.

O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade Santa Cecília (Unisanta) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), foi publicado na revista Genes.

O trabalho alerta para a necessidade de uma fiscalização mais efetiva da atividade pesqueira no Brasil e demonstra o potencial da aplicação de técnicas genéticas para realizar estatísticas pesqueiras mais precisas e de maior qualidade.

Uma vez que muitas espécies são bastante semelhantes entre si ou que são retalhadas ou processadas pelos pescadores antes do desembarque, torna-se impossível fazer a identificação precisa do que é pescado apenas pelas características externas dos animais.

“As raias são animais bastante negligenciados em termos de pesquisa e os poucos trabalhos produzidos mostram a fragilidade dessas populações. Além disso, quase não há fiscalização da pesca e as fraudes ocorrem com bastante frequência”, disse Fernando Fernandes Mendonça, professor do Instituto do Mar da Unifesp e coordenador do estudo.

O material foi colhido e as análises realizadas como parte de um projeto apoiado pela FAPESP. O objetivo foi criar um banco genético de elasmobrânquios do Brasil, grupo de peixes composto por raias e tubarões. “Fomos além e hoje temos amostras praticamente do mundo inteiro”, disse Mendonça.

As coletas ocorreram durante o desembarque de barcos de pesca artesanal e industrial, de pequeno e médio porte, que atuam ao longo do litoral do Estado de São Paulo. Os pesquisadores retiraram pequenos pedaços de músculos e de nadadeiras das raias capturadas a fim de realizar as análises de DNA.

“Muitas vezes as raias já estavam cortadas. É uma prática que serve para facilitar a conservação do pescado a bordo, mas também para burlar uma eventual fiscalização”, disse Bruno Lopes da Silva Ferrette, primeiro autor do artigo e atualmente realizando estágio de pós-doutorado na Unisanta, em Santos.

No mundo, pelo menos 90% das espécies de elasmobrânquios estão na lista vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), índice que é referência global no assunto.

Para identificar as espécies capturadas, os pesquisadores utilizaram o protocolo de código de barras de DNA (DNA barcoding). Trata-se do sequenciamento do gene mitocondrial Citrocromo C Oxidase I (COI), padrão para identificação de espécies animais. As sequências geradas pela pesquisa foram então comparadas com as depositadas em um banco de dados genéticos on-line, o Barcode of Life Database (BOLD).

A comparação levou à identificação de pelo menos 17 espécies, sendo que quatro foram as mais representadas, compondo 46,49% das amostras: raia-santa (Rioraja agassizii), raia-amarela (Myliobatis freminvillei), raia-borboleta ou raia-manteiga (Gymnura altavela) e a raia-ticonha (Rhinoptera brasiliensis), espécie endêmica do Brasil muito semelhante a outra raia do mesmo grupo (Rhinoptera bonasus), que também foi representada na análise, com 15 indivíduos.

Além disso, 44,3% de todas as amostras pertenciam a espécies com algum grau de ameaça na lista vermelha da IUCN, enquanto 57,47% são protegidas pela portaria nº 445 de 2014, do Ministério do Meio Ambiente, que proíbe sua pesca e comercialização. Uma delas, Pseudobatos horkelii, uma das espécies conhecidas como raia-viola, ocorre exclusivamente no Brasil e já teve um declínio de 80% de sua população graças à ação humana.

Espécies visadas

Durante a pesquisa, foram capturadas ainda três exemplares de Mobula thurstoni, uma das espécies conhecidas como raia-manta ou raia-jamanta, devido aos mais de 2 metros que pode ter de envergadura. Muito cobiçada pelo mercado asiático por conta de suas guelras, a espécie é listada no apêndice II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), acordo do qual o Brasil é signatário desde 1975.

Outros 21,5% das amostras pertencem a espécies listadas na categoria Deficiente de Dados, na qual nem sequer há informações disponíveis para determinar seu risco de extinção. Além disso, não foi possível identificar a espécie exata de 39 exemplares do gênero Dasyatis.

“Há algumas possíveis razões para isso. Podem ser espécies ainda não descritas formalmente, algumas delas sem dados de referência em bancos de dados genéticos devidamente depositados ou mesmo espécies tão próximas geneticamente que apenas a técnica do DNA barcoding, que utiliza apenas um gene, não consegue diferenciá-las”, disse Ferrette.

Para os pesquisadores, os resultados mostram a necessidade de uma fiscalização mais efetiva e a retomada de estatísticas pesqueiras, utilizando técnicas modernas que permitam saber o que está sendo retirado e em que quantidade dos mares brasileiros.

Segundo os autores do estudo, há pelo menos 10 anos não há informe das estatísticas pesqueiras brasileiras em nível nacional, ficando a critério de cada Estado fazer esse tipo de levantamento. Porém, mesmo nos que o realizam, como o Estado de São Paulo, não há dados detalhados do pescado em nível de espécie, mas em categorias genéricas como cação, raia, pescada, entre outros. “Isso compromete severamente os esforços para a gestão sustentável da atividade pesqueira”, disse Ferrette.

Os autores propõem que ferramentas genéticas de menor custo, como o PCR (reação em cadeia da polimerase) multiplex, PCR em tempo real (qPCR) ou mesmo metodologias de nova geração, como o metabarcoding, possam ser usadas para fazer análises em algumas amostragens nos desembarques de frotas industriais e mesmo artesanais no litoral. Com isso, seria possível conhecer melhor o impacto da pesca, melhorar a qualidade das estatísticas pesqueiras e fomentar a elaboração de planos de manejo mais precisos e bem fundamentados.

O artigo DNA Barcode Reveals the Bycatch of Endangered Batoids Species in the Southwest Atlantic: Implications for Sustainable Fisheries Management and Conservation Efforts (doi: https://doi.org/10.3390/genes10040304), de Bruno Lopes da Silva Ferrette, Rodrigo Rodrigues Domingues, Matheus Marcos Rotundo, Marina Provetti Miranda, Ingrid Vasconcellos Bunholi, Juliana Beltramin De Biasi, Claudio Oliveira, Fausto Foresti e Fernando Fernandes Mendonça, está publicado em: www.mdpi.com/2073-4425/10/4/304/htm.

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