Foram documentadas 46 espécies de plantas na Amazônia, 18 com propriedades antimaláricas comprovadas pela ciência e 26 ainda desconhecidas (foto: Cipó pacarão (Abuta grisebachii), com casca amarela e amarga, é usado no tratamento da malária )

Estudo identifica novos remédios da tradição indígena no tratamento da malária
04 de março de 2016

Foram documentadas 46 espécies de plantas na Amazônia, 18 com propriedades antimaláricas comprovadas pela ciência e 26 ainda desconhecidas

Estudo identifica novos remédios da tradição indígena no tratamento da malária

Foram documentadas 46 espécies de plantas na Amazônia, 18 com propriedades antimaláricas comprovadas pela ciência e 26 ainda desconhecidas

04 de março de 2016

Foram documentadas 46 espécies de plantas na Amazônia, 18 com propriedades antimaláricas comprovadas pela ciência e 26 ainda desconhecidas (foto: Cipó pacarão (Abuta grisebachii), com casca amarela e amarga, é usado no tratamento da malária )

 

Peter Moon  |  Agência FAPESP – A malária é um problema de saúde muito sério no Brasil. A doença, que por décadas esteve circunscrita à região amazônica, começa a avançar em direção das demais regiões do país. Entre 2007 e 2014, foram registrados 6.092 casos de malária fora da região amazônica, sendo 90% dos casos importados de pacientes que passaram pela Amazônia e 10% de casos autóctones com transmissão local (Leia mais em agencia.fapesp.br/22396/).

Muito embora os levantamentos mais recentes apontem queda na incidência de novos casos de malária fora da região amazônica, o combate à proliferação do mosquito transmissor deve andar pari passu na busca de novos medicamentos e tratamentos. Daí a importância da pesquisa desenvolvida pela etnobotânica Carolina Weber Kffuri, pós-doutoranda no Departamento de Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, com supervisão de Lin Chau Ming. O trabalho, que teve apoio da FAPESP, foi publicado no Journal of Ethnopharmacology.

Carolina Kffuri passou um ano e meio na região do alto rio Negro, no Amazonas, entre 2010 e 2012, período em que conviveu com moradores e indígenas da região. Essa convivência permitiu que ela conhecesse a realidade da malária no local, assim como as plantas da região usadas pela medicina tradicional no tratamento da doença. Ela documentou o uso de 46 espécies de plantas, das quais apenas 18 já tinham sido estudadas por suas propriedades antimaláricas; 26 delas eram desconhecidas da ciência. Seus efeitos no combate da doença nunca foram investigados. São 26 espécies com potencial para o desenvolvimento de novas drogas e que ninguém nunca tinha ouvido falar – exceto os índios.

A pesquisadora iniciou seu trabalho com uma viagem a São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Estado do Amazonas, para apresentar o projeto às comunidades indígenas. De acordo com Carolina Kffuri, os líderes das comunidades entenderam e aceitaram participar do projeto. Ela planejara começar o estudo em poucos meses, mas foi preciso aguardar que o projeto fosse aprovado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN).

Por fim, em setembro de 2013, a pesquisa de campo deslanchou com cinco comunidades indígenas: Cunuri e Tapira Ponta, ambas no rio Uaupés, um afluente do rio Negro; Ilha das Flores, na confluência do Uaupés com o Negro; São Jorge, no rio Curicuriari, outro afluente do Negro; e a comunidade Curicuriari, na confluência do Curicuriari com o Negro. As comunidades são multiétnicas: Tukano, Desano, Baré, Tariano, Piratapuia, Arapaço, Baníua (Baniwa), Hupda, Curripaco e Bará.

Foram entrevistados, ao todo, 89 índios, 49 homens e 40 mulheres, cujas idades variavam dos 22 até os 74 anos. A todos ela indagou, por exemplo, “quais plantas você usa para tratar malária e quais você conhece ou ouviu falar?”. A maioria dos entrevistados respondeu em português, espanhol e em outros dez idiomas nativos.

