O corte seletivo descontrolado das árvores da Amazônia, aliado ao fenômeno da seca, torna a floresta mais suscetível ao fogo
(foto:LBA)
Pela primeira vez, cientistas conseguem medir o impacto real do corte seletivo de árvores na floresta amazônica e descobrem que o prejuízo para o ecossistema é muito maior do que se poderia estimar
Pela primeira vez, cientistas conseguem medir o impacto real do corte seletivo de árvores na floresta amazônica e descobrem que o prejuízo para o ecossistema é muito maior do que se poderia estimar
O corte seletivo descontrolado das árvores da Amazônia, aliado ao fenômeno da seca, torna a floresta mais suscetível ao fogo
(foto:LBA)
Agência FAPESP - A floresta amazônica volta a surpreender. Assim como a pior seca dos últimos 40 anos, as mais recentes novidades científicas sobre a região também são ruins. O impacto da ação humana, provocado pelo corte seletivo de árvores, chega a dobrar a perturbação ambiental na área, caso esse processo seja somado aos distúrbios já causados pelo desmatamento tradicional.
"Realmente, os dados causaram surpresa", informa José Natalino Silva, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental e um dos autores do artigo Selective logging in the Brazilian Amazon, publicado nesta sexta-feira (21/10), na revista norte-americana Science.
"Nós já tínhamos algumas estimativas grosseiras, calculadas pelo consumo de madeira retirada da floresta. Agora, conseguimos desenvolver uma ferramenta bastante eficiente, que poderá ser útil para estabelecer as políticas públicas da região", disse à Agência FAPESP.
Os números gerados pela nova metodologia, que consegue enxergar pelo meio das copas das árvores, são impressionantes. Entre 1999 e 2002, os dados analisados para os Estados do Acre, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima mostram que a área impactada pelo método do corte seletivo variou de 12.075 a 19.823 quilômetros quadrados. Isso equivale de 60% a 123% das áreas identificadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) como desflorestadas pelo corte intensivo de espécies de madeira, dentro do mesmo período.
"Em algumas situações, o impacto realmente dobra", afirma Silva. A situação no Mato Grosso foi a mais grave. O impacto calculado pelos pesquisadores, em toda a área, decaiu a partir de 1999, ano a ano, até 2002.
"Nosso estudo usou novas técnicas de análise de dados obtidos por satélite", explica Gregory Asner, do Instituto Carnegie da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e principal autor do artigo. "Compilamos essas informações com o que foi gerado por outros três sistemas complementares de satélite. Com isso tudo, conseguimos mapear o corte seletivo." Segundo Asner, a metodologia está baseada em técnicas avançadas de processamento computacional.
Apesar dos resultados impactantes, o pesquisador norte-americano não acredita que o método do corte seletivo de árvores, visto por muitos ambientalistas como o ideal para a exploração da madeira amazônica, tenha que ser deixado de lado. "É certo que a impressão digital humana na Amazônia está muito mais espalhada do que as pessoas imaginavam. Se o corte seletivo for feito de forma descontrolada, os impactos negativos serão grandes tanto para a sustentabilidade das atividades humanas como para toda a ecologia da região", diz.
Silva, da Embrapa, concorda. "O problema não é o método, que é bom. O risco está na visão das pessoas. Se os agricultores, principalmente do setor da soja, e os pecuaristas, por exemplo, respeitarem os 20% de reserva legal já está muito bom. O corte seletivo, como atividade madeireira em si, é positivo", explica o cientista, que é especialista em manejo vegetal.
"Coibir as ações ilegais é fundamental. Muitas das explorações detectadas pelo estudo revelam que o corte seletivo está sendo feito em reservas indígenas, por exemplo", conta. Em outras áreas da Amazônia, diz Silva, as atividades chamadas de seletivas apenas funcionam como porta de entrada para o desmatamento mais agressivo, feito para abrir pastos ou lavouras.
Seca
Enquanto o corte seletivo é uma ameaça real, mas ao mesmo tempo camuflada para a floresta e seus habitantes, a seca está muito mais explícita. Para Gregory Asner, esses dois eventos não estão desconectados. "É claro que a seca está ligada ao corte seletivo de árvores e vice-versa. Nos anos secos, por exemplo, os responsáveis por essa atividade conseguem acessar a floresta com mais facilidade", diz.
Além disso, explica o pesquisador da Universidade de Stanford, a pouca umidade e a diminuição das árvores desempenham um outro papel crítico no contexto da Amazônia. "Esses processos tornam a floresta mais suscetível à destruição pelo fogo, fenômeno que já foi estudado bastante na Indonésia", conta. Para Asner, é sabido que a exploração seletiva desenfreada altera totalmente o hábitat, seja para animais ou vegetais. "A transformação microclimática é considerável."
Depois da seca veio o impacto antrópico duplo, e agora a floresta está correndo ainda mais risco de arder em chamas. As próximas surpresas amazônicas podem continuar a ser negativas, a menos que a ferramenta tecnológica desenvolvida agora seja aplicada ao extremo. "Tudo é uma questão de consciência. É preciso reduzir o desmatamento e ao mesmo tempo preservar os espaços para a agricultura."
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