Para o especialista em relações internacionais português Álvaro Vasconcelos, o Brasil perdeu uma oportunidade única de exaltar ideais do liberalismo, como a democracia e o Estado de Direito. Avaliação foi feita em seminário realizado na USP com apoio da FAPESP (imagem: reprodução)
Para o especialista em relações internacionais português Álvaro Vasconcelos, o Brasil perdeu uma oportunidade única de exaltar ideais do liberalismo, como a democracia e o Estado de Direito. Avaliação foi feita em seminário realizado na USP com apoio da FAPESP
Para o especialista em relações internacionais português Álvaro Vasconcelos, o Brasil perdeu uma oportunidade única de exaltar ideais do liberalismo, como a democracia e o Estado de Direito. Avaliação foi feita em seminário realizado na USP com apoio da FAPESP
Para o especialista em relações internacionais português Álvaro Vasconcelos, o Brasil perdeu uma oportunidade única de exaltar ideais do liberalismo, como a democracia e o Estado de Direito. Avaliação foi feita em seminário realizado na USP com apoio da FAPESP (imagem: reprodução)
Elton Alisson | Agência FAPESP – Ao contrário do que ocorreu em Portugal, o triunfo do liberalismo – uma das principais heranças da Independência do Brasil – não foi celebrado no país durante os atos comemorativos do bicentenário do acontecimento, avalia o especialista em relações internacionais Álvaro Vasconcelos. Dessa forma foi perdida uma oportunidade única de serem exaltados no país ideais do liberalismo, como a democracia e o Estado de Direito, em um momento em que esses valores estão fortemente ameaçados não só no Brasil e em Portugal, mas em várias outras nações, avalia o cientista político português.
“O que se comemorou em Portugal no bicentenário da Independência do Brasil foi o triunfo do liberalismo, que deveria ser o mesmo motivo para celebração no país em razão da ameaça aos ideais liberais. Mas o que se viu foi uma afirmação do iliberalismo pelo presidente”, avaliou Vasconcelos durante o seminário “O Bicentenário da Independência do Brasil visto do exterior”, realizado quinta-feira (22/09) no Instituto de Relações Exteriores da Universidade de São Paulo (IRI-USP).
Segundo Vasconcelos, Dom Pedro I, que proclamou a Independência do Brasil, é comemorado em Portugal como herói do liberalismo porque consolidou as ideias dos vintistas da Revolução Liberal Portuguesa, de 1820. Além disso, contribuiu para a derrota dos absolutistas durante a Guerra Civil Portuguesa, travada de 1832 a 1834 entre liberais constitucionalistas e absolutistas pela sucessão real. Por isso, é o único rei português que tem estátua nas duas principais praças de Portugal, a do Rossio, em Lisboa, e a dos Aliados, no Porto, afirma Vasconcelos.
“A estátua de D. Pedro está lá [nas duas praças] porque representa o triunfo das ideias liberais que quisemos comemorar fortemente em Portugal este ano, e começamos a celebrar há dois anos, durante o bicentenário da Revolução Liberal Portuguesa, por considerarmos que o liberalismo está ameaçado por correntes que se afirmam como iliberais”, afirmou Vasconcelos.
Até os últimos anos, Portugal e Espanha eram os únicos países da Europa onde não havia partidos de extrema-direita. Mais recentemente, porém, surgiram nos dois países partidos que se situam nesse espectro político, ponderou.
“A extrema-direita triunfou na Suécia, pode ascender na Itália [no domingo o partido Irmãos da Itália, liderado por Giorgia Meloni, consolidou-se como maior força política nas eleições legislativas], está no poder na Hungria e na Polônia e tem em [Vladmir] Putin seu defensor e representante mais brutal”, afirmou Vasconcelos, que publicou recentemente uma coletânea de artigos divulgados na imprensa portuguesa em que analisa como o atual mandatário da Rússia e o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump contribuíram para aprofundar a crise das democracias liberais.
Diante da ameaça aos ideais liberais, na Europa celebrações de grandes momentos da história têm sido ocasiões para reafirmar esses valores, disse Vasconcelos.
