Esperança herdada
27 de agosto de 2007

Pesquisa coordenada por Julio Voltarelli na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP indica que transplante de células haplóides de pais para filhos pode ajudar a resolver problemas de rejeição, infecção e morte após transplantes

Esperança herdada

Pesquisa coordenada por Julio Voltarelli na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP indica que transplante de células haplóides de pais para filhos pode ajudar a resolver problemas de rejeição, infecção e morte após transplantes

27 de agosto de 2007

 

Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

Agência FAPESP – Para que um transplante de medula óssea possa ser realizado, é necessário haver compatibilidade do HLA (antígeno leucocitário humano, moléculas responsáveis pelo reconhecimento de substâncias próprias ou não ao organismo) do paciente com o do doador. E as chances de isso ocorrer são de 25% nos casos de transplante de irmão para irmão – transplante relacionado idêntico – e menores ainda quando se recorre a bancos de medula óssea ou de cordão umbilical para se tentar o chamado transplante não relacionado.

Em muitos casos, porém, mesmo havendo compatibilidade genética, o paciente apresenta rejeição e a taxa de mortalidade gira em torno dos 30%. Para evitar rejeição, desenvolvimento de infecções e morte desses pacientes, pesquisadores da Unidade de Transplante de Medula Óssea (UTMO) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo tomaram um caminho até então inédito no país: o uso de células haplóides idênticas – de pai ou mãe para filho.

"Nosso objetivo é fazer com que o paciente não morra. A vantagem do transplante haplóide é que as chances de o paciente ter um doador à disposição são maiores", disse Julio Cesar Voltarelli, chefe da Divisão de Imunologia Clínica e coordenador da UTMO, à Agência FAPESP, durante o 13º Congresso Internacional de Imunologia, que terminou no sábado (25/8), no Rio de Janeiro.

Voltarelli e a médica hematologista Belinda Simões iniciaram a pesquisa em 2005, com cinco pacientes de leucemia adulta mielóide refratária. Os resultados são, segundo os pesquisadores, bastante animadores, uma vez que os pacientes escolhidos se encontravam imunossuprimidos: "Eram casos em que parecia não haver mais o que fazer. Nossa maior preocupação era que a medula fosse aceita pelo paciente, que é a maior dificuldade nos transplantes", explicou Belinda.

Diferentemente de outros órgãos transplantáveis – como coração e rins –, a medula é um tecido imunologicamente ativo que apresenta linfócitos. Por isso, pode gerar rejeição quando transplantada, pois o paciente recebe material genético diferente do dele.

Nos transplantes realizados pela equipe de Voltarelli, não houve casos de rejeição. "Outro grande problema nos transplantes é o risco de doença do enxerto contra o hospedeiro, o que também não ocorreu em nenhum dos pacientes. A medula conseguiu se alojar", disse o cientista.

Em todos os casos, a medula óssea foi doada pelas mães dos pacientes. "Há vantagens em se fazer com células da mãe, pois ela já é tolerante ao filho desde que esse era feto – e o filho é tolerante geneticamente à mãe", afirmou Voltarelli.

No ano passado, estudos feitos na Alemanha indicaram que quando se usa células maternas o transplante pode apresentar eficácia maior. Anteriormente, chamou atenção um trabalho realizado no Japão baseado no microquimerismo materno-fetal (células de um sobrevivendo no outro). "Durante a gestação, há uma troca de células e a mãe mantém células sangüíneas do filho. Mãe e filho são imunologicamente compatíveis", disse Belinda.

Todos os indivíduos têm dois haplóticos, duas fileiras de genes, uma herdada da mãe e outra do pai. "Assim, um haplótico será igual e outro diferente. Esse transplante será metade igual e metade diferente", explicou a hematologista.

O procedimento já é realizado desde a década de 1980 em países como Alemanha e Itália, mas poucos centros no mundo fazem esse tipo de transplante. O protocolo brasileiro é um pouco diferente desses países.

"Para que a medula seja aceita e o hospedeiro não tenha uma doença fatal, é necessário selecionar a célula-tronco e limpar os linfócitos T. Adaptamos para a nossa realidade, não utilizando a técnica de separação imunomagnética, que é muito cara. No protocolo brasileiro, fizemos essa manipulação imunológica por meio de drogas – a ciclofostamida – e da célula mesenquimal", explicou Belinda.

Os pesquisadores planejam agora incluir mais pacientes que apresentam casos menos avançados da doença.


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