Participaram do encontro 60 estudantes de 14 estados do Brasil, 29 deles do Estado de São Paulo (crédito: Vera Sirin/Agência FAPESP)

Escola FAPESP
Evento discute a construção de pontes entre diferentes saberes como resposta à crise global
13 de dezembro de 2023

Escola Interdisciplinar FAPESP 2023: Humanidades, Ciências Sociais e Artes reuniu pesquisadores do país e do exterior e estudantes de pós-graduação

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Evento discute a construção de pontes entre diferentes saberes como resposta à crise global

Escola Interdisciplinar FAPESP 2023: Humanidades, Ciências Sociais e Artes reuniu pesquisadores do país e do exterior e estudantes de pós-graduação

13 de dezembro de 2023

Participaram do encontro 60 estudantes de 14 estados do Brasil, 29 deles do Estado de São Paulo (crédito: Vera Sirin/Agência FAPESP)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – O que as humanidades, as ciências sociais e as artes podem fazer para alimentar a imaginação sobre novas formas de ser em um mundo abalado pela crise ambiental, a guerra, a polarização política e o enfraquecimento das democracias? Esta foi, segundo a organizadora Esther Império Hamburger, professora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a pergunta central, o fio condutor, que orientou a realização da “Escola Interdisciplinar FAPESP 2023: Humanidades, Ciências Sociais e Artes”, iniciada em 10 de dezembro e que se encerra hoje (13/12), em Embu das Artes, próximo a São Paulo.

A escola reuniu seis conferencistas, do país e do exterior, referenciais em suas respectivas áreas, e 60 pós-graduandos, selecionados a partir de 91 inscrições. São estudantes de 14 estados do Brasil, 29 deles do Estado de São Paulo. Arturo Alvarado (Colegio de México), Giuliana Bruno (Harvard University), Jane Ohlmeyer (Trinity College Dublin), Manuela Carneiro da Cunha (University of Chicago), Márcio Seligmann-Silva (Universidade Estadual de Campinas) e Roberto Simanowski (Freie Universität Berlin) foram os conferencistas convidados. E Antonia Pereira Bezerra (Universidade Federal da Bahia) e Fábio Cury (Universidade de São Paulo) conduziram masterclasses, respectivamente em teatro e música.

A abertura teve as presenças dos professores Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, e Fernando Ferreira Costa, coordenador da comissão científica que organiza as Escolas Interdisciplinares FAPESP.

Zago ressaltou o papel das humanidades, ciências sociais e artes como impulsionadoras da criatividade e do pensamento crítico em um “mundo hiperdigital em acelerada transformação tecnológica”. E lembrou que fundadores ou líderes de algumas das companhias mais influentes da atualidade tiveram sua formação nessas áreas. “Por exemplo, Susan Wojcicki, CEO do YouTube, estudou história e literatura; Reid Hoffman, cofundador do LInkedin, e Stewart Butterfield, cofundador de Flickr e Slack, graduaram-se em filosofia; e Carly Florina, ex-CEO da Hewlett-Packard, graduou-se em história medieval e filosofia”, lembrou.

Ele convidou os participantes a refletir e discutir sobre o tema, na tentativa de entender “como as rápidas mudanças que ocorrem no mundo e na sociedade irão afetar o futuro do conhecimento, das universidades, dos institutos de pesquisa e dos intelectuais e pesquisadores”.

Um tópico especialmente desafiador, e que já foi enfatizado por Zago em outros contextos, é o da expressiva diminuição de interesse pela carreira acadêmica: “Muito foi dito sobre a redução de recursos para pesquisa. Mas pouco ou nada se disse sobre a vertiginosa queda no número de novas inscrições em cursos de pós-graduação. O que está acontecendo com os jovens que se graduam? Por que não estão interessados em uma carreira acadêmica? Por que e como os cursos de pós-graduação precisam mudar? Por que o sistema fragmentado e burocrático conformado por disciplinas que refletem a especialização profissional não pode ser base para pós-graduações que objetivam preparar para o futuro e não reproduzir o passado?”.

Encontros transversais como as Escolas Interdisciplinares FAPESP têm um papel a desempenhar nesse contexto. Fernando Ferreira Costa recordou que, no mesmo local onde ocorre o encontro de humanas, realizou-se, há pouco mais de um mês, a Escola Interdisciplinar FAPESP 2023 – Ciências Exatas e Naturais, Engenharias e Medicina, também com seis conferencistas e 60 pós-graduandos. “Tive oportunidade de conversar com os conferencistas e com um considerável número de pós-graduandos. E essas interações validaram uma vez mais minha convicção do enorme valor desses encontros. Essa experiência é uma daquelas ocasiões singulares que possibilitam que acadêmicos e pesquisadores de diferentes campos de estudo e de diferentes formações e perspectivas troquem ideias e estabeleçam conexões duradouras”, falou.

