Nas discussões da reforma do ensino superior uma das certezas é que a organização do sistema terá que ser aprimorada (foto: MEC)

Enfrentamento da diversidade
23 de junho de 2004

Nas discussões da reforma do ensino superior uma das certezas é que a organização do sistema terá que ser aprimorada. Especialistas falam para a Agência FAPESP sobre as diferenças das instituições públicas e privadas e defendem as particularidades vocacionais e regionais

Enfrentamento da diversidade

Nas discussões da reforma do ensino superior uma das certezas é que a organização do sistema terá que ser aprimorada. Especialistas falam para a Agência FAPESP sobre as diferenças das instituições públicas e privadas e defendem as particularidades vocacionais e regionais

23 de junho de 2004

Nas discussões da reforma do ensino superior uma das certezas é que a organização do sistema terá que ser aprimorada (foto: MEC)

 

Agência FAPESP - Quando se fala na organização do sistema superior do Brasil, a primeira grande polêmica gira ao redor das instituições públicas e privadas. Como lembra Carlos Benedito Martins, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, as instituições privadas têm todo o direito de continuar existindo, a menos que a Constituição Federal seja alterada.

"Em vez de desqualificar simbolicamente as instituições privadas, ou manter uma atitude hostil e inercial perante elas, é fundamental que se crie uma agenda positiva para esse segmento, especialmente para as instituições particulares em senso estrito, capaz de produzir aperfeiçoamentos efetivos em seus projetos institucionais, nas suas condições de ensino e na qualificação do seu corpo docente", disse à Agência FAPESP.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), as instituições de educação superior brasileiras estão organizadas em:

  • Universidades: Instituições pluridisciplinares, públicas ou privadas, de formação de quadros profissionais de nível superior, que desenvolvem atividades regulares de ensino, pesquisa e extensão.
  • Universidades especializadas: Instituições públicas ou privadas, especializadas em um campo do saber como, por exemplo, ciências da saúde ou ciências sociais, nas quais são desenvolvidas atividades de ensino e pesquisa e extensão, em áreas básicas e/ou aplicadas.
  • Centros universitários: Instituições públicas ou privadas, pluricurriculares, que devem oferecer ensino de excelência e oportunidades de qualificação ao corpo docente e condições de trabalho à comunidade escolar.
  • Centros universitários especializados: Instituições públicas ou privadas, que atuam numa área de conhecimento específica ou de formação profissional, devendo oferecer ensino de excelência e oportunidades de qualificação ao corpo docente e condições de trabalho à comunidade escolar.
  • Faculdades integradas e faculdades: Instituições públicas ou privadas, com propostas curriculares em mais de uma área do conhecimento, organizadas sob o mesmo comando e regimento comum, com a finalidade de formar profissionais de nível superior, podendo ministrar cursos nos vários níveis (seqüenciais, de graduação, de pós-graduação e de extensão) e modalidades do ensino.
  • Institutos superiores ou escolas superiores: Instituições públicas ou privadas, com finalidade de ministrar cursos nos vários níveis (seqüenciais, de graduação, de pós-graduação e de extensão).
  • Centros de educação tecnológica: Instituições especializadas de educação profissional, públicas ou privadas, com a finalidade de qualificar profissionais em cursos superiores de educação tecnológica para os diversos setores da economia e realizar pesquisa e desenvolvimento tecnológico de novos processos, produtos e serviços, em estreita articulação com os setores produtivos e a sociedade, oferecendo, inclusive, mecanismos para a educação continuada.
Sob as categorias administrativas ou formas de natureza jurídica, as instituições de educação superior no Brasil estão organizadas em públicas e privadas.

As primeiras são instituições criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo poder público e podem ser:

  • Federais: mantidas e administradas pelo Governo Federal;
  • Estaduais: mantidas e administradas pelos governos dos Estados;
  • Municipais: mantidas e administradas pelo poder público municipal.

As instituições privadas são as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Podem se organizar como:

  • Instituições privadas com fins lucrativos ou particulares em sentido estrito: instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

  • Instituições privadas sem fins lucrativos, que podem ser:
    • Comunitárias: instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam, na sua entidade mantenedora, representantes da comunidade;
    • Confessionais: instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendam à orientação confessional e ideológica específicas;
    • Filantrópicas: são as instituições de educação ou de assistência social que prestem os serviços para os quais foram instituídas e os coloquem à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem qualquer remuneração.
Após a conclusão do ensino médio ou equivalente, o sistema educacional brasileiro oferece as seguintes opções para a continuidade dos estudos superiores: cursos seqüenciais, com até dois anos de duração e cursos de graduação, a maioria com quatro anos de duração, havendo, porém, cursos de formação tecnológica, com dois ou três anos de duração, e cursos com cinco ou seis anos, como os de engenharia e de medicina.

