Filmes mostram trajetórias de José Carneiro da Silva Filho, Gerhard Malnic, Erney Plessmann de Camargo (foto) e Flávio Fava de Moraes
Filmes mostram trajetórias de José Carneiro da Silva Filho, Gerhard Malnic, Erney Plessmann de Camargo e Flávio Fava de Moraes
Filmes mostram trajetórias de José Carneiro da Silva Filho, Gerhard Malnic, Erney Plessmann de Camargo e Flávio Fava de Moraes
Filmes mostram trajetórias de José Carneiro da Silva Filho, Gerhard Malnic, Erney Plessmann de Camargo (foto) e Flávio Fava de Moraes
Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – Com o lançamento de uma coleção de quatro documentários, gravados em DVD, o projeto Memórias do ICB deu, no dia 25 de novembro, seu primeiro fruto.
Produzidos sob a coordenação do setor acadêmico do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), os documentários registram as trajetórias pessoais e profissionais de quatro professores eméritos do instituto: José Carneiro da Silva Filho, Gerhard Malnic, Erney Felício Plessmann de Camargo e Flávio Fava de Moraes.
“Quando realizamos nossos pós-doutorados no exterior, percebemos o quanto, fora do país, a memória das instituições acadêmicas é valorizada. Aqui, ela não o é tanto”, disse, na solenidade de lançamento, o professor Jackson Cioni Bittencourt, diretor do ICB-USP, que relatou uma história curiosa.
“Tive a sorte de fazer meu pós-doutorado no Instituto Salk, na Califórnia, onde, quando lá cheguei, em 1988, trabalhavam cinco cientistas contemplados com o Prêmio Nobel. Quando voltei, em 2011, parte do piso de travertino italiano que recobre o pátio existente entre os dois prédios principais precisou ser trocada. Vi que, a cada dia, a pilha formada pelas pedras retiradas pelos operários mexicanos diminuía um pouco. Intrigado, perguntei ao pessoal do laboratório o que estava acontecendo. E eles me responderam: ‘Para se lembrarem dos cientistas importantes que passaram por aqui, as pessoas estão recolhendo essas pedras e guardando’. É claro que eu resolvi fazer o mesmo. Mas não me contentei com isso. Um pouco me desculpando por meu pedido, solicitei ao professor Roger Guillemin, Prêmio Nobel de Medicina de 1977, que assinasse o meu pequeno bloco de pedra. Ele me disse: ‘Você não é o único louco. Eu também tenho um pedaço do Muro de Berlim na minha casa’. O fragmento de travertino, assinado pelo professor Guillemin, está em um quadro na minha sala.”
Com esse relato, Bittencourt sintetizou o significado que tem, para ele, o projeto Memórias do ICB. “Nossa intenção foi transmitir aos que estão aqui e aos que virão que há uma história a ser contada e há exemplos a serem seguidos”, disse à Agência FAPESP.
O projeto Memórias do ICB foi idealizado pelo professor Rui Curi, ex-diretor do ICB, também presente no lançamento. “Com esse projeto, quisemos não apenas preservar a memória, mas também trazer para o meio acadêmico a valorização das virtudes humanas. Nós passamos a prestar atenção naquilo que não funciona, naquilo que dá errado, no pior que existe. E deixamos de valorizar as pessoas virtuosas, como é o caso dos quatro homenageados, que são exemplos de compromisso, de conduta, de solidariedade e de tantos outros valores. Quisemos resgatar essas virtudes, na forma de testemunhos vivos”, afirmou.
Além dos quatro professores contemplados pelos documentários, outros dois professores eméritos, já falecidos, também foram homenageados pelo projeto Memórias do ICB: Alberto Carvalho da Silva e Luiz Rachid Trabulsi.
Carvalho da Silva foi diretor-presidente da FAPESP no período entre 1984 e 1993 e diretor científico de 1968 a 1969. Trabulsi notabilizou-se por suas pesquisas em microbiologia. “Ambos deram contribuições fundamentais para o Instituto de Ciências Biomédicas”, disse Bittencourt.