Costa ressaltou o papel dos pós-doutorandos como instrumentais para promover a quantidade e a qualidade da pesquisa e superar o hiato que ainda separa o Brasil dos países mais desenvolvidos. “Como pós-doutorando na Yale University, eu me lembro bem que, do ponto de vista técnico, os estudantes de medicina norte-americanos eram muito semelhantes aos estudantes brasileiros. Mas havia uma importante diferença. Devido ao fato de que os estudantes dos Estados Unidos deviam passar por quatro anos de faculdade [college] antes de entrar no curso de medicina propriamente dito, muitos estavam capacitados a discutir literatura, história, economia, arquitetura, física e outros assuntos. Esses quatro anos de educação generalista os expõem a um vasto número de diferentes disciplinas e os capacitam a ver o mundo a partir de múltiplas perspectivas. Na Universidade Estadual de Campinas [Unicamp], criamos um curso mais ou menos comparável aos quatro anos do college. Desde então, esse curso expandiu-se e existe ainda hoje”, afirmou.

Pontes entre diferentes saberes

A ideia de estabelecer pontes entre diferentes saberes, não apenas conformados por disciplinas acadêmicas diversas, mas também por configurações epistemológicas mais vastas, foi um dos vetores da “Escola Interdisciplinar FAPESP 2023: Humanidades, Ciências Sociais e Artes”. O assunto foi especialmente explorado por Manuela Carneiro da Cunha em sua conferência “A relevância do conhecimento indígena”, que tratou da convergência e complementaridade entre os saberes dos povos tradicionais e os saberes das instituições científicas.

“Essa aproximação nem sempre é fácil, porque precisa superar resistências de parte a parte. Um exemplo extraordinariamente bem-sucedido é o livro A queda do céu, do xamã yanomami Davi Kopenawa e do antropólogo franco-marroquino Bruce Albert. Esse livro é a maior realização das últimas décadas no campo da antropologia. Mas só se tornou possível devido a uma relação de confiança de muitos anos entre Kopenawa e Albert”, disse Carneiro da Cunha à Agência FAPESP.

“As ciências exatas e naturais, as medicinas e engenharias estão revolucionando o mundo com tecnologias digitais e inteligência artificial. Instituições que sustentaram os estados de bem-estar social no pós-guerra fazem parte das estruturas que estão perdendo sua habilidade de organizar a vida, em consequência do que, no longo prazo, parece ser a transição de um modo de produção para outro. Humanidades, ciências sociais e artes abriram-se para outras cosmologias e outras formas de estar no mundo. Do compartilhamento de culturas e conhecimentos novos horizontes emergem em uma onda cultural e artística efervescente, que, no entanto, dificilmente atinge as esferas de poder. Como preencher essas lacunas?”, perguntou-se Esther Hamburger em sua fala de abertura do evento.

Hamburger referiu-se ao primeiro contato, ainda na infância, do filósofo, sociólogo e crítico literário judeu-alemão Walter Benjamin (1892-1940) com o telefone. E falou da maneira sensual como o grande ensaísta descreveu essa experiência, em um de seus famosos ensaios em miniatura. “Vivemos em um mundo que está revisitando essas questões. Pensamos que a ameaça fascista era algo que havia sido enterrado pela experiência histórica. Agora, acossado pelo aquecimento global e pelo desequilíbrio climático, que favorecem a livre circulação de vírus, o mundo está diante da ameaça do desacordo global.”

Aludindo à República de Weimar (1918-1933), o período histórico efervescente em que Benjamin viveu e que antecedeu a ascensão do nazismo na Alemanha, Hamburger se interrogou se não estaríamos vivendo agora em uma espécie de Weimar global, com sua explosão de experimentação e trágico desdobramento.

“Após décadas de políticas estáveis de ampliação dos direitos, favorecendo a diversidade e a inclusão, o Brasil se transformou”, disse, fechando o foco de sua fala no país. “Hoje, a participação, como intelectuais e pensadores, de indígenas, negros, mulheres e não binários altera a maneira como pensamos em nós mesmos.” E, voltando a abrir o quadro, acrescentou: “Possíveis paralelos com as situações correntes globais nos desafiam a pensar além da negatividade, para entendermos, controlarmos e nos apropriarmos de novas tecnologias, mas, acima de tudo, para engendrarmos maneiras de estar no mundo descentralizadas e abertas à diversidade”.

Além de Costa e Hamburger, participam da comissão científica organizadora das Escolas Interdisciplinares FAPESP Maria de Fátima Couto (Unicamp), Carlos Alfredo Joly (Unicamp), Ciro Antônio Rosolem (Unesp) e Oswaldo Baffa Filho (USP).

Mais informações sobre a “Escola Interdisciplinar FAPESP 2023: Humanidades, Ciências Sociais e Artes” podem ser acessadas em https://escolafapesp2023humanas.webeventos.tec.br/.

 

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