“Causou espanto na Europa não ter sido comemorado no Brasil durante o bicentenário da Independência aquilo que era essencial ser celebrado, que é o liberalismo, porque lá as celebrações de grandes momentos da história, que marcaram o avanço de ideais da liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, são ocasiões hoje para afirmar fortemente esses valores que muitos consideram estar ameaçados”, disse Vasconcelos.
Impactos semelhantes
De acordo com Anthony Pereira, professor de estudos brasileiros do King’s College London, na Inglaterra, e diretor da Kimberly Green Latin American and Caribbean Center da Florida International University, dos Estados Unidos, o triunfo do liberalismo e do constitucionalismo ocorreu não só no Brasil, mas também em outras colônias nas Américas espanhola, francesa e do Norte que se tornaram independentes no mesmo período.
“No mundo das ideias surgiram muitas inovações naquela época, como o estímulo à liberdade religiosa e de expressão, a separação dos poderes, a igualdade de direitos e a cidadania”, disse Pereira em palestra durante o evento.
Segundo o cientista político e brasilianista, outra ideia fundamental que emergiu nesse período foi a de que as instituições políticas não eram divinas, mas sujeitas à razão humana e deveriam ser reformadas de acordo com o desejo da maioria. Além disso, que as divisões das castas medievais e o dogma religioso tinham de ser descartados em favor da ciência e da razão.
“Algumas das ideias fundamentais por trás da independência do Brasil e de outras que ocorreram na mesma época na região foi a de que a soberania não emanou do corpo do soberano, ou seja, que o rei ou a rainha não tinham o direito divino de governar, que pertencia ao povo”, afirmou.
Essa nova ideia dificultou a compreensão do processo de independência do Brasil pelo governo da Grã-Bretanha, disse Pereira.
“Os ingleses ficaram perplexos com a independência do Brasil ter sido proclamada por um membro da dinastia portuguesa porque tinham essa concepção de que a soberania está no corpo do rei”, explicou o historiador, que sublinhou que o Brasil foi o único país da América Latina cuja proclamação foi feita por um monarca europeu.
“Ainda há na Grã-Bretanha essa ideia de que a soberania existe no corpo do soberano e traços disso puderam ser observados recentemente na cerimônia de posse do rei Charles III”, afirmou Pereira.
Além dessa questão, na época da Independência os portugueses deviam muito dinheiro aos ingleses, que perceberam que sem o Brasil seria muito difícil a dívida ser paga, sublinhou o historiador. Só em 1826 a Grã-Bretanha reconheceu a independência do Brasil, após o Tratado do Rio de Janeiro (1825), apontou o historiador.
Já os Estados Unidos foram um dos países mais ágeis em reconhecer a independência do Brasil, comparou Pereira.
“Foi muito fácil para os Estados Unidos reconhecerem a independência do Brasil porque, apesar da não ser uma república, o país era independente e um aliado em potencial”, afirmou.
Série de eventos
O seminário integrou a programação de comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil pela USP, que inclui a iniciativa USP Pensa Brasil, a inauguração do Museu do Ipiranga e o lançamento do livro Balanço e Desafios no Bicentenário da Independência, de Rubens Ricupero, na última quarta-feira (21/09), entre outras.
“A ideia do seminário surgiu por iniciativa do presidente da FAPESP, o professor Marco Antonio Zago, no contexto das reflexões sobre o bicentenário da Independência do Brasil. Conversando com ele, pareceu natural que sendo o IRI um instituto de relações internacionais tratássemos do Bicentenário sob a perspectiva internacional”, disse Pedro de Abreu Dallari, diretor do IRI-USP e coordenador do encontro.
Também participaram do evento Enrique Garcia, ex-presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e catedrático da Cátedra José Bonifácio em 2019; e Ignacio Berdugo, ex-reitor da Universidade de Salamanca (Espanha) e ex-diretor do Centro de Estudos Brasileiros da mesma universidade.
Berdugo destacou em sua fala que as comemorações têm significados importantes na vida das pessoas, dos Estados e povos. “São momentos que olhamos para trás e muitas vezes aproveitamos para fazer mudanças radicais.” Para ele, o bicentenário da Independência pode ser uma oportunidade para o Brasil lidar com questões pendentes e desafios, entre eles a desigualdade social, a preservação da Amazônia, a reforma das instituições políticas e a recuperação da imagem do país no exterior.
O evento pode ser assistido na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=0ZCf0tYafBw.
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