Pesquisadores ligados a centro de pesquisa em Neuromatemática, apontam que realidade onírica reflete preocupação com novo cotidiano imposto pela doença (foto: Engin Akyurt/Pixabay)

Estudos utilizam a matemática para desvendar a semântica dos sonhos durante a pandemia
12 de janeiro de 2021
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Pesquisadores ligados a centro de pesquisa em Neuromatemática, apontam que realidade onírica reflete preocupação com novo cotidiano imposto pela doença

Estudos utilizam a matemática para desvendar a semântica dos sonhos durante a pandemia

Pesquisadores ligados a centro de pesquisa em Neuromatemática, apontam que realidade onírica reflete preocupação com novo cotidiano imposto pela doença

12 de janeiro de 2021
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Pesquisadores ligados a centro de pesquisa em Neuromatemática, apontam que realidade onírica reflete preocupação com novo cotidiano imposto pela doença (foto: Engin Akyurt/Pixabay)

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – A pandemia da COVID-19 tem causado impacto no comportamento do brasileiro. Sentimentos como medo, apreensão, tristeza e ansiedade são parte do cotidiano de muitas famílias desde que os primeiros casos da doença começaram a ser registrados oficialmente no país, em fevereiro do ano passado.

Toda essa preocupação tem se refletido nos sonhos, que exprimem uma carga maior de sofrimento mental, temor de contaminação e até mesmo repercussões do isolamento social e da falta de contato físico com outras pessoas. Além disso, os sonhos neste período apresentaram maior proporção de termos ligados a "limpeza" e "contaminação" e de palavras relacionadas a "raiva" e "tristeza".

A neurocientista Natália Bezerra Mota, pós-doutoranda no Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), lidera pesquisa que busca medir o impacto da pandemia por meio de estudo dos sonhos. O trabalho foi publicado na revista PLOS ONE, em 30 de novembro.

O estudo faz parte do projeto de pós-doutorado de Mota, supervisionado pelos pesquisadores Sidarta Ribeiro (UFRN) e Mauro Copelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que integram o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (NeuroMat), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP, com sede na Universidade de São Paulo (USP).

Os resultados são consistentes com a hipótese de que os sonhos refletem os desafios de vigília apresentados pela pandemia da COVID-19 e que emoções negativas como raiva e tristeza são mais proeminentes durante o período pandêmico, refletindo uma maior carga emocional a ser processada, afirma o estudo.

Em entrevista à Agência FAPESP, Mota explica que estas conclusões foram corroboradas por outros artigos publicados posteriormente nos Estados Unidos, Alemanha e Finlândia.

A pesquisa brasileira já havia sido divulgada no fim de maio na plataforma medRxiv, em versão preprint, sem a revisão por pares (leia mais aqui agencia.fapesp.br/33380/). “Foi o primeiro estudo sobre o tema a ver empiricamente esses sinais de sofrimento mental e a associação deles com as peculiaridades dos sonhos na pandemia”, completa a neurocientista.

Já Ribeiro destaca que a pesquisa conseguiu documentar a continuidade entre o que o acontece no mundo onírico e na vida mental das pessoas (o sofrimento psíquico). “Isso é interessante do ponto de vista da teoria sobre sonhos. Outro destaque importante do estudo é ter feito isso de maneira quantitativa, usando mecanismos matemáticos para tentar extrair semântica”, afirma o pesquisador.

No trabalho, o grupo usou ferramentas de processamento de linguagem natural para estudar 239 relatos de sonhos de 67 indivíduos, feitos antes dos casos de contaminação pelo SARS-CoV-2 e durante os meses de março e abril, logo após a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado a pandemia de COVID.

Segundo Mota, um estudo multicêntrico, envolvendo USP, UFRN e as universidades federais de Minas Gerais (UFMG), do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Rio de Janeiro (UFRJ), está analisando agora dados coletados por um período maior da pandemia (até julho). O objetivo é avaliar se há impacto nos sonhos dos voluntários provocado por mortes de familiares e pessoas próximas. “A intenção é divulgar rapidamente os resultados, assim que estiverem prontos, para que, a partir desse conhecimento, sejam traçadas estratégias de saúde mental.”

Metodologia

O grupo de pesquisadores brasileiros vinha desenvolvendo e adotando aplicativos e softwares que permitem, por meio da análise do discurso, diagnosticar doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia. Essas ferramentas foram adaptadas para fazer avaliações cognitivas.

Os relatos dos sonhos dos voluntários foram colhidos em áudio por meio de um aplicativo para smartphone. Depois, os pesquisadores utilizaram três ferramentas de computador. A primeira é focada na estrutura do discurso, para comparar a complexidade e conexão da trajetória de palavras usadas na narrativa.

As outras duas se concentram no conteúdo. Uma mede a proporção de palavras inseridas em determinadas classes, como conteúdo sentimental, e as compara a uma lista predefinida para analisar a associação com emoções positivas e negativas. A outra mede a semelhança dos relatos a temas específicos por meio da construção de mapas de similaridade semântica, permitindo avaliar o quanto as palavras estão próximas de termos como “contaminação”, “limpeza”, “doença”, “saúde”, “morte” e “vida”.

“A semelhança significativa com ‘limpeza’ em relatos de sonhos aponta para novas estratégias sociais (por exemplo, uso de máscaras, evitar o contato físico) e novas práticas de higiene (como o uso de desinfetante para as mãos e outros produtos de limpeza) que se tornaram centrais para novas regras sociais e comportamento. Tomados em conjunto, esses achados parecem mostrar que os conteúdos dos sonhos refletem as diferentes fontes de medo e frustração decorrentes do cenário atual”, escrevem os pesquisadores no artigo publicado na PLOS ONE.

Mota destaca que, apesar de ter sido detectado de forma colateral, chama a atenção o maior sofrimento expresso nos sonhos da população feminina. “Há na literatura estudos sobre a diferença de gênero. O público feminino relata maior conteúdo negativo e mais pesadelos. Acho que está ligado à situação histórica do cotidiano das mulheres, em que elas exercem duas, três jornadas, com uma carga mental maior, preocupação com trabalho, casa, filhos. Isso se agravou na pandemia”, avalia a neurocientista.

O estudo Dreaming during the Covid-19 pandemic: Computational assessment of dream reports reveals mental suffering related to fear of contagion está disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0242903#abstract0.

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