As respostas permitiram identificar as plantas usadas no tratamento da malária, as formas de preparo e a posologia. Carolina Kffuri descobriu onde aquelas 46 plantas crescem e quais partes são usadas como remédio. Em todo o trabalho, a pesquisadora contou com a ajuda de Moisés Ahkáutó Lopes, um estudante da etnia tukano da comunidade Cunuri, nas entrevistas, na coleta do material e na tradução e transcrição dos nomes na língua Tukano.

Remédio amargo

Entre as 46 plantas utilizadas pelos índios contra a malária, “a maioria era composta por árvores grandes e raízes, principalmente de herbáceas”, diz Carolina Kffuri. Das árvores geralmente se retira a casca, mas também são usados raízes, folhas, frutos, a planta inteira, caules e sementes. O preparo dos remédios envolve cozimento de cascas, fervura de chás, maceramento de folhas e sementes e queima de plantas até obter cinzas utilizadas in natura em banhos de vapor. Pelo menos em um caso as plantas são administradas na forma de enemas.

“A dose normal é de um copo, três vezes ao dia, de manhã, ao meio-dia e à tarde”, diz a pesquisadora. “As plantas usadas para banho são tóxicas. Neste caso, a dose é de uma colher na água do banho, duas vezes por dia. Utilizam também um cipó muito amarelo, que é uma das características das plantas usadas contra a malária; a outra é o amargor. São remédios muito amargos.”

De acordo com a pesquisadora, “os índios estão deixando de usar os remédios tradicionais. Eles começam a preferir o remédio industrializado dos brancos. São drogas cuja ação é mais rápida, mas, segundo os entrevistados, têm mais efeitos colaterais”.

As 46 plantas documentadas na pesquisa crescem em vários ambientes: perto das casas, dentro da floresta, em terra firme ou em igapós, e em terrenos baixos, próximos aos rios e frequentemente inundados. Apenas uma espécie é endêmica da região, a tachia , ou canela-de-veado.

Segundo Carolina Kffuri, 26 espécies jamais tinham sido estudadas em laboratório. “ Não conseguimos determinar a espécie de outras duas. São do gênero Swartzia e Piper. Não há nenhum registro publicado. Provavelmente são espécies novas”, revela.

De todas as plantas citadas, sete tiveram um alto consenso de uso contra a malária, a saber: carapanaúba (Aspidosperma schultesii), saracura-mirá (Ampelozizyphus amazonicus), açaí-da-catinga (Euterpe catinga), açaí-do-mato (E. Precatoria), camapu (Physalis angulata); acuti-cabari ou cabari-de-cotia (Swartzia argentea) e o coco-da-bahia (Cocos nucifera).

Cinco delas já eram conhecidas da ciência por suas propriedades antimaláricas. Até a publicação da pesquisa nada se conhecia sobre a ação antimalárica do açaí-da-catinga e do cabari-de-cotia.

Uma questão suscitada pelas respostas dos índios intrigou a pesquisadora: eles dizem que alguns remédios não servem para todas as pessoas. Depende do sangue, dizem os índios. “Teria isto a ver com o tipo sanguíneo do doente?”, indaga Carolina Kffuri.

Cabe aos bioquímicos, farmacologistas e à indústria farmacêutica a tarefa de verificar se as plantas têm de fato emprego no combate à malária e se é possível extrair delas princípios ativos que resultem em novos medicamentos. Quanto à pesquisadora, ela pretende retornar à Amazônia com um novo projeto: identificar quais são as plantas da floresta usadas na alimentação tradicional das comunidades indígenas. A permissão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que autoriza o acesso ao conhecimento tradicional indígena, já foi aprovada.

O artigo de Carolina Kffuri, Moisés Ahkáutó Lopes e outros, Antimalarial plants used by indigenous people of the Upper Rio Negro in Amazonas, Brazil, publicado no Journal of Ethnopharmacology, pode ser acessado no endereço www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378874115302506.
 

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.