Conceito aristotélico de anagnórisis serve como eixo de livro lançado por professora de literatura da USP

Estudo investiga o "reconhecimento" na poesia grega
09 de janeiro de 2013

Conceito aristotélico de anagnórisis serve como eixo de livro lançado por professora de literatura da USP

Estudo investiga o "reconhecimento" na poesia grega

Conceito aristotélico de anagnórisis serve como eixo de livro lançado por professora de literatura da USP

09 de janeiro de 2013

Conceito aristotélico de anagnórisis serve como eixo de livro lançado por professora de literatura da USP

 

Por José Tadeu Arantes

Agência FAPESP – O reconhecimento e o autorreconhecimento, isto é, a descoberta da identidade, do outro ou de si mesmo, são temas recorrentes na mitologia, no folclore e na literatura – tão antigos quanto os primeiros épicos e tão atuais quanto as mais recentes produções televisivas.

Já no Mahabharata, a milenar epopeia indiana, que descreve a grande guerra entre os Pandavas e os Kauravas – duas famílias principescas unidas pelos laços de sangue, mas antagonizadas pela conduta moral –, um dos personagens centrais luta a guerra toda do lado errado por desconhecer sua verdadeira identidade, que só lhe é revelada tardiamente.

O livro Cenas de reconhecimento na poesia grega, lançado recentemente por Adriane da Silva Duarte, professora de língua e literatura grega na Universidade de São Paulo, é todo dedicado às cenas de reconhecimento na poesia grega, arcaica e clássica. A obra teve apoio da FAPESP para publicação.

Originalmente uma tese de livre-docência, o livro tem por eixo o conceito de anagnórisis (reconhecimento), tal como foi definido na Poética de Aristóteles. E, ao lado da leitura teórica do texto aristotélico e de seus principais comentadores, investiga as antológicas cenas de reconhecimento que aparecem nos grandes épicos de Homero – Ilíada e Odisseia –, nas tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, e nas comédias de Aristófanes e Menandro.

“Além de ser um recurso estruturador da narrativa, capaz de promover o desenlace de um conflito e dotado de grande apelo emocional, sua vasta presença, igualmente atestada nos mitos, sugere que o reconhecimento seja antes uma resposta às inquietações do homem acerca de sua origem e de sua identidade”, escreveu a autora.

Por certo o caso mais famoso de reconhecimento na tragédia grega, magistralmente explorado por Sófocles, é o de Édipo, o príncipe de Tebas, que, por ignorar sua verdadeira identidade, mata o pai, Laio, e se casa com a mãe, Jocasta, com quem tem quatro filhos. Ao reconhecer como pai o homem que matou e como mãe a mulher que desposou, Édipo fura os próprios olhos – “para não ter que contemplar as consequências de ser quem é”, explicou Duarte.

A trama, como se sabe, impressionou profundamente Freud (1856-1939), que fez do chamado “Complexo de Édipo”, que considerou universal, o mecanismo fundamental da psicanálise.

A recorrência do tema

“Enquanto elemento de poética, a anagnórisis tem uma longa história, alcançando os nossos dias, e manifestando-se na literatura, no cinema e em outras formas culturais”, disse Duarte.

No livro, ela menciona o fato de o termo “reconhecimento” ser hoje de uso corrente no universo jurídico, quando se fala em “reconhecimento de uma prova”, “reconhecimento de um cadáver” ou “reconhecimento da paternidade”.

Mas seu estudo concentra o foco, criteriosamente, na poesia grega. “Procurei explorar o conceito a partir da perspectiva aristotélica, que restringe o reconhecimento à identificação entre indivíduos. Exclui da análise, portanto, os casos em que um personagem reconhece um erro ou uma verdade – embora Édipo, além de reconhecer que Jocasta é sua mãe, toma consciência de quem de fato é”, disse Duarte.

E por que um tema tão antigo, ambientado em sociedades em tudo diferentes da atual, continua reverberando intensamente no mundo contemporâneo? “Entendo a permanência do motivo como uma resposta à nossa necessidade de saber quem somos e, assim, orientarmos nosso comportamento em sociedade”, disse.

“Hoje, a ideia do auto(re)conhecimento tem um apelo muito forte por conta do impacto da psicanálise. Pressupõe-se que o indivíduo nunca é passível de reconhecimento pleno, nem pelos outros, nem por si próprio, havendo camadas ocultas da psique que eclodirão um dia. É o mito do Dr. Jekyll e Mr. Hyde, o médico e o monstro. Assim, se na Antiguidade o reconhecimento estava mais em função do outro (e da relação que estabelecemos com ele), hoje ele se centra mais no eu”, destacou a autora.

 

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