Pesquisadores brasileiros descrevem parte do repertório que o vírus respiratório sincicial, principal causa de infecção respiratória grave em crianças, usa para resistir ao sistema imunológico (ilust: divulgação)

Estratégia de defesa
15 de janeiro de 2009

Pesquisadores brasileiros descrevem parte do repertório que o vírus respiratório sincicial, principal causa de infecção respiratória grave em crianças, usa para resistir ao sistema imunológico

Estratégia de defesa

Pesquisadores brasileiros descrevem parte do repertório que o vírus respiratório sincicial, principal causa de infecção respiratória grave em crianças, usa para resistir ao sistema imunológico

15 de janeiro de 2009

Pesquisadores brasileiros descrevem parte do repertório que o vírus respiratório sincicial, principal causa de infecção respiratória grave em crianças, usa para resistir ao sistema imunológico (ilust: divulgação)

 

Por Thiago Romero

Agência FAPESP – Parte do repertório de escape imune – usado para resistir ao sistema imunológico – do vírus respiratório sincicial (VRS) humano, uma das principais causas de infecção respiratória grave em crianças em todo o mundo e um importante agente de infecção respiratória aguda em idosos, foi definido no estudo populacional de maior envergadura já realizado com VRS por pesquisadores da Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN) e descrito em artigo publicado na PLoS Pathogens.

Os cientistas da VGDN, Programa de Pesquisa para Inovação Tecnológica lançado em 2000 pela FAPESP, sequenciaram a segunda região variável (G2) da glicoproteína G do vírus de 568 pacientes, boa parte atendida no Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo (USP), durante 11 temporadas, de 1995 a 2005.

O VRS é também considerado a principal causa de bronquiolite (doença que se caracteriza por inflamação nos bronquíolos) e de hospitalização de crianças menores de 5 anos de idade com sintomas de doença respiratória.

Foram utilizadas 3.496 amostras respiratórias, após os pesquisadores terem obtido consentimento dos pais ou responsáveis pelas crianças cadastradas para participar do estudo em diferentes cidades no Estado de São Paulo.

“Não existe até o momento vacina eficiente contra o vírus respiratório sincicial humano, que gera mutantes de escape por se evadir dos anticorpos que deveriam se ligar às proteínas da superfície do vírus. Esses mutantes não são atacados pelo sistema imune e conseguem proliferar até haver suficiente imunidade populacional, causando uma nova mudança no vírus”, disse Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e um dos coordenadores gerais da VGDN, à Agência FAPESP.

“O trabalho acompanhou a evolução do vírus respiratório sincicial humano durante dez anos, o suficiente para descobrirmos o mecanismo de ‘flip-flop’”, contou. Segundo Zanotto, o mecanismo de “flip-flop” é a variação reversível e sucessiva em epitopos do vírus quando este é atacado pela imunidade humana. O epitopo (região da proteína viral reconhecida por anticorpos humanos) muda os resíduos apresentados aos anticorpos, possibilitando o escape e a proliferação do vírus.

“O processo acontece ao longo do tempo no nível populacional quando, por exemplo, uma serina muda para fenilalanina sob forte pressão seletiva e, alguns anos depois, reverte para a serina novamente na maioria dos vírus circulantes”, explicou.

A serina e a fenilalanina são aminoácidos codificados pelo código genético, sendo, portanto, componentes das proteínas dos seres vivos. “Escape imune significa que o vírus apresenta um mutante que o sistema imunológico humano não consegue detectar.”

Com os estudos filogenéticos para detectar e mapear os locais sujeitos à evolução adaptativa da proteína G do vírus, foram identificados 52 aminoácidos sob seleção em diferentes linhagens do VRS.

Vários desses aminoácidos definiram outras linhagens dentro dos genótipos, demonstrando bom correlacionamento com os epitopos previamente descritos.

“Surpreendentemente, 18 dos aminoácidos selecionados tendem a reverter com o tempo para a sua posição anterior, apresentando um ‘flip-flop’ padrão”, disse Zanotto.

De acordo com a pesquisa, essas reversões evolucionárias do vírus são indicadoras da complexa interação entre o VRS e os seres humanos ao longo das epidemias, refletindo a evolução do estado imunológico da população humana e um repertório limitado de escape dos aminoácidos do vírus.

Busca por vacina

As descobertas conseguidas pela pesquisa são muito importantes – uma vez que a proteína G é alvo em vacinas que até o momento não tiveram muito sucesso contra o vírus respiratório sincicial humano – e representam mais um passo no sentido de descrever o repertório de escape imunológico completo desse patógeno.