Depois da graduação, há uma série de opções para a pós-graduação: pós-graduação lato sensu (cursos de especialização e MBA ou equivalentes) e programas de pós-graduação stricto sensu, compreendendo o mestrado (acadêmico e profissional) e o doutorado.

Segundo o Inep, os cursos seqüenciais e cursos de graduação de formação tecnológica podem ser uma opção para uma inserção mais rápida no mercado de trabalho. É possível, posteriormente, fazer um curso de graduação plena, com aproveitamento dos créditos correspondentes às disciplinas já cursadas.

Para Martins, da UnB, essa heterogeneidade do ensino superior brasileiro, que cresceu nas últimas décadas, não deve ser motivo de apreensão dentro da reforma do setor. "Não se deve apreender essa significativa diversificação como uma manifestação patológica do sistema."

Para o pesquisador, é preciso evitar a criação de uma camisa de força para o sistema brasileiro. "A partir de determinados parâmetros, será possível incentivar a qualidade acadêmica das diferentes instituições e fazer com que essas entidades assumam de modo efetivo a sua verdadeira identidade e a sua real vocação acadêmica", disse.


63,6% mais alunos em 4 anos

Em 2002, estavam matriculados nos cursos de graduação presenciais 3.479.913 alunos, cerca de 450 mil a mais do que em 2001. De 1998 a 2002, foram incorporados 1.353.956 estudantes ao ensino superior, aumento equivalente a 63,6%. Os dados são do Inep e estão sendo analisados nos Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo - 2004, em fase de elaboração pela FAPESP.

Em 2002, das 1.637 instituições de ensino superior, 73 eram federais, 65 estaduais, 57 municipais e a esmagadora maioria, 1.442, era privada. Dessas, 162 eram universidades e 1.358 instituições não-universitárias. Em cinco anos, o número de alunos cresceu 84% na rede privada e 31% nas instituições públicas.

A distribuição do ensino superior obedece aos mandamentos da concentração da renda e da importância econômica. De acordo com Inep, 45% do total de alunos do ensino superior no país estão em 20 municípios. A cidade de São Paulo está em primeiro lugar com 377.471 alunos, o que representa mais de 10% do total. Em seguida, aparece a cidade do Rio de Janeiro, com 236.644.

A análise dos dados do ensino superior no período 1998-2002 consolida tendências apontadas durante a década de 90. Isto é: a expansão do ensino superior brasileiro; o crescimento mais acelerado via setor privado; a crescente demanda por ensino superior – decorrente do crescimento do número de matrículas e concluintes no ensino médio; e limitadas possibilidades de ampliação significativa da rede pública, em decorrência de constrangimentos fiscais.


Diferenças e vocações

Uma simples olhada para fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro no ensino superior é suficiente para que o título de "país continental" para o Brasil saia do senso comum e passe a ser revestida por um conteúdo sólido.

Enquanto os antropólogos do Nordeste têm um campo farto de trabalho na análise dos festejos juninos, os amazônicos contam com outras prioridades vindas da floresta, da mesma forma que os sulinos, com suas influências platinas, apontam para outros processos etnográficos.

Na análise – e futura reforma – do ensino superior do Brasil, segundo especialistas ouvidos pela Agência FAPESP, essa diversidade de abordagens precisa ser mantida para que o sistema possa ser alterado de forma inteligente e eficiente.

"A reestruturação do ensino superior deverá ser uma mudança para melhor. Serão reconhecidas instituições distintas, com vocações temáticas e que abarquem a diversidade vocacional e regional", disse o professor da Universidade de Brasília Benício Schmidt, que atualmente está na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e no grupo de trabalho governamental que cuida da reforma universitária.

Ao avaliar o sistema de reforma universitária, o pesquisador é categórico. "A reforma está andando corretamente. Muitas dimensões, provavelmente, serão ajustadas aos interesses no Congresso, mas, até aqui, esse parece ser o caminho certo".

Apesar de todas as discussões, consultas, análises e projetos, ainda é impossível saber com certeza o que realmente vai ocorrer em termos de reconhecimento, ou não, das instituições do ensino superior, segundo Schmidt.

"A resultante do esforço será, certamente, um misto do projeto do MEC e das posições que virão do Congresso Nacional", disse à Agência FAPESP o professor da UnB, que, na próxima reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Cuiabá de 18 a 23 de julho, dará a palestra "Dilemas e perspectivas da reforma universitária".

Para o ministro da Educação Tarso Genro, a universidade pública precisa ser uma referência fundamental para o sistema de ensino superior, com ampliação de sua força na sociedade. "A reforma do nível superior pretende estabelecer uma nova regulação entre os lados público e privado, de forma que todo o sistema opere em função do interesse público. Esperamos corrigir também o problema do acesso à universidade pública, que é muito restrito", disse à Agência FAPESP.

Mais informações sobre a organização do ensino superior: www.educacaosuperior.inep.gov.br


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