Intelectual morto em 2017, aos 98 anos, foi homenageado com concerto de viola caipira e painel com a presença de Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, José de Souza Martins, Walnice Galvão e Ana Luisa Escorel (foto: Felipe Maeda / Agência FAPESP)

Evento na FAPESP homenageia Antonio Candido
29 de agosto de 2018

Intelectual morto em 2017 foi homenageado com concerto de viola caipira e painel com a presença de Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, José de Souza Martins, Walnice Galvão e Ana Luisa Escorel

Evento na FAPESP homenageia Antonio Candido

Intelectual morto em 2017 foi homenageado com concerto de viola caipira e painel com a presença de Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, José de Souza Martins, Walnice Galvão e Ana Luisa Escorel

29 de agosto de 2018

Intelectual morto em 2017, aos 98 anos, foi homenageado com concerto de viola caipira e painel com a presença de Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer, José de Souza Martins, Walnice Galvão e Ana Luisa Escorel (foto: Felipe Maeda / Agência FAPESP)

 

José Tadeu Arantes  |  Agência FAPESP – O centésimo aniversário do nascimento de Antonio Candido e a nova reedição de seu livro mais influente, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, 1750-1880, foram comemorados na sede da FAPESP em São Paulo (leia notícia sobre a publicação em: agencia.fapesp.br/28587).

A cerimônia, realizada em 27 de agosto de 2018, foi aberta com saudação do presidente da FAPESP, professor José Goldemberg, que lembrou o papel da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como catalisadora da estruturação da Universidade de São Paulo.

“E, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras a grande contribuição de Antonio Candido foi, a meu ver, o estabelecimento de um padrão de qualidade compatível com o das melhores universidades do exterior”, disse.

O evento teve, na sequência, um concerto de viola caipira executado por Ivan Vilela, pesquisador, compositor e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. Antonio Candido resgatou e revalorizou a cultura caipira em Os Parceiros do Rio Bonito, considerado um clássico da sociologia. Ao lado do interesse acadêmico, a moda de viola caipira foi, para ele, um gênero de especial predileção. Vilela, estudioso do gênero, encerrou sua apresentação com a Valsinha, de Vinícius de Moraes e Chico Buarque de Holanda, lembrando que a havia executado na presença de Antonio Candido anteriormente.

O evento teve um painel com foco na vida e na obra do homenageado. Coordenado pelo professor Celso Lafer, ex-presidente da FAPESP, o painel contou com a participação do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, dos professores eméritos da Universidade de São Paulo José de Souza Martins e Walnice Nogueira Galvão e da editora Ana Luisa Escorel, filha primogênita de Antonio Candido e responsável pela reedição de Formação da Literatura Brasileira e de toda a obra do pai por meio de sua editora Ouro sobre Azul

Cardoso lembrou sua convivência pessoal com Antonio Candido, cuja residência frequentou assiduamente. “Antonio Candido pegava um autor e, com simplicidade, ia direto ao ponto, dizendo mais do que a maioria daqueles que falavam pedantemente sobre o assunto. Só conheci dois expositores tão bons: Raymond Aron [1905-1983, filósofo, sociólogo e analista político francês] e ele”, disse.

Em seguida, Martins traçou um paralelo entre as duas obras mais importantes de Candido, Formação da Literatura Brasileira e Os Parceiros do Rio Bonito. Escritos mais ou menos ao mesmo tempo são, no entanto, obras completamente diferentes, tanto pelo tema como pelo tratamento. Martins captou o fio que as une.

“Na Formação da Literatura Brasileira, o que chama minha atenção, como sociólogo, é perceber a literatura brasileira como a documentação da nossa inautenticidade. Nada era autêntico, nada era nosso, nada tinha raiz. Tudo foi copiado da Europa. A pesquisa que resultou em Os Parceiros do Rio Bonito, aparentemente, funcionou como um contraponto disso, na busca de uma autenticidade de referência”, disse.

Aluna e depois assistente de Antonio Candido, Walnice Galvão falou das preferências literárias de seu professor e mentor. Tema difícil, tratando-se de um intelectual de erudição incomum, cujas leituras transitavam dos maiores nomes da literatura universal a autores praticamente desconhecidos. Walnice transitou de Victor Hugo à Bíblia, passando por Shakespeare. Mas se deteve especialmente em Proust.

“Antonio Candido se definia como um proustiano fanático. A ele consagrava a mais recheada das estantes de sua biblioteca pessoal. Tão cedo quanto 1950, Sérgio Buarque de Holanda já anotava, em seu artigo Proustiana, o quanto Antonio Candido era um especialista na obra do francês, citando um artigo de 1944. Esse artigo de Antonio Candido de 1944 celebra a liberação da França no fim da Segunda Guerra Mundial e dedica um trecho a Proust. Entre 1958 e 1960, publicou quatro resenhas, distribuídas por dois anos, mostrando a segurança com que se movia pela bibliografia proustiana e quão vasto já era o seu repertório”, afirmou.

O painel foi fechado por Ana Luisa Escorel, que combinou reminiscências familiares com uma descrição detalhada do processo de redação, edição e reedição de Formação da Literatura Brasileira. Falando do período em que seu pai ainda estava escrevendo essa obra de grande fôlego – trabalho que se prolongou por 12 anos –, contou uma história curiosa.

"Em uma das casas em que moramos, não se podia usar banheira em nenhuma circunstância, apenas o chuveiro. Anos a fio, a banheira ficou cheia até o topo com material relativo ao livro: manuscritos, fotocópias, microfilmes, textos datilografados em mais de uma versão, pastas, cadernos, conjuntos de originais, que, na minha lembrança, e a certa altura, ele jogou fora em um rompante – não sem antes, com certeza, rasgar minuciosamente tudo, como era hábito seu nessas ocasiões”, disse.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de julho de 1918, e faleceu em São Paulo, em 12 de maio de 2017, aos 98 anos. Crítico literário, sociólogo, professor universitário e protagonista político, foi nome referencial da intelectualidade brasileira.

Autor de obra extensa e detentor de vários prêmios literários, no país e no exterior, sua Formação da Literatura Brasileira é reconhecida como marco divisório da crítica literária no país. Assim como Os Parceiros do Rio Bonito é considerado um marco da sociologia. No campo político, participou do Partido Socialista Brasileiro (PSB), antes de o mesmo ser fechado pela ditadura civil-militar em 1965, e, posteriormente, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT).

Nascido em família tradicional do sul de Minas Gerais, fez sua carreira acadêmica em São Paulo, participando, quando jovem, do círculo de estudantes reunidos em torno da revista Clima, publicada na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Entre outros, faziam parte do grupo Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Ruy Coelho, Lourival Gomes Machado e Gilda Moraes Rocha, que se tornaria sua esposa e companheira de toda a vida, adotando o nome Gilda de Mello e Souza. Com ela, teve as filhas Ana Luisa, Laura e Marina.

Tornou-se professor assistente da USP em 1942 e professor titular de Teoria Literária e Literatura Comparada em 1974. Entre seus muitos alunos, vários deles nomes notáveis da intelectualidade brasileira, podem ser citados, além de Walnice Galvão e Fernando Henrique Cardoso, Roberto Schwarz e Davi Arrigucci Jr. Embora evitasse participar da política universitária, foi defensor da instituição em todos os momentos em que ela esteve ameaçada durante o período da ditadura civil-militar. Participou também da fundação da Associação dos Docentes da USP (Adusp).

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