Dos quatro professores contemplados, apenas José Carneiro da Silva Filho não pôde comparecer ao lançamento dos documentários, por motivos de saúde. Os quatro DVDs serão distribuídos para as bibliotecas da USP e a equipe responsável estuda a possibilidade de hospedá-los no site do ICB. Seguem breves perfis dos quatro professores.
José Carneiro da Silva Filho
Nascido em 1929 em Recife (PE), casou-se com Ivany Passos Carneiro (já falecida), com quem teve a filha Ana Cristina. Uma influência muita grande em sua infância foi a da avó materna, que o ensinou a ler. E uma lição inesquecível ele recebeu de seu pai, que lhe disse: “Meu filho, nunca faça uma coisa malfeita. Ou a faça bem feita ou não faça”.
Carneiro entrou na Faculdade de Medicina de Recife, hoje pertencente à Universidade Federal de Pernambuco, com o propósito de cuidar de doentes. Mas logo começou a dar aulas a alunos que estavam atrasados ou a substituir professores que faltavam. Ao final do curso, havia dado aulas de todas as disciplinas. Convidado pelo professor Luiz Carlos Junqueira, então catedrático de Histologia na USP, transferiu-se para São Paulo.
Estagiou com o professor Charles Phillipe Leblon, na McGill University, em Montreal, no Canadá. Por iniciativa do orientador, o estágio, inicialmente previsto para durar um ano, estendeu-se por três. Nesse período, Carneiro e Leblon publicaram três trabalhos e participaram de vários congressos. De volta ao Brasil, Carneiro pôs em prática a técnica de radioautografia, que permite rastrear a função celular ao longo do tempo.
Com Luiz Carlos Junqueira, escreveu o livro Histologia Básica. Publicada em 15 línguas e várias vezes atualizada e ampliada com a colaboração de diversos autores, a obra foi incluída entre os 100 livros de maior impacto mundial para o conhecimento. É o único livro brasileiro nesse rol.
Carneiro foi diretor do ICB no período 1976-1982. E reeleito, contra a sua vontade, para o período 1993-1997. Nessa segunda eleição, recebeu todos os votos do colégio eleitoral (formado por professores, estudantes e funcionários), menos o seu.
“Hoje, os pesquisadores sofrem uma pressão muito grande para publicar. Isso causa uma distorção, porque, às vezes, o pesquisador foge de um trabalho de pesquisa que levaria mais tempo, pois deve apresentar duas, três publicações por ano. Vejo como prejudicial essa ênfase na quantidade, não se avaliando a qualidade”, afirmou no documentário.
Aposentado, Carneiro divide seu tempo entre o estudo de Histologia, a leitura e a prática da fotografia, à qual se dedica com zelo científico.
Gerhard Malnic
Casado com Margot Petry Malnic, é pai de Beatriz e Bettina. Nasceu em 1933 em Milão, na Itália, de pais austríacos e chegou ao Brasil com 4 anos.
“Quando eu estava com 6 ou 7 anos, meu pai comprou um terreno no bairro do Pacaembu, em São Paulo, o mesmo onde fica a casa em que moro até hoje. E fez, para mim, um pequeno laboratório de Química no porão. Eu gostava de fazer experimentos de Química, misturar substâncias, obter mudanças de cores”, afirmou no documentário.
Inicialmente, Malnic pensou em seguir a carreira do pai, que era químico. Mas, atraído pelo nível do ensino oferecido na Faculdade de Medicina da USP, considerada a melhor da América Latina, decidiu prestar exame vestibular para essa instituição. Entrou em primeiro lugar.
