Trabalho indica que proteína encontrada nas plantas dos citros pode estar sendo utilizada pela bactéria causadora do "amarelinho", a Xylella fastidiosa, para se proteger (foto: arquivo pessoal)

Efeito reverso
22 de fevereiro de 2008

Trabalho desenvolvido no Instituto de Química de São Carlos da USP indica que proteína encontrada nas plantas dos citros pode estar sendo utilizada pela bactéria causadora do "amarelinho", a Xylella fastidiosa, para se proteger

Efeito reverso

Trabalho desenvolvido no Instituto de Química de São Carlos da USP indica que proteína encontrada nas plantas dos citros pode estar sendo utilizada pela bactéria causadora do "amarelinho", a Xylella fastidiosa, para se proteger

22 de fevereiro de 2008

Trabalho indica que proteína encontrada nas plantas dos citros pode estar sendo utilizada pela bactéria causadora do "amarelinho", a Xylella fastidiosa, para se proteger (foto: arquivo pessoal)

 

Por Thiago Romero

Agência FAPESP – Um trabalho de doutorado defendido no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP), no interior paulista, descobriu algo que pode explicar por que a Xylella fastidiosa, bactéria causadora do "amarelinho" – doença que devasta plantações de cítricos –, é resistente a alguns pesticidas à base de cianidrinas, formulados com uma substância tóxica conhecida como ácido cianídrico.

O trabalho, de autoria de Célia Sulzbacher Caruso, analisou três proteínas da Xylella fastidiosa e concluiu que uma delas tem atividade de hidroxinitrila liase e, por isso, pode fazer parte do sistema defensivo da bactéria.

A proteína hidroxinitrila liase, também encontrada nas plantas dos citros, é utilizada para produzir o ácido cianídrico contra seus agressores, que podem ser fungos, insetos ou bactérias. O estudo de Célia contribui afirmativamente para a hipótese de que a Xylella também utiliza essa proteína para neutralizar a ação defensora do ácido, tornando-se, dessa forma, resistente aos pesticidas.

Segundo o trabalho, orientado pelo professor do IQSC Emanuel Carrilho, a hipótese é viável uma vez que o processo de produção do ácido é reversível: a proteína hidroxinitrila liase da Xylella utiliza o ácido cianídrico para produzir substâncias semelhantes ao próprio ácido das plantas, que se torna inofensivo ao organismo da bactéria.

"Para se proteger da Xylella, a planta utiliza duas substâncias de seu organismo para formar um composto de ácido cianídrico que será liberado contra o agressor. A Xylella, por sua vez, pega esse composto produzido pela planta e faz uma reação reversa, utilizando o ácido cianídrico em benefício próprio, ou seja, também para se proteger e permanecer viva", disse Célia à Agência FAPESP.

O trabalho, cujos resultados ainda precisam ser validados em campo, utilizou dados extraídos do projeto Genoma Funcional Xylella, cujo seqüenciamento de 2,7 milhões de bases do DNA da bactéria foi concluído em 2000 com financiamento da FAPESP.

"Primeiramente foram analisados diversos genes que codificavam proteínas superexpressas quando a Xylella fastidiosa estava infectando a planta dos citros. Depois de analisar os genes da Xylella, selecionei três proteínas alvo para análise e descobri que uma delas tem atividade enzimática de hidroxinitrila liase", explica Célia, que é pesquisadora do Grupo de Bioanalítica, Microfabricação e Separações (BioMicS) do IQSC.

Célia destaca que o Brasil detém a liderança mundial em citros, respondendo por cerca de 35% da produção mundial de laranja e por 80% do suco de laranja concentrado exportado. Dentre as doenças que ameaçam a produção brasileira da fruta se destaca a clorose variegada dos citros (CVC), também conhecida pelo nome de "amarelinho".

A doença foi constatada pela primeira vez no Brasil em 1987, em pomares da cidade de Colina, no interior de São Paulo, e logo depois no Triângulo Mineiro. "No Estado de São Paulo e no Triângulo Mineiro, estima-se atualmente que cerca de 47% das plantas de laranjeira apresentam sintomas da doença", contou Célia.

