Pesquisa analisou estrutura, diversidade e composição de plantas em 14 áreas remanescentes do Cerrado de cinco Estados brasileiros (foto: acervo pessoal de Bruna Helena de Campos)

Conservação
Estudo aponta indicadores para guiar projetos de restauração ecológica de campos naturais e savanas
07 de abril de 2025

Trabalho conduzido por cientistas do Instituto de Pesquisas Ambientais e da Unicamp pode aumentar a taxa de sucesso de projetos voltados à recuperação de ecossistemas abertos degradados ao suprir parte da falta de conhecimento científico sobre o tema

Conservação
Estudo aponta indicadores para guiar projetos de restauração ecológica de campos naturais e savanas

Trabalho conduzido por cientistas do Instituto de Pesquisas Ambientais e da Unicamp pode aumentar a taxa de sucesso de projetos voltados à recuperação de ecossistemas abertos degradados ao suprir parte da falta de conhecimento científico sobre o tema

07 de abril de 2025

Pesquisa analisou estrutura, diversidade e composição de plantas em 14 áreas remanescentes do Cerrado de cinco Estados brasileiros (foto: acervo pessoal de Bruna Helena de Campos)

 

Beatriz Ortiz | Agência FAPESP* – Estudo publicado na revista científica Restoration Ecology apontou os melhores indicadores e definiu valores de referência para guiar projetos de restauração ecológica de campos naturais e savanas.

A restauração ecológica é o processo de recuperar um ecossistema danificado ou degradado, buscando restaurar as suas funções ecológicas e a biodiversidade perdida ao longo do tempo. Como ainda há pouco conhecimento consolidado sobre a restauração de ecossistemas abertos, como campos naturais e savanas, o estudo busca suprir essa lacuna ao possibilitar a avaliação segura do sucesso de projetos relacionados a esses ambientes.

Os resultados da pesquisa, conduzida por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), foram obtidos a partir da análise da estrutura, diversidade e composição de plantas em 14 áreas remanescentes do Cerrado nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás, com diferentes condições de clima, solo e ocorrência de fogo. Entre os fatores analisados, estavam a composição da comunidade de plantas, a riqueza, a cobertura do solo e a biomassa acima do solo. Por nunca terem sido perturbados, os campos estudados servem como ecossistemas de referência na elaboração de projetos de restauração de áreas degradadas.

“Com a definição de um ecossistema de referência, é possível visualizar como era aquele que foi degradado, quão longe está o ambiente degradado do íntegro e se o processo de restauração está diminuindo essa distância”, explica a primeira autora do artigo, Bruna Helena de Campos. “Além disso, ao conhecer a ampla lista de espécies e a estrutura dos campos naturais, é possível, por exemplo, evitar o plantio de um conjunto ‘errado’ de espécies, prevenir a classificação errônea de um campo íntegro como pastagem e antecipar se a área em restauração está sendo invadida por alguma espécie exótica para, se for o caso, tomar as providências necessárias.”

O estudo também visou suprir parte da falta de conhecimento científico sobre ecossistemas abertos. O artigo salienta que, embora todos os biomas enfrentem as mudanças ambientais causadas por seres humanos, campos e savanas têm sido historicamente negligenciados em estratégias de conservação e restauração. Eles estão entre os ecossistemas mais ameaçados do Brasil: só em 2023, foram mais de 1,1 milhão de hectares perdidos, de acordo com a rede MapBiomas. Além disso, encaram desafios como a ausência de protocolos estabelecidos e avaliações sistematizadas das técnicas empregadas na restauração, o que leva a falhas prejudiciais ao ambiente.

Principais resultados

A pesquisa concluiu que estabelecer metas realistas de restauração para ecossistemas abertos é particularmente desafiador devido à heterogeneidade inerente da vegetação e à escassez de estudos padronizados que cubram áreas grandes e diversas. Então, embora a definição de um ecossistema de referência seja necessária para conduzir um projeto de restauração, alcançar todos os valores ideais simplesmente não é viável. “Campos naturais e savanas são tão variáveis entre si que o ecossistema de referência é, na verdade, descrito pela amplitude de variação em que cabem os diferentes campos. Assim, se um campo restaurado estiver dentro dessa amplitude, estará adequado”, explica a engenheira florestal e coautora do artigo, Giselda Durigan.

Além disso, existem alguns indicadores mais confiáveis para avaliar o sucesso de um projeto de restauração e outros, menos. Isso significa que parte pode falhar em capturar a complexidade dos processos ecossistêmicos ou não responder de forma previsível ao tempo e às alterações ambientais, devendo ser considerada pelos cientistas de forma restrita. Esse é o caso de indicadores como a composição florística, a riqueza total por hectare e a biomassa aérea, composta por galhos e folhas acima do solo. Já os indicadores mais confiáveis são a proporção da forma de crescimento, a riqueza por metro quadrado e a riqueza ao nível do local – a cada 30 metros quadrados.