Depois de formado, sob a orientação do professor Alberto Carvalho da Silva, desenvolveu um método fluorimétrico de dosagem da tiamina, popularmente conhecida como vitamina B1. Como não havia pós-graduação no Brasil naquela época, obteve, em 1961, uma bolsa da Rockefeller Foundation para aprimoramento nos Estados Unidos. Em Nova York, trabalhou como o professor Gerhard Giebisch, que estava começando a fazer estudos em micropunção renal na Cornell University. “Ele foi o pioneiro nessa área. Publicamos juntos trabalhos seminais em fisiologia renal. Continuei a colaborar com ele durante muitos anos, quase até hoje”, disse.
Malnic foi diretor do ICB no período 1989-1993 e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP de 2000 a 2003. À frente do Laboratório de Fisiologia Renal do ICB, formou várias gerações de pesquisadores, destacando-se, entre eles, Francisco Lacaz Vieira (professor titular aposentado do ICB) e Margarida de Mello Aires (professora titular sênior do ICB).
Violinista e admirador inveterado de óperas, continua comparecendo diariamente ao laboratório, apesar de aposentado. Quando sua filha Beatriz perguntou em que a aposentadoria havia mudado sua vida, respondeu: “Bom, eu trabalhava das 8h às 18h; agora, trabalho das 9h às 17h”.
Erney Felício Plessmann de Camargo
Nascido em Campinas (SP) em 1935, é casado com Marísis Camargo Aranha e pai de quatro filhos, todos eles doutores.
A primeira influência que recebeu foi a do pai, que, exercendo a profissão de bancário e levando uma vida modesta, era um intelectual autodidata. No curso científico, o professor Albrecht Tabor despertou seu interesse pela História Natural. E, impulsionado pelo professor Jaci Pinheiro, ele se tornou um leitor voraz da literatura brasileira, de José de Alencar a Graciliano Ramos, passando pelas obras completas de Machado de Assis e Jorge Amado.
O Brasil de 1953, ano em que ingressou na Faculdade de Medicina da USP, era, segundo suas palavras, “um país ameaçado por três endemias: a doença de Chagas, a malária e a esquistossomose”. E isso o motivou a estudar Parasitologia.
A liberdade política e a efervescência intelectual dos “Anos Juscelino” (1956 – 1961) foram marcantes em sua formação acadêmica. Pouco assistia às aulas teóricas, porque achava e continua achando que poderia aprender nos livros tudo o que era ensinado. Mas se interessava pelo Laboratório de Parasitologia, onde estavam Luís Hildebrando Pereira da Silva, Vitor Nussenzweig, Ruth Nussenzweig, e, sobretudo, Samuel Pessoa, com Leonidas Deane e Maria Deane. “Era um grupo como não houve outro igual neste país por muito tempo”, disse.
Segundo recordou, o entusiasmo estava disseminado pela faculdade toda. Na Bioquímica, com Isaias Raw, Ricardo Brentani e Walter Coli. Na Fisiologia, com Gerhard Malnic, Maurício Rocha e Silva e Thomas Maack. Na Histologia, com Luiz Carlos Junqueira, Michel Rabinovich, Nelson Fausto e Sérgio Ferreira. “Nós constituíamos um grupo extremamente ativo. A política nos dividia: havia os de extrema direita, os de extrema esquerda e os simplesmente de esquerda. Mas nossas reuniões não eram políticas; eram de deslumbramento com a nova ciência.”
Seu primeiro trabalho independente, publicado em 1964, sobre o crescimento e a diferenciação do Trypanosoma cruzi, tornou-se uma referência na Parasitologia.
Erney estava começando a trabalhar em bioquímica de ácidos nucleicos quando ocorreu o golpe militar de 1964. Cassado, com outros professores, pelo Ato Institucional Número 1, teve de abandonar a USP. E foi para os Estados Unidos, a convite de Walter Plaut, onde permaneceu por cinco anos na Universidade de Wisconsin, em Madison, e publicou três artigos importantes.
De volta ao Brasil em 1969, foi preso por motivos políticos no ano seguinte. Libertado, lecionou por 15 anos na Escola Paulista de Medicina, hoje incorporada à Universidade Federal de São Paulo. Retornou à USP em 1985, como professor titular, onde revitalizou o Departamento de Parasitologia, que estava decadente.
