As células-tronco adultas também poderão oferecer resultados interessantes no futuro

Encruzilhada genética
29 de março de 2005

Pesquisa com células-tronco embrionárias humanas, aprovada recentemente pelo Congresso, tem sido comemorada por alguns e criticada por outros. Mesmo entre a comunidade científica a polêmica é grande

Encruzilhada genética

Pesquisa com células-tronco embrionárias humanas, aprovada recentemente pelo Congresso, tem sido comemorada por alguns e criticada por outros. Mesmo entre a comunidade científica a polêmica é grande

29 de março de 2005

As células-tronco adultas também poderão oferecer resultados interessantes no futuro

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - A aprovação do uso científico de células-tronco embrionárias humanas, feita recentemente pelo Congresso Nacional, foi comemorada por muitos pesquisadores. Mas, ao contrário do que pode parecer em um primeiro momento, o consenso está longe de ser atingido. Por uma séries de razões, técnicas ou até filosóficas, parte da comunidade científica é reticente ao uso das células. Alguns grupos chegam a ser contrários à prática. Outros afirmam que se criou um otimismo exagerado sobre o assunto.

"Quanto à aplicação das células embrionárias em terapias de vários tipos de doenças, existem algumas desvantagens da utilização desse material genético que não apareceram durante os debates de aprovação do Projeto de Lei de Biossegurança", disse Nance Nardi, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, à Agência FAPESP.

Segundo a cientista, que disse achar interessante oferecer às pessoas a liberdade de opção, os problemas são basicamente dois. "Tais células apresentam grave risco de segurança. A não ser que estejam sob total controle, pode ocorrer o surgimento de tumores, do tipo teratomas, nos recipientes do transplante", explica Nance.

Além disso, o uso de células-tronco embrionárias – e, portanto, de outro indivíduo – traz o problema da rejeição imunológica, assim como ocorre em qualquer tipo de transplante. "Esse porém poderia ser superado pelo emprego da clonagem terapêutica ou, como é chamada agora, da transferência nuclear, mas o texto aprovado não permite o emprego dessa metodologia", afirma a pesquisadora.

Com bastante experiência nas pesquisas com células-tronco adultas, a cientista lembra que a aprovação do projeto de lei não significa que a cura de certas doenças esteja "logo além da primeira esquina". Para Nance, isso passa a ser bastante doloroso particularmente para pessoas que aguardam com ansiedade uma novidade nessa área, que passa a ser a única possibilidade de cura de doenças como Parkinson, Alzheimer e lesões espinhais que causam paraplegia.

"É necessário deixar muito claro que, atualmente, as células-tronco adultas representam uma possibilidade muito maior de tratamento que as embrionárias. Na verdade, existe no mundo hoje um grande número de estudos clínicos que empregam células-tronco adultas para tratar uma variedade de doenças, mas nem sequer um que utilize as embrionárias. Isso mostra que ainda estamos longe de dominar essa tecnologia e também como estamos perto da expansão do uso das células adultas para um número maior de patologias", afirma a cientista.

Para Nance, o uso de células-tronco embrionárias humanas tem uma importância muito grande para a pesquisa básica. "Processos celulares de proliferação e diferenciação têm regulações diferentes entre um tipo de célula e outro. E algumas dessas informações podem ser obtidas apenas em humanos", explica.

Além dessa vantagem, os grupos que pretendem usar as células embrionárias humanas apontam outros pontos de destaque. Um deles é que, por exemplo, essas linhagens apresentam uma plasticidade muito grande, o que pode ser fundamental em determinados casos.


Posições contrárias

No grupo dos totalmente contrários ao uso de células-tronco embrionárias está Dante Gallian, diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Acredito que a partir do momento em que se conflagra o processo de desenvolvimento de uma vida humana – no momento da fusão dos gametas ou da infusão do núcleo contendo o material genético – a vida começa a existir", disse.

Para o historiador da Unifesp, que classifica a aprovação da lei de "retrocesso humanístico", a expectativa criada sobre o uso de células embrionárias humanas pode se transformar em engodo científico, ou porque os resultados não virão ou serão obtidos com muito atraso. "A Coréia do Sul ainda não chegou a nenhum resultado efetivo, apesar de usar essas células há algum tempo", afirma.

As pesquisas com células-tronco embrionárias, para muitos cientistas, poderão ser fundamentais no futuro. Para algumas doenças, inclusive, elas representam a única possibilidade de que se consiga algum sucesso clínico. Essas linhagens, por exemplo, são desprovidas de certos problemas genéticos. Isso nem sempre vai ocorrer nas entre as células adultas.

Totalmente favorável à aprovação da lei e às novas possibilidades que se abrem com as novas linhas de pesquisa, Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP, diz que é preciso ter muito cuidado com algumas promessas. Os resultados ainda vão demorar vários anos para aparecer, em algumas situações.

"É preciso muito cuidado para que não se confunda pesquisa com tratamento – há uma pressão enorme de pessoas que já querem se tratar. Por outro lado, é muito importante continuar divulgando como isso será feito, porque já tem gente dizendo que vai injetar células embrionárias. Aliás, isso existia antes de a lei ser aprovada. É preciso cuidado com pessoas que estão prometendo isso", disse. Para Mayana, em vez de ceifar vidas, as novas pesquisas vão é "criar novas vidas".


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