Grupo do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina da USP descreve pela primeira vez a reprogramação metabólica e outras alterações cardíacas que surgem no contexto da doença renal policística autossômica dominante. Resultados possibilitam a busca de intervenções terapêuticas (imagem: Redoxoma/divulgação)

Estudo ajuda a entender como portadores de doença renal hereditária desenvolvem disfunção cardíaca
24 de março de 2022

Grupo do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina da USP descreve pela primeira vez a reprogramação metabólica e outras alterações cardíacas que surgem no contexto da doença renal policística autossômica dominante. Resultados possibilitam a busca de intervenções terapêuticas

Estudo ajuda a entender como portadores de doença renal hereditária desenvolvem disfunção cardíaca

Grupo do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina da USP descreve pela primeira vez a reprogramação metabólica e outras alterações cardíacas que surgem no contexto da doença renal policística autossômica dominante. Resultados possibilitam a busca de intervenções terapêuticas

24 de março de 2022

Grupo do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina da USP descreve pela primeira vez a reprogramação metabólica e outras alterações cardíacas que surgem no contexto da doença renal policística autossômica dominante. Resultados possibilitam a busca de intervenções terapêuticas (imagem: Redoxoma/divulgação)

 

Agência FAPESP* – Estudo conduzido no Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) da Universidade de São Paulo (USP) ajuda a entender como uma condição hereditária que afeta os rins – a doença renal policística autossômica dominante (DRPAD) – pode levar ao desenvolvimento de disfunção cardíaca, hoje considerada a principal causa de morte nesses pacientes.

Em artigo publicado na revista Biochimica et Biophysica Acta (BBA) - Molecular Basis of Disease, os cientistas descreveram pela primeira vez a reprogramação metabólica que ocorre no coração e as anormalidades mitocondriais (que afetam a organela celular responsável pela produção de energia) que surgem no contexto da DRPAD. Embora o estudo tenha sido feito em um modelo animal, várias das alterações observadas podem potencialmente ser aplicáveis à doença humana.

Como explicam os autores, a DRPAD é uma enfermidade sistêmica que leva à formação de cistos renais múltiplos e bilaterais e à perda progressiva da função renal, além de apresentar manifestações extrarrenais, como alterações cardiovasculares. Segundo estimativas, a doença acomete uma em cada mil pessoas. Na grande maioria dos casos, é causada por mutações no gene Pkd1, que codifica a proteína policistina-1, ou no gene Pkd2, que codifica a policistina-2. Nas últimas décadas, muitos estudos foram direcionados ao entendimento dos mecanismos moleculares envolvidos na formação dos cistos renais no contexto da DRPAD. E os defeitos metabólicos ganharam destaque nos últimos anos. No entanto, os mecanismos moleculares envolvidos na disfunção cardíaca associada à DRPAD ainda são desconhecidos.

“Este trabalho pioneiro propõe que alterações metabólicas estão envolvidas na disfunção cardíaca associada à deficiência funcional de policistina-1, revelando aspectos comuns e diferentes dos descritos para rins císticos de modelos animais no gene ortólogo ao Pkd1 [o gene correspondente no modelo animal]. É um estudo inicial, que abre a possibilidade de propor intervenções terapêuticas. Antigamente, pessoas com essa doença morriam de insuficiência renal, mas agora, com diálise e transplante renal, a maior parte das mortes é por alterações cardiovasculares”, conta Andressa Godoy Amaral, primeira autora do artigo.

Amaral realizou a pesquisa durante seu doutorado, sob a supervisão do professor Luiz Fernando Onuchic, responsável pelo Laboratório de Nefrologia Celular, Genética e Molecular da Faculdade de Medicina da USP.

O trabalho contou com a colaboração das pesquisadoras Alicia Kowaltowski e Sayuri Miyamoto, ambas do Instituto de Química da USP e do Redoxoma, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP. Estudos de metabolômica foram realizados no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas.

O grupo de Miyamoto foi responsável pela análise lipidômica (do perfil de lipídios) do tecido cardíaco. Os dados obtidos, segundo a pesquisadora, serviram para demonstrar o extenso remodelamento lipídico que ocorre no coração. Também serviram como base para a geração de hipóteses sobre as vias de metabolismo lipídico desreguladas.

Reprogramação metabólica

O coração é um órgão metabolicamente muito ativo, no qual as mitocôndrias respondem por 25% a 30% do volume dos cardiomiócitos, as células musculares cardíacas, explica Amaral. E a maior parte da energia usada pelo coração vem da oxidação de ácidos graxos, ou seja, o coração usa principalmente gordura para obter energia. Mas isso só acontece após o nascimento, quando a disponibilidade de oxigênio é maior. O coração fetal usa predominantemente a glicose como substrato para a produção de ATP (trifosfato de adenosina, a molécula usada como combustível pelas células).

“Uma característica comum a várias disfunções cardíacas é essa ‘desdiferenciação’ para o fenótipo fetal. Ou seja, o coração volta a preferir substratos alternativos em vez do ácido graxo. E nós vimos exatamente isso neste trabalho, uma reprogramação metabólica do coração”, conta Amaral.

Para analisar o impacto da policistina-1 no metabolismo cardíaco, os pesquisadores usaram camundongos denominados Pkd1V/V, que são incapazes de clivar (quebrar) essa proteína no sítio GPS e apresentam rins intensamente císticos e disfunção cardíaca precoce. “Essa proteína é grande e complexa e depende de uma clivagem no sítio GPS para amadurecer e migrar para os locais onde ela vai atuar”, explicou Amaral.

O estudo mostrou que os corações Pkd1V/V apresentaram níveis mais baixos de glicose e de aminoácidos, bem como níveis mais elevados de lipídios do que os órgãos de animais do grupo controle. Essa observação sugeriu diminuição da beta-oxidação de ácidos graxos em corações Pkd1V/V, o que foi confirmado pelo menor consumo de oxigênio pelas mitocôndrias na presença de ácido graxo. Além disso, apresentavam maior densidade de mitocôndrias de tamanho reduzido e aumento de apoptose (morte celular programada) e inflamação. Contudo, os corações desses animais não estavam hipertrofiados.

Foram analisados tecidos e mitocôndrias do coração de animais com 15 dias de vida, idade em que camundongos Pkd1V/V apresentam tanto disfunção cardíaca quanto cistos renais. De forma complementar, algumas análises foram realizadas em cardiomiócitos isolados de neonatos (0 a 3 dias de vida), idade em que não há a presença de cistos renais, para avaliar alterações cardíacas certamente independentes do fenótipo renal. As comparações foram feitas entre animais Pkd1V/V e controles selvagens e confirmaram reordenamento metabólico.

Segundo os autores do artigo, esse estudo liga a clivagem da policistina-1 ao desenvolvimento do coração e à manutenção da homeostase metabólica cardíaca. Pode ser considerado, portanto, um marco conceitual na elucidação da patogênese da disfunção cardíaca associada à deficiência funcional dessa proteína.

O artigo Disruption of polycystin-1 cleavage leads to cardiac metabolic rewiring in mice pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0925443922000345?via%3Dihub.

* Com informações da Assessoria de Comunicação do Redoxoma .

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