Simulação computacional realizada na Unesp investigou o fenômeno. Estudo, publicado em Scientific Reports, poderá ter aplicação tecnológica no futuro (imagem: arquivo dos pesquisadores)
Simulação computacional realizada na Unesp investigou o fenômeno. Estudo, publicado em Scientific Reports, poderá ter aplicação tecnológica no futuro
Simulação computacional realizada na Unesp investigou o fenômeno. Estudo, publicado em Scientific Reports, poderá ter aplicação tecnológica no futuro
Simulação computacional realizada na Unesp investigou o fenômeno. Estudo, publicado em Scientific Reports, poderá ter aplicação tecnológica no futuro (imagem: arquivo dos pesquisadores)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Transições de fase clássicas ocorrem quando determinados parâmetros, como a temperatura ou a pressão, variam. Os exemplos mais conhecidos são as transições de fase da água, passando do estado sólido para o líquido e do líquido para o gasoso, com a elevação da temperatura. Já as transições de fase quânticas ocorrem sem a variação desses parâmetros. Ao contrário, as mais notáveis acontecem em temperaturas estáveis extremamente baixas, próximas do zero absoluto, em patamares da ordem do nanokelvin ou até do picokelvin.
Um estudo, realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Araraquara, investigou uma transição específica na qual o material muda radicalmente de comportamento em relação à condutividade elétrica, passando de superfluido ou supercondutor a isolante.
Artigo a respeito, assinado por Guilherme Arantes Canella e sua orientadora, Vivian Vanessa França, foi publicado em Scientific Reports: “Superfluid-Insulator Transition unambiguously detected by entanglement in one-dimensional disordered superfluids”.
O estudo “Teoria do funcional da densidade e aplicações em sólidos e átomos frios”, conduzido por França, recebeu auxílio da FAPESP por meio do programa Apoio a Jovens Pesquisadores.
“A transição foi possibilitada por meio de desordem, isto é, da inclusão de impurezas no material ou de modificações aleatórias no espaçamento entre os átomos”, disse França à Agência FAPESP.
O aumento da desordem e o monitoramento das respostas do material foram feitos por meio de simulação computacional. Vale lembrar que os estudos na área se dão tanto no âmbito da ciência básica, para o entendimento dos processos físicos envolvidos, quanto, mais até, no âmbito da ciência aplicada, para tirar proveito prático dessas transições para a criação de novas tecnologias.
“Projetamos cadeias unidimensionais, às quais fomos acrescentando desordem. O primeiro passo foi vencer um grande desafio computacional. Porque a desordem não pode ser acrescentada a um sítio específico. Caso isso acontecesse, ela não seria aleatória. É preciso simular muitas configurações possíveis e fazer a média, o que exige uma grande quantidade de cálculos bastante complexos. O método que possibilitou superar esse desafio computacional foi a Teoria do Funcional de Densidade”, afirmou a pesquisadora.
A Teoria do Funcional de Densidade (DFT, do inglês Density Functional Theory), é um modelo simplificado, derivado da mecânica quântica, utilizado em física dos sólidos e em química teórica para resolver sistemas de muitos corpos (leia mais sobre a DFT em reportagem publicada na Agência FAPESP).
“Mesmo com o uso da DFT, foram necessários cerca de 70 dias de processamento computacional para gerar os pontos que apresentamos no artigo. Por meio de cálculos exatos, que são possíveis, porém muito mais demorados e custosos, precisaríamos de 115 anos”, comentou França.
A pesquisadora informou que ela e Canella, seu orientando de doutorado, trabalharam com um material genérico, mas sujeito a algumas considerações. “Simulamos sistemas praticamente unidimensionais, como nanofios, constituídos por férmions, e exploramos todos os possíveis parâmetros, para investigar a transição de fase superfluido-isolante”, disse.
Modelo Padrão
Cabe abrir aqui um pequeno parêntese. No chamado Modelo Padrão, todas as partículas são férmions ou bósons. Férmions são partículas com spin semi-inteiro, que obedecem à estatística de Fermi-Dirac. Por exemplo, o próton, o elétron e o próprio átomo. Bósons são partículas com spin inteiro, que obedecem à estatística de Bose-Einstein. Por exemplo, o fóton. Nas extensões do Modelo Padrão que incluem supersimetria, para cada férmion adiciona-se um bóson como parceiro e vice-versa.
No estudo em pauta, a interação entre os férmions é descrita pelo modelo de Hubbard unidimensional. “O que encontramos foi que a transição pode ser obtida por meio da variação de três parâmetros: aumentando a intensidade das impurezas, aumentando a concentração de impurezas ou diminuindo a densidade de partículas”, afirmou a pesquisadora.
Localização ordinária
Uma pergunta importante que o estudo pretendeu responder foi se a transição de fase quântica afetava o emaranhamento das partículas. Emaranhamento é a característica mais exótica da mecânica quântica – aquela que não tem nenhum análogo clássico. Estados emaranhados são tais que qualquer intervenção feita em um deles afeta instantaneamente o outro, mesmo que não haja contiguidade espacial entre eles.
A preservação do emaranhamento pelo maior intervalo de tempo possível é uma questão-chave para o desenvolvimento da computação quântica. “Nosso estudo mostrou que todos os três casos [intensidade da desordem, concentração de impurezas ou densidade de partículas] afetam o emaranhamento”, contou França.
“Verificamos também que a transição pode resultar em dois tipos de isolantes. Isso é algo que, até o ponto em que sabemos, não havia sido registrado ainda pela literatura”, prosseguiu.
“Uma das características dos isolantes é o fato de as partículas serem bem localizadas na amostra, em contraste com a delocalização do supercondutor. Verificamos que existe o que chamamos de ‘localização ordinária’, na qual as partículas se localizam, mas, por causa da topologia da amostra, ainda mantêm alguma delocalização. E isso faz com que o emaranhamento passe a ser constante, como deveria ser no caso de um isolante, mas assuma um valor finito, diferente de zero. E existe também o que chamamos de ‘localização completa’. Nesta, as partículas ficam completamente localizadas, e atingem emaranhamento nulo”, explicou.
Muitas controvérsias registradas na literatura decorriam do fato de a existência dos dois tipos de isolantes não ter sido até então considerada. Os autores discorriam sobre coisas distintas, e isso gerou resultados contraditórios. Foi uma importante contribuição do estudo colocar essa dualidade em evidência.
“A localização ordinária acontece sem necessidade de uma intensidade mínima de desordem, está associada a uma transição menos abrupta e pode ser alcançada por meio de qualquer um dos três parâmetros. Já a localização completa requer uma intensidade mínima e só pode ser alcançada por meio dos parâmetros concentração e densidade”, concluiu França.
O artigo Superfluid-Insulator Transition unambiguously detected by entanglement in one-dimensional disordered superfluids pode ser acessado em www.nature.com/articles/s41598-019-51986-0.
Para saber mais sobre o grupo de pesquisa ou sobre oportunidades de mestrado e doutorado na área, acesse: www.iq.unesp.br/#!/departamentos/fisico-quimica/docentes/vivian-v-franca.
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