Na amostra estudada, as mulheres representam quase 80% (78,86%) dos afetados por transtorno de ansiedade e depressão (foto: Freepik*)
Pesquisadores da Famerp analisaram dados de 8.384 consultas realizadas no Hospital de Base de São José do Rio Preto num período de dois anos e constataram realidade similar à de outros serviços do SUS. Resultados divulgados na revista Frontiers in Psychiatry apontam os transtornos mais comuns e os medicamentos mais prescritos
Pesquisadores da Famerp analisaram dados de 8.384 consultas realizadas no Hospital de Base de São José do Rio Preto num período de dois anos e constataram realidade similar à de outros serviços do SUS. Resultados divulgados na revista Frontiers in Psychiatry apontam os transtornos mais comuns e os medicamentos mais prescritos
Na amostra estudada, as mulheres representam quase 80% (78,86%) dos afetados por transtorno de ansiedade e depressão (foto: Freepik*)
Julia Moióli | Agência FAPESP – Mais de 75% dos pacientes atendidos no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Base da cidade de São José do Rio Preto são mulheres com média de idade de 45 anos e queixas de tristeza, ansiedade e irritabilidade, de acordo com estudo publicado na revista Frontiers in Psychiatry. O resultado, compatível com dados da literatura nacional e internacional, chama a atenção para a importância do diagnóstico e tratamento de doenças mentais e pode ajudar a orientar políticas públicas relacionadas.
“A realidade observada em São José do Rio Preto é semelhante à de outros ambulatórios de psiquiatria da rede pública regional e nacional”, afirma Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e coordenador da pesquisa, financiada pela FAPESP por meio de dois projetos (20/09891-9 e 21/11939-2).
Em todo o mundo, com cada vez mais frequência, os transtornos de saúde mental são responsáveis pelo comprometimento da qualidade de vida e da capacidade para o trabalho. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, esse tipo de problema afeta 20% da população adulta, sendo grave e persistente em 3% dos casos e, em 6% deles, decorrente do uso de álcool e outras drogas. Além disso, 12% das pessoas necessitam de algum cuidado contínuo ou ocasional. Apesar disso, apenas 2,3% do orçamento anual do Sistema Único de Saúde (SUS) é destinado a essa área.
“Melhorar a identificação de características clínicas e epidemiológicas é um passo fundamental para estabelecer protocolos mais eficientes, desenvolver políticas públicas e promover melhorias nos serviços”, diz o pesquisador.
Para obter essas informações, um grupo de pesquisadores liderados por Araújo analisou dados de registros médicos eletrônicos referentes a 8.384 atendimentos clínicos realizados, entre março de 2019 e março de 2021, no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital de Base de São José do Rio Preto, que oferece atendimento multidisciplinar para pacientes psiquiátricos do noroeste paulista e é um serviço público de referência para 2 milhões de habitantes de 102 municípios da região.
O seguinte perfil foi traçado: a maioria dos pacientes é do sexo feminino, tem média de idade de 45 anos e sofre majoritariamente de ansiedade generalizada. Os sintomas da doença mais relatados são tristeza, ansiedade e irritabilidade. Os medicamentos mais prescritos são antidepressivos do tipo inibidor seletivo de recaptação de serotonina (ISRS), como o cloridrato de sertralina.
“Observamos que, na maioria dos casos, quem busca o atendimento são donas de casa bastante acometidas de quadros depressivos e ansiosos, o que traz à tona, mais uma vez, a discussão sobre o acúmulo de papéis e funções pelas mulheres”, comenta Araújo. “Também vale destacar que se trata de um grupo de risco para transtornos mentais por serem mais vítimas da violência doméstica.”
“Outro ponto a ser ressaltado é que a mulher tem por hábito procurar assistência médica e psicológica com mais frequência do que o homem, que geralmente escamoteia os transtornos mentais, inclusive com o uso de álcool e outras substâncias psicoativas”, completa Cinara Cássia Brandão, professora do Departamento de Biologia Molecular da Famerp e coautora do trabalho.
Se houve predomínio de mulheres (78,86%) com transtornos de ansiedade e depressão entre os atendimentos, a esquizofrenia prevaleceu entre os homens (59%) – assim como o transtorno delirante (57,89%), o abuso de álcool (70%) e de substâncias ilícitas (60%).
A duração média observada das doenças e dos tratamentos foi, respectivamente, cerca de 15 e de nove anos quando considerados ambos os sexos – entre mulheres apenas foi de 14 e nove anos e, entre os homens, de 18 e oito anos.
O diagnóstico que apresentou maior duração média foi o transtorno afetivo bipolar (episódio hipomaníaco, que é um quadro mais leve de mania, com sintomas como maior disposição e sociabilidade, iniciativa e energia), com aproximadamente 29 anos, enquanto os episódios depressivos moderados tiveram a menor duração (cerca de dez anos).
Em relação a medicamentos prescritos, a média registrada por paciente na última consulta foi de quatro, sendo que indivíduos com transtorno afetivo bipolar, episódio maníaco atual com sintomas psicóticos e transtorno delirante orgânico foram os mais medicados.
Rede de proteção
De acordo com os pesquisadores envolvidos, além de traçar o perfil dos pacientes para balizar políticas públicas e estabelecer protocolos de atendimento mais específicos, o estudo também traz à tona a importância dos ambulatórios públicos especializados em saúde mental. “A população de baixa renda recebe a assistência necessária, à qual não teria acesso de outra forma – essa é a importância desse tipo de serviço dentro da política nacional de saúde mental”, diz Araújo.
“E, mais do que isso, lança um olhar cuidadoso sobre a necessidade de acompanhamento dos pacientes, por meio de uma rede de amparo e atenção psicossocial que una diversas especialidades relevantes para esse fim e seja orquestrada pela atuação conjunta de municípios, estados e governo federal.”
O artigo Clinical and epidemiological profile of patients with mental disorders in a specialized outpatient clinic and its role in the psychosocial care network” pode ser lido em: www.frontiersin.org/journals/psychiatry/articles/10.3389/fpsyt.2024.1274192/full.
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