Durante pesquisa, bebida passou por processo de dupla destilação para eliminar impurezas e foi envelhecida por dois anos em tonéis novos de carvalho francês (imagem: Agência FAPESP)
Durante pesquisa, bebida passou por processo de dupla destilação para eliminar impurezas e foi envelhecida por dois anos em tonéis novos de carvalho francês
Durante pesquisa, bebida passou por processo de dupla destilação para eliminar impurezas e foi envelhecida por dois anos em tonéis novos de carvalho francês
Durante pesquisa, bebida passou por processo de dupla destilação para eliminar impurezas e foi envelhecida por dois anos em tonéis novos de carvalho francês (imagem: Agência FAPESP)
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Uma pesquisa realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) mostrou que, com métodos adequados de produção, é possível obter uma cachaça com pureza e complexidade de aromas e sabores semelhantes às de um bom uísque ou conhaque.
Além de passar por um processo de dupla destilação, a bebida desenvolvida no Laboratório de Tecnologia e Qualidade da Cachaça, situado no campus de Piracicaba (SP), apresenta outro diferencial: o envelhecimento de dois anos em tonéis novos de carvalho importados da França.
“Cerca de 60% do sabor de uma bebida envelhecida vem da madeira. Os outros 40% dependem da forma como a destilação e a fermentação são conduzidas e da matéria-prima. O processo de produção, portanto, tem muito mais influência na qualidade final do destilado do que o tipo de matéria-prima do qual é feito”, disse André Ricardo Alcarde, coordenador do projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP.
De acordo com Alcarde, a madeira libera durante o envelhecimento uma série de compostos que melhoram as características sensoriais da bebida, como, por exemplo, a vanilina. A cada novo uso do barril, porém, o processo de extração desses elementos se torna mais demorado e menos homogêneo.
“Como o carvalho não é uma madeira disponível no Brasil, o custo de importação é alto e a legislação brasileira não especifica regras para o envelhecimento de cachaça, muitos fabricantes recorrem a tonéis já extensivamente utilizados na produção de vinho ou de uísque”, afirmou Alcarde.
Alguns produtores empregam barris feitos com madeiras tropicais. Há também muitas aguardentes que nem sequer passam pelo processo de envelhecimento.
No caso do uísque produzido na Escócia, explicou Alcarde, a legislação exige ao menos três anos de envelhecimento em carvalho – ainda que o tonel não precise ser de primeiro uso. Já o bourbon norte-americano deve ficar no mínimo dois anos em tonéis novos antes de ser comercializado.
“Nosso objetivo foi avaliar como a cachaça se comportaria ao ser envelhecida em tonéis novos de carvalho, algo que não é feito no Brasil”, disse o pesquisador.
A avaliação foi conduzida durante o doutorado de Aline Marques Bortoletto, com apoio de Bolsa da FAPESP. Para a realização do projeto, uma destilaria foi montada dentro do laboratório coordenado por Alcarde na Esalq.
“A cachaça produzida no Brasil, de maneira geral, passa por apenas uma destilação. Mas nós precisávamos de uma bebida feita de maneira tão criteriosa quanto um uísque ou um conhaque reconhecido internacionalmente”, afirmou Alcarde.
A dupla destilação, explicou, ajuda a eliminar compostos indesejáveis, como o cobre, alguns aldeídos que podem causar dor de cabeça e o carbamato de etila – substância potencialmente cancerígena. Também são eliminados certos tipos de ácidos orgânicos responsáveis pela sensação de “arranhar” a garganta.
“Com a dupla destilação, conseguimos eliminar quase 99% do carbamato de etila. O líquido fica muito mais puro, com teor acertado de álcool e menos prejudicial à saúde pública”, comentou o pesquisador.
Marcadores de envelhecimento
Depois de concluído o processo de destilação, parte da cachaça foi colocada em tonéis de carvalho com capacidade de 225 litros e parte em recipientes de vidro, para servir como controle.
Conforme explicou Bortoletto, a madeira antes passou por um processo de tosta interna para aumentar a liberação dos compostos aromáticos. “O carvalho francês é mais caro que o norte-americano, pois a árvore demora mais para crescer. Testamos a diferença entre os dois e o perfil aromático do francês é diferenciado”, disse.
Todos os meses, durante dois anos, os pesquisadores mediram nas duas amostras o teor de 11 compostos químicos considerados marcadores de envelhecimento.
Por meio de uma técnica conhecida como cromatografia líquida, foram medidos os teores de ácido gálico, ácido elágico, sinapaldeído, siringaldeído, vanilina, coniferaldeído, ácido vanílico, ácido siríngico, guaiacol, furfural e hidroximetilfurfural.
“Com exceção do furfural e do hidroximetilfurfural, que podem vir do processo de fermentação e destilação, mas raramente estão presentes em bebidas não envelhecidas, todos os outros compostos são extraídos exclusivamente da madeira”, contou Alcarde.
Após um ano e meio de envelhecimento, a relação dos compostos observada na cachaça envelhecida já estava equivalente – no caso de algumas substâncias até superior – à relação descrita na literatura para um uísque envelhecido por 12 anos.
Embora a análise sensorial não tenha integrado o projeto, do ponto de vista químico, segundo o pesquisador, os resultados indicam que a aguardente de cana envelhecida em tonéis novos de carvalho apresenta qualidade equivalente à de destilados reconhecidos internacionalmente.
“Obviamente que seria um produto para ser vendido por valores semelhantes ao de um bom uísque ou conhaque. O público para essa cachaça é diferente, mas, com certeza, existe um mercado para a bebida”, opinou Alcarde.
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