Mayana Zatz (acima, à esquerda, Ester Sabino (abaixo, à esquerda) e Rodrigo Calado participaram do primeiro encontro do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação de 2020, com mediação da jornalista Karina Toledo (imagem: divulgação)
Casais em que só um dos indivíduos manifestou a doença, centenários que não desenvolveram sintomas e casos de infecção em irmãos gêmeos vão ajudar na busca de genes que podem conferir resistência ou maior suscetibilidade ao SARS-CoV-2; pesquisa foi uma das apresentadas durante Ciclo ILP-FAPESP
Casais em que só um dos indivíduos manifestou a doença, centenários que não desenvolveram sintomas e casos de infecção em irmãos gêmeos vão ajudar na busca de genes que podem conferir resistência ou maior suscetibilidade ao SARS-CoV-2; pesquisa foi uma das apresentadas durante Ciclo ILP-FAPESP
Mayana Zatz (acima, à esquerda, Ester Sabino (abaixo, à esquerda) e Rodrigo Calado participaram do primeiro encontro do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação de 2020, com mediação da jornalista Karina Toledo (imagem: divulgação)
André Julião | Agência FAPESP – Resultados preliminares de uma pesquisa em andamento no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) evidenciam a participação de fatores genéticos na determinação da suscetibilidade ou resistência à COVID-19.
Os pesquisadores já coletaram amostras biológicas e informações de oito pares de gêmeos infectados pelo novo coronavírus. No grupo dos irmãos monozigóticos (originados a partir de um mesmo óvulo que se dividiu), quatro dos cinco pares responderam de forma idêntica à doença. Já entre os irmãos dizigóticos (formados a partir de dois óvulos e dois espermatozoides diferentes), os três pares apresentaram respostas diferentes à infecção.
Os dados foram apresentados pela coordenadora do CEGH-CEL, Mayana Zatz, durante o primeiro encontro do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação de 2020. O evento on-line é organizado pela FAPESP e pelo Instituto do Legislativo Paulista e está disponível no endereço https://youtu.be/O6S9RiH6dQk.
“Queremos explicar o caso de pacientes jovens com formas letais da COVID-19 e idosos ‘resistentes’. Resolvemos pesquisar os dois extremos. Jovens que devem ter variantes genéticas de risco e idosos que são assintomáticos ou tiveram poucos sintomas e, portanto, devem ter variantes genéticas de proteção”, disse Zatz durante sua apresentação.
Vinculado ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), o CEGH-CEL é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
Os primeiros casos que chamaram a atenção do grupo de Zatz foram de casais em que o homem teve a forma grave da COVID-19 e a mulher testou negativo para o vírus. Um dos voluntários, de 72 anos, chegou a ficar duas semanas internado na UTI. “A esposa e a mãe, de 98 anos [que vive com o casal], não tiveram absolutamente nada”, disse.
O grupo já recebeu mais de 800 e-mails de pessoas que querem participar do estudo. Dessas, 300 tiveram recolhidas amostras biológicas e formulários epidemiológicos preenchidos, com exames anexados. Há 85 casos de casais chamados discordantes, em que um foi afetado pela doença e o outro não. A pesquisa tem ainda dados de 30 adultos com menos de 60 anos, incluindo crianças, que morreram por COVID-19. As mulheres compõem 70% dos assintomáticos na pesquisa, um dado compatível com estudos internacionais que vêm mostrando a maior suscetibilidade dos homens à doença.
Além disso, seis centenárias que foram expostas ao vírus tiveram material coletado: uma com 104, outra com 106 e três com 100 anos. A de 104 mora com a filha e a neta, que tiveram COVID-19, mas ela mesma não teve nenhum sintoma, apesar do histórico de internações, como a retirada de um rim em 1967, cirurgias de esôfago e bexiga nos anos 1980 e sessões de hemodiálise, realizadas entre 2005 e 2014.
“A partir das amostras coletadas pretendemos estabelecer diferentes linhagens celulares para estudos funcionais, principalmente dos centenários curados e dos indivíduos assintomáticos. A ideia é verificar como essas células se comportam na presença do vírus e tentar entender por que são resistentes. Essa será uma resposta muito importante para entendermos a doença”, disse a pesquisadora.
Sequenciamento em tempo recorde
Além de Zatz, participaram do evento Ester Sabino, professora da Faculdade de Medicina e pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical, ambos da USP, e Rodrigo Calado, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e pesquisador do CEPID-FAPESP Centro de Terapia Celular (CTC).
Sabino mostrou como seu grupo realizou o sequenciamento em 48 horas do novo coronavírus, assim que o primeiro caso foi detectado em São Paulo, em fevereiro (leia mais em: agencia.fapesp.br/32637/).
“É importante ressaltar o caminho que fazemos para chegar em uma pesquisa e como esse sequenciamento do coronavírus pôde ser feito num curto espaço de tempo. Pesquisa é algo que demora. Eu diria que essa começa em 2012, quando tentávamos entender qual o risco de transmissão de dengue pelo sangue”, disse Sabino durante a apresentação.
A experiência estudando o vírus da dengue levou a equipe a trabalhar com um grupo da Universidade de Oxford (no Reino Unido) para estudar o vírus da zika. Hoje, ao lado de Nuno Faria, da universidade britânica, Sabino coordena o Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE). O projeto, apoiado por FAPESP, Medical Research Council e Fundo Newton (os dois últimos do Reino Unido), tem como objetivo estudar em tempo real epidemias de arboviroses, como dengue e zika. A infraestrutura existente foi essencial para o rápido sequenciamento do SARS-CoV-2.
A parte britânica da equipe começou a desenvolver tecnologia para sequenciar o novo coronavírus assim que começaram os casos na Europa. Por isso, o laboratório de Sabino já tinha tudo pronto para fazer o sequenciamento quando houve o primeiro caso no Brasil.
“É importante estarmos organizados para controlar uma epidemia. Isso passa por ter equipes multidisciplinares, com o apoio de grupos de pesquisa bem estruturados”, encerrou a pesquisadora.
Reprogramação de células
Calado relatou como a equipe do CTC realizou pela primeira vez na América Latina a terapia de células CAR-T. O tratamento é feito com células reprogramadas do próprio paciente (leia mais em agencia.fapesp.br/31656/).
“O segredo da terapia com células CAR-T vem de uma junção das formas como funcionam os nossos linfócitos. Temos dois tipos, os linfócitos T e os linfócitos B. Estes últimos produzem os anticorpos que reconhecem uma série de moléculas no nosso corpo e matam diretamente o alvo. Por outro lado, os linfócitos T reconhecem células com antígenos, ou moléculas específicas, e eles matam as células que possuem esses antígenos”, explicou o pesquisador.
Os pesquisadores coletam o sangue de um indivíduo que tem câncer, separam os linfócitos T e os modificam geneticamente para que eles apresentem uma molécula que tem uma parte do anticorpo na superfície e uma que reconhece uma proteína específica da célula do câncer, a NHC.
“Esses linfócitos são multiplicados numa quantidade muito elevada e então são injetados de volta no paciente. No primeiro caso, 30 dias depois de iniciado o tratamento, o paciente teve uma remissão quase total do câncer”, disse.
Calado ressaltou que um passo importante foi o estabelecimento da tecnologia no Brasil, a um custo equivalente a 10% do que é oferecido pela indústria farmacêutica no exterior. Além disso, a plataforma estabelecida no CTC proporciona desenvolver tratamentos para outros tipos de tumor mais prevalentes no Brasil.
Para assistir ao seminário na íntegra, basta acessar: https://youtu.be/O6S9RiH6dQk.
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