“Ter os valores de referência não significa que eles serão atingidos ou que os indicadores são bons para saber se o ecossistema foi restaurado ou não”, explica Campos. “Um exemplo é a biomassa aérea. Seu valor de referência pode ser alcançado rapidamente, mas ela não é um bom indicador no caso de ecossistemas com ocorrência de fogo, como os campos do Cerrado. Como o fogo consome toda a biomassa, se a amostragem for feita logo depois de uma queimada, por exemplo, haverá pouca biomassa. Isso não significa que o ambiente não foi restaurado, apenas que ele ainda não se recuperou completamente do distúrbio, podendo levar de seis meses a um ano para atingir níveis encontrados antes.” Ou seja, esse indicador pode levar a interpretações equivocadas.

Existe também uma limitação em relação ao uso da lista de espécies para restauração: muitas espécies foram encontradas em apenas um sítio de amostragem, evidenciando como a distribuição delas é restrita. Assim, é difícil ter uma lista de espécies que sirva para restaurar todas as áreas de Cerrado. Não existindo uma “receita de bolo” com um pacote fixo de espécies a plantar, a restauração estará adequada desde que se plantem espécies entre as centenas que ocorrem nos campos naturais de cada região, respeitando as proporções entre as formas de vida.

As cientistas também averiguaram, entre outros resultados, que um campo restaurado precisa ter cerca de 20% de solo exposto, enquanto os outros 80% devem ser cobertos por uma mistura de plantas nativas formada por capins, ervas, arbustos e subarbustos capazes de rebrotar se forem queimados; que a cobertura de copas de árvores e a biomassa de um campo restaurado não podem ultrapassar os limites máximos observados nos campos naturais de referência (20% do terreno e 715g/m2, respectivamente); e que o número de espécies em um metro quadrado de campo natural fica entre 9 e 22, mas esta diversidade é tão elevada que igualar a referência para este indicador ainda é uma meta inatingível no estágio atual da restauração dos campos do Cerrado.

Restaurar para conservar e conservar para não precisar restaurar

Os campos naturais e as savanas estão sob uma série de ameaças, como a conversão de terras, as mudanças climáticas, a supressão do fogo – que leva ao adensamento lenhoso – e a invasão de espécies exóticas. Mas, uma das mais perigosas, segundo o artigo, é a falta de conhecimento sobre a estrutura, biodiversidade, funcionamento e serviços desses ecossistemas, que leva a erros crassos em projetos de restauração. Entre os mais comuns estão o plantio de árvores onde elas não deveriam existir, as ações baseadas em carbono (sendo que nesses ecossistemas o carbono está abaixo da superfície), o plantio de espécies ruderais ou exóticas e o mapeamento errôneo de campos naturais como se fossem áreas de florestas degradadas.

Erros como os mencionados podem ser evitados diante do estabelecimento de valores de referência e indicadores apontados no artigo, que expande o conhecimento sobre os ecossistemas abertos e suas formas de restauração. O estudo também desempenha papel crucial na formulação e na implementação de políticas públicas voltadas à restauração ecológica e à conservação do Cerrado. “Os indicadores fornecem a base científica e técnica para orientar decisões, garantir a eficácia de projetos de restauração, monitorar a evolução dos plantios restaurados e verificar se a sustentabilidade ambiental foi atingida”, pontua Campos.

As cientistas acrescentam que, mesmo com os indicadores e valores de referência dando suporte a projetos de restauração, ainda é melhor conservar os ecossistemas campestres do que restaurá-los. Assim, a prioridade deve ser conservar os campos naturais remanescentes em vez de permitir sua conversão para agricultura, pastagem exótica ou silvicultura.

“Os esforços de restauração, embora extensivos, não podem recuperar todos os atributos ecológicos e a complexidade de ecossistemas que nunca foram perturbados. Essa abordagem reforça a necessidade de estratégias de conservação que garantam a proteção desses ecossistemas, únicos em sua biodiversidade e funções ecológicas”, conclui o artigo.

Campos é bolsista de pós-doutorado no IPA, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente e Logística do Governo do Estado de São Paulo (Semil-SP); Natashi Pilon, outra coautora do estudo, é docente do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp; e Durigan é pesquisadora do IPA. Esta pesquisa está relacionada com a tese de doutorado de Campos, desenvolvida no Instituto de Biologia da Unicamp com orientação de Durigan e Pilon. Todas as cientistas fazem parte da equipe do Biota Campos, Projeto Temático financiado pela FAPESP que visa ampliar conhecimentos sobre a biodiversidade dos campos naturais de São Paulo e estados vizinhos e dar o embasamento científico necessário para sua conservação.

O artigo What to expect from restored Cerrado grasslands? Indicators and reference values from pristine ecosystems pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/rec.70010.

* Beatriz Ortiz é bolsista de Jornalismo Científico da FAPESP vinculada ao Projeto Biota Campos.
 

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