Entre vários cargos que exerceu, foi pró-reitor de Pesquisa da USP por três mandatos, diretor do Instituto Butantan e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
À frente do Laboratório de Parasitologia do ICB, engajou-se no estudo da malária em Rondônia, durante os anos 1990, dando importante contribuição científica para o combate à doença. Com mais de 150 trabalhos publicados, mantém, embora aposentado, intenso ritmo de trabalho, coordenando uma pesquisa sobre a evolução da família de parasitas à qual pertence o Trypanosoma cruzi, que possui centenas de espécies distribuídas pelo mundo. Quando comparece pontualmente ao laboratório, lembra-se sempre de uma frase do professor Leonidas Deane: “Ainda bem que existe a segunda-feira”.
Flávio Fava de Moraes
Nascido em Lins (SP) em 1938, é casado com Enice Sala Fava de Moraes, e pai de Marcelo e Ana Paula.
Viveu o início de sua adolescência em São José do Rio Preto, São Paulo. Aos 14 anos, passou a morar sozinho em São Paulo, para estudar nos colégios Arquidiocesano e Liceu Pasteur, no bairro de Vila Mariana. Seguindo o exemplo de seu tio, Palmiro Fava, professor da Faculdade de Odontologia da USP, ingressou nessa instituição na década de 1950. Mas, já na passagem do primeiro para o segundo ano, tornou-se monitor da então cátedra de Histologia.
“Ao olhar frequentemente ao microscópio, senti que, ali, havia um mundo bastante peculiar, aquele que não se via a olho nu, mas que podia ser entendido por meio da microscopia. Então, eu me encantei com a Histologia e resolvi que a minha vida seria fazer carreira universitária.”
Ainda como estudante, escreveu um trabalho publicado em revista internacional de Histoquímica. E a presidência do Centro Acadêmico da Faculdade de Odontologia deu-lhe a primeira experiência em gestão pública.
Em 1961, enquanto estagiava no Rio de Janeiro, foi convidado a ocupar uma das novas vagas criadas na Faculdade de Odontologia da USP e passou a se dedicar exclusivamente ao Departamento de Histologia, dividindo seu tempo entre pesquisas, publicações de artigos e orientações de alunos. Suas teses de doutorado e livre-docência tiveram grande repercussão internacional.
No início da década de 1970, fez seu pós-doutorado na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, a convite do professor Burton Lowell Baker, então a pessoa mais influente na área de imunoistoquímica.
Aos 41 anos, contra suas expectativas, foi eleito diretor do ICB, cargo que exerceu de 1982 a 1986. O ICB estava ainda em fase de criação e seus departamentos eram espalhados por várias localidades. Sua missão foi agregar os componentes do novo instituto. Simultaneamente, exerceu a diretoria da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest). Assim que terminou essas gestões, foi indicado para dirigir a Diretoria Científica da FAPESP, onde permaneceu por nove anos.
“Na FAPESP, minha principal contribuição foi criar o conceito de que as pesquisas individuais já tinham cumprido um papel. E que era preciso complementá-las com atividades coletivas. Assim, foram criados os projetos temáticos, que são atividades mais robustas, agregando pessoas de diferentes áreas em torno de uma temática comum. Outra coisa foi convencer o Conselho Superior da FAPESP da necessidade de aportar recursos para melhorar a infraestrutura dos locais onde eram realizadas as pesquisas”, disse à Agência FAPESP.
Fava precisou encerrar prematuramente sua atividade como diretor científico da FAPESP para assumir a reitoria da USP. Com o término de sua gestão uspiana, foi convidado pelo então governador Mario Covas a ser o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. E, pouco depois, para dirigir a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).
Com mais nove anos à frente da Fundação Faculdade de Medicina da USP, Fava já acumulou já 32 anos em funções de gestão.
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