Pesquisa comprovou que a maioria das sementes resiste às altas temperaturas, ou seja, à passagem do fogo (foto: Wikimedia Commons)

Estudo testa resistência da vegetação do Cerrado às queimadas
13 de abril de 2016

Pesquisa comprovou que a maioria das sementes resiste às altas temperaturas, ou seja, à passagem do fogo

Estudo testa resistência da vegetação do Cerrado às queimadas

Pesquisa comprovou que a maioria das sementes resiste às altas temperaturas, ou seja, à passagem do fogo

13 de abril de 2016

Pesquisa comprovou que a maioria das sementes resiste às altas temperaturas, ou seja, à passagem do fogo (foto: Wikimedia Commons)

 

Peter Moon  |  Agência FAPESP – O Cerrado é um ecossistema jovem, pelo menos no que diz respeito ao tempo geológico: formou-se nos últimos 10 milhões de anos, impulsionado pela evolução de um tipo especial de plantas que empregam a chamada fotossíntese C4. Diferentemente da fotossíntese C3, adotada pela maioria do reino vegetal, as plantas C4 consomem menos água e são mais resistentes ao calor e à aridez. É o caso de boa parte das gramíneas. Por isso mesmo, elas passaram a dominar as regiões quentes e de grande insolação, como são os casos do Cerrado e da savana africana.

Tais biomas são sujeitos à ocorrência periódica de incêndios naturais, o que teria favorecido plantas que possuíssem adaptações ao fogo, como por exemplo, aquelas cujas sementes possuem maior resistência a altas temperaturas.

Essa hipótese já foi comprovada em estudos feitos com vegetação mediterrânea, na Espanha, na Califórnia e na Austrália. Nesses estudos, a exposição às altas temperaturas e fumaça (produtos do fogo) favoreceu a germinação das sementes das espécies estudadas.

Faltava testar a mesma hipótese com relação à vegetação nativa do Cerrado. Foi o que fez a equipe da bióloga Alessandra Fidelis, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, realizando experimentos com diversas sementes do Cerrado. Ao contrário do que seria esperado, não foram encontradas evidências de que a exposição à fumaça e altas temperaturas favoreça a quebra da dormência e a germinação das sementes do Cerrado. Ao mesmo tempo, o estudo comprovou que a maioria das sementes resiste às altas temperaturas, ou seja, resiste à passagem do fogo.

A pesquisa, que teve apoio da FAPESP, teve resultados publicados em artigo que foi destaque de capa da edição de março da revista Biotropica.  

Na região do Jalapão, em Tocantins, o Cerrado é periodicamente queimado para estimular o crescimento do capim dourado (Syngonanthus nitens), uma gramínea que alimenta o gado e que também tem valor comercial no artesanato local.

“Mas o que mais queima no Cerrado é a vegetação herbácea. Queríamos saber como essa vegetação reagiria ao fogo”, explica Alessandra Fidelis, responsável pelo trabalho. Todas as sementes foram coletadas no Parque Estadual do Jalapão e na Área de Proteção Ambiental do Jalapão, ambos em Tocantins, em dois tipos de Cerrado: o campo úmido e o campo sujo, que é mais seco e menos fértil.

Foram estudadas seis espécies: Chamaecrista sp. (Fabaceae), Hyptis velutina e H. Crenata (Lamiaceae), Vellozia glauca (Velloziaceae), e Abolboda poarchon e Xyris hymenachne (Xyridaceae). Todas essas espécies produzem frutos entre agosto e outubro, de meados ao final da estação seca, quando as queimadas são mais frequentes. “A escolha das lamiáceas foi por indicação da população local, para quem a gente perguntava quais plantas cresciam depois da passagem do fogo.”

“A ideia era verificar se as sementes com tegumento (casca) impermeável poderiam ter a sua dormência quebrada com a passagem do fogo, ou seja, se o calor poderia romper a casca para deixar a água entrar e a semente germinar. E também verificar se as sementes com tegumento permeável seriam estimuladas a germinar pela fumaça”, diz Fidelis.

Todos os experimentos foram realizados em laboratório, sob condições controladas. Foi empregada a mesma sequência de experimentos dos estudos feitos com as sementes de espécies da vegetação mediterrânea.

Para simular o calor da queimada exercido sobre as sementes, foi utilizada uma mufla, estufa especial para altas temperaturas. Em seu interior, as sementes foram expostas a temperaturas de 60°C, 100°C, 150°C e 200°C, por períodos de 1, 3 e 5 minutos. “O fogo no campo atinge temperaturas muito elevadas, de até 400-600°C, mas por apenas alguns segundos. Caso tais temperaturas durassem mais tempo, as sementes não germinariam, pois haveria morte do embrião”, diz Fidelis. “Geralmente, temperaturas entre 100°C e 200°C permanecem por mais tempo. É a exposição a estas temperaturas que tem o potencial de estimular a germinação das sementes.”

Para simular a fumaça, as sementes foram imersas por 24 horas em uma solução aquosa de fumaça e depois elas eram colocadas para germinar. “Nós apelidamos essa solução de ‘chazinho de fumaça’. As sementes foram pesadas antes e depois da experiência. Consideramos que as sementes se tornaram permeáveis ao verificar um aumento de 20% no seu peso após o período de imersão.”

Após a série de experimentos, as sementes foram colocadas em placas de vidro com papel filtro umedecido e incubadas à temperatura de 27°C e 12 horas de luz ao dia. A germinação foi monitorada a cada três dias por um período de 60 dias. “Consideramos que as sementes germinaram quando a radícula e/o cotilédone (a raiz e as folhas embriônicas) emergiram”, explica Fidelis.

“Os estudos anteriores determinaram que as sementes de espécies da vegetação mediterrânea estudadas apresentaram uma porcentagem maior de germinação quando expostas a altas temperaturas e à fumaça”, diz Fidelis. “No entanto, não foi isso o que nós verificamos com as sementes das espécies estudadas.”

Com relação ao estudo da exposição ao calor, a germinação se mostrou mais elevada nos casos das sementes Vellozia glauca e Xyris hymenachne (67% e 76%, respectivamente), enquanto que apenas 36% das sementes de Hyptis velutina conseguiram prosperar. Já as sementes de A. poarchon e Chamaecrista sp., que eram impermeáveis, não tiveram sua dormência quebrada pela exposição a altas temperaturas. Uma grande proporção de sementes de Chamaecrista sp. foi danificada por fungos.

Com relação ao estudo da exposição à fumaça, não foi verificado um aumento na germinação em nenhuma das espécies estudadas. Muito ao contrário, a fumaça reduziu significativamente a germinação da Hyptis velutina e da Xyris hymenachne.

Esses resultados sugerem que, pelo menos quanto às espécies estudadas, a exposição ao fogo não propicia a aceleração da germinação. A constatação mais importante do trabalho foi verificar que, apesar de as seis espécies não terem sido estimuladas pela fumaça e pelas altas temperaturas, a maioria delas resistiu à exposição acima de 100ºC. Esse resultado mostra que grande parte das sementes dessas espécies resiste à passagem do fogo no Cerrado.

O artigo Does Fire Trigger Seed Germination in the Neotropical Savannas? Experimental Tests with Six Cerrado Species (doi:10.1016/j.beproc.2014.09.036), de Betânia Santos Fichino, Julia R. G. Dombroski, Vânia R. Pivello e Alessandra Fidelis, publicado na Biotropica, pode ser lido em: onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/btp.12276/abstract.
 

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