"Há estimativas de que são gastos R$ 100 milhões por ano em todo o mundo para o controle da CVC, o que normalmente implica a eliminação e poda das plantas doentes e controle químico do inseto vetor, a cigarrinha", apontou.


Trabalho em equipe

Para o orientador do trabalho, Emanuel Carrilho, um dos principais benefícios do projeto Genoma Funcional Xylella no que diz respeito ao avanço do conhecimento das ciências genômicas foi o estímulo ao trabalho em equipe e às parcerias inter e multidisciplinares entre pesquisadores de todo o país, além da visibilidade internacional e do aprendizado da comunidade científica de São Paulo.

"Lembro como se fosse hoje: em 2000 estava em um avião voltando de um congresso nos Estados Unidos quando li na revista The Economist uma matéria que falava que o Brasil era conhecido por samba, football e genomics, chamando a atenção de que a nossa lista de expertise tinha aumentado", disse Carrilho à Agência FAPESP, que desde maio de 2007 faz pós-doutorado no Departamento de Química e Química Biológica da Universidade Harvard, com apoio da FAPESP por meio do programa Novas Fronteiras.

A reportagem retratava exatamente o trabalho em equipe da Rede Onsa (Organization for Nucleotide Sequencing and Analysis, na sigla em inglês), rede de laboratórios integrantes do projeto Genoma Funcional Xylella.

"Graças a esta iniciativa da FAPESP, em poucos anos aprendemos a fazer seqüenciamentos completos de genomas e montar grandes bibliotecas de DNA. Nessas seqüências, aprendemos a trabalhar com o genoma funcional, proteômica e metabolômica, o que incentivou o avanço de áreas como biologia estrutural, biologia molecular, clonagem e expressão de proteínas, chegando às diferentes aplicações que a biotecnologia permite", afirmou.

Há alguns anos atrás, lembra Carrilho, não se tinha nenhum relato de clonagem e expressão de proteínas da Xylella fastidiosa e, agora, com os resultados do estudo de Célia Caruso, pelo menos três proteínas já estão em condições de ter sua estrutura caracterizada. "E toda vez que se conhece a estrutura tridimensional de uma proteína avança-se no conhecimento da evolução dos organismos, do seu metabolismo e até do desenho racional de novos fármacos ou pesticidas", disse.

O seqüenciamento da Xylella, aponta Carrilho, tem contribuido decisivamente, ao longo dos quase dez anos depois que foi finalizado, para o avanço do conhecimento dos efeitos da bactéria nos laranjais. "O seqüenciamento de qualquer organismo dá apenas a noção do que podemos encontrar pela frente. Literalmente, o seqüenciamento é a primeira etapa para um completo conhecimento da biologia de sistemas dos organismos", explicou.

O professor destaca que, no caso específico do seqüenciamento da Xylella, muito se aprendeu nos últimos anos: como a bactéria se alimenta, cresce, obtém alimentos essenciais, causa danos ao hospedeiro, faz simbiose com outros organismos e, agora, como ela se defende. "Sabendo como ela se defende, poderemos buscar compostos que debilitem essa rota de defesa para, quem sabe, podermos chegar a um antibiótico específico", acrescentou.

O estudo de Célia orientado por Carrilho contou com o apoio de pesquisadores e de instalações do Laboratório de Bioquímica de Microrganismos e Plantas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal, liderado pela professora Eliana Lemos, e do Grupo de Biofísica Molecular Sérgio Mascarenhas do Instituto de Física de São Carlos da USP, em parceria com a professora Ana Paula Araújo.

Dois artigos sobre a proteína com atividade de hidroxinitrila liase estão em fase final de redação para submissão a revistas científicas internacionais. Para ler a tese de doutorado Clonagem, expressão e caracterização de proteínas recombinantes de Xylella fastidiosa, clique aqui.


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