Em todo o mundo, vários estudos para o desenvolvimento de uma vacina segura e eficiente contra o VRS têm usado a região G2 da glicoproteína G como padrão para genotipagem do vírus. A proteína G é um alvo para anticorpos neutralizantes e interage com a célula hospedeira e com os receptores, além de ser altamente variável.

“Se o vírus tivesse um repertório ilimitado de escape, não conseguiríamos definir seus padrões de reversão. Mas como ele vai e volta para os mesmos lugares, ao definir todo esse repertório poderemos ajudar no desenvolvimento de uma vacina eficiente contra ele, que se tornou a quinta causa de mortalidade infantil em todo o mundo”, destacou Zanotto.

“Este trabalho é muito importante por ser o maior estudo populacional de VRS já feito e pelos seus resultados, que sugerem que o vírus pode ter um repertório limitado de escape imune, o que é essencial para o entendimento de meios efetivos de controle vacinal”, afirmou.

O VRS foi isolado pela primeira vez em chimpanzés em 1956 pelo médico norte-americano Robert Chanock. “Hoje, o vírus também tem aumentado em prevalência entre idosos, sendo uma crescente preocupação dado a falta de uma vacina profilática”, disse Zanotto.

Para ler o artigo Positive selection results in frequent reversible amino acid replacements in the G protein gene of human Respiratory Syncytial Virus, publicado na PLoS Pathogens, clique aqui.

Diversidade viral

Lançada em 2000 como decorrência do Programa Genoma FAPESP, a Rede de Diversidade Genética de Vírus, ou VGDN (sigla em inglês para Viral Genetic Diversity Network), é formada por dezenas de laboratórios espalhados pelo Estado que estudam as variedades genéticas de vírus.

Para montagem e treinamento da rede foram estudadas as variedades genéticas de quatro vírus: HIV-1, tipo de vírus da Aids mais comum no Brasil; o HCV, agente causador da hepatite C; o hantavírus, que provoca uma misteriosa síndrome pulmonar; e o vírus respiratório sincicial, responsável por infecções no trato respiratório.

A VGDN se debruça sobre a classe de microrganismos que abriga os menores agentes causadores de processos infecciosos de que se tem notícia. Apesar de terem um genoma pequeno, estudá-los é fundamental para entender a diversidade entre as cepas e as suas mutações.

Além de serem organismos com estruturas genéticas instáveis, os quatro vírus do projeto têm características em comum, fato que pesou na sua escolha como objeto de estudo da VGDN: todos causam doenças com alto grau de letalidade, para as quais ainda não há vacinas. O Instituto de Ciências Biomédicas da USP é o centro de referência para o vírus respiratório sincicial.

Sabe-se que, sem o mapeamento do código genético de uma quantidade significativa dos vírus que circulam e infectam a população, seria impossível estabelecer as variedades dominantes dos agentes patológicos nesse local. Por outro lado, conhecer as cepas mais comuns dos vírus presentes em território paulista permite a formulação de uma melhor política epidemiológica de prevenção e tratamento das doenças, além de gerar importante conhecimento para a pesquisa científica.

Ao capacitar laboratórios de várias cidades de São Paulo a lidar com vírus, a VGDN persegue ainda o objetivo de dotar o Estado de um conjunto de laboratórios que, no futuro, poderão ser utilizados de forma permanente e corriqueira pela Secretaria de Estado da Saúde.

Em 2008, o primeiro artigo científico sobre a VGDN foi publicado na PLoS Biology mostrando o andamento das pesquisas em virologia no Estado de São Paulo desde a criação do programa apoiado pela FAPESP.

De acordo com os pesquisadores que assinam o artigo, os laboratórios da VGDN iniciaram suas operações em 2001, realizando um estudo piloto sobre o HIV-1, em parceria com o Centro de Referência de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids de São Paulo, com um custo total de US$ 2 milhões.

“Nos anos seguintes a FAPESP investiu US$ 7,5 milhões na VGDN, que contou com 41 pesquisadores e o envolvimento direto de 115 graduados, 29 estudantes e 69 técnicos. Grande quantidade de dados resultantes dos estudos já foi passada para o sistema de saúde pública e está sendo preparado para publicação”, destacaram os autores do artigo.

Mais informações: www.lemb.icb.usp.br/vgdn/www
 

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