Pesquisadores da Unicamp descrevem a participação da mitocôndria no estresse oxidativo, um dos responsáveis pelo depósito de colesterol nos vasos sangüíneos. Trabalho abre perspectivas para desenvolvimento de fármacos (fofo: Unicamp)

Disfunções na usina celular
18 de abril de 2007

Pesquisadores da Unicamp descrevem a participação da mitocôndria no estresse oxidativo, um dos responsáveis pelo depósito de colesterol nos vasos sangüíneos. Trabalho abre perspectivas para desenvolvimento de fármacos

Disfunções na usina celular

Pesquisadores da Unicamp descrevem a participação da mitocôndria no estresse oxidativo, um dos responsáveis pelo depósito de colesterol nos vasos sangüíneos. Trabalho abre perspectivas para desenvolvimento de fármacos

18 de abril de 2007

Pesquisadores da Unicamp descrevem a participação da mitocôndria no estresse oxidativo, um dos responsáveis pelo depósito de colesterol nos vasos sangüíneos. Trabalho abre perspectivas para desenvolvimento de fármacos (fofo: Unicamp)

 

Por Murilo Alves Pereira

Agência FAPESP – Um grupo de pesquisadores do Departamento de Patologia Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) concluiu a primeira fase de um estudo que tem como objetivo entender a ocorrência de um fenômeno responsável pelo entupimento de vasos sangüíneos pelo colesterol: o estresse oxidativo no interior das mitocôndrias. O resultado pode levar ao desenvolvimento de medicamentos que combatam processos causadores do colesterol elevado.

O médico bioquímico Anibal Vercesi, coordenador da pesquisa, estuda há 30 anos a mitocôndria, organela celular responsável pela energia necessária para o funcionamento do corpo humano. O pesquisador, cujos estudos anteriores ajudaram a entender como a mitocôndria pode desencadear a morte celular, é conhecido no meio acadêmico pelo grande número de citações recebidas pelos artigos que publicou: mais de 5,5 mil.

Iniciada em 2004, com apoio da FAPESP na modalidade Projeto Temático, a primeira fase da pesquisa sobre a mitocôndria procurou compreender os efeitos causados por um "produto colateral" da respiração celular, o oxigênio reativo. A segunda etapa começou este mês.

Os cientistas utilizaram camundongos geneticamente modificados, desprovidos da capacidade de captar o colesterol do sangue. Para sintetizar o próprio colesterol, as células usam uma enzima antioxidante e acabam levando ao surgimento dos radicais livres. Esses, por sua vez, interagem com o colesterol que deixou de ser captado pela célula, potencializando o problema. Em contato com o radical, o colesterol se adere na parede do vaso sangüíneo.

"Nossa primeira questão foi descobrir se esse estresse oxidativo era causado pela mitocôndria. A conclusão foi que sim", disse Vercesi à Agência FAPESP, explicando que o estresse ocorre devido a uma deficiência da célula em retirar o colesterol do sangue.

A mitocôndria é uma organela celular que, com o uso do oxigênio da respiração, converte a energia dos alimentos em energia química (ATP), vital às atividades celulares. Uma pequena parte do oxigênio que inspiramos se transforma, na cadeia respiratória da mitocôndria, em oxigênio reativo, um tipo de radical livre.

Vercesi explica que uma das causas da formação do radical livre é o alto nível de oxigênio no interior da célula, sinal de que a mitocôndria não está gastando o elemento na produção de energia, o que é comum em pessoas sedentárias. Para combater esse radical, a mitocôndria utiliza dois átomos de hidrogênio cedidos por uma coenzima, a NADPH2. A reação química transforma o oxigênio reativo em água.

"Mas células com deficiência na absorção do colesterol precisam produzi-lo para satisfazer suas necessidades internas", disse o cientista. Para isso, usam como matéria-prima boa parte do estoque de NADPH2. Na falta do precioso hidrogênio antioxidante, os radicais de oxigênio ficam livres para reagir com o que encontram pela frente, inclusive com o colesterol que não foi absorvido pela célula.

A reação do radical livre potencializa a deposição de placas de colesterol nas paredes do vaso. "O vaso sangüíneo lesado se assemelha a um cano todo enferrujado por dentro", comparou Vercesi. A obstrução da passagem de sangue nos vasos pode ocasionar problemas como isquemias e infarto do miocárdio.

Para entender o processo de aterogênese – a instalação da aterosclerose – a equipe utilizou camundongos modificados geneticamente, incapazes de captar o colesterol do sangue. Segundo Vercesi, o mesmo problema é comum em humanos com colesterol alto.


Carro desregulado

Outra etapa do estudo analisou os efeitos de altas taxas de triglicérides no organismo. Foi observado em camundongos com níveis elevados dessa gordura na corrente sangüínea um aumento na temperatura corporal e no ritmo da respiração, sinal da atividade da mitocôndria.

"Os animais comiam bastante e não engordavam", disse Vercesi. Isso teria ocorrido devido à ativação de mecanismos presentes na membrana da mitocôndria, os canais de potássio. "Esses canais funcionam como dissipadores de energia", resumiu.

Ao ser acionado, o canal permite a entrada de potássio de carga positiva (K+) para o interior da mitocôndria, reduzindo o potencial elétrico utilizado na fabricação do ATP. Com isso, a mitocôndria precisa de mais oxigênio e alimento para transformar em ATP.

"É como um carro desregulado que, em vez de fazer 15 quilômetros com um litro de gasolina, faz apenas 10", comparou Vercesi. A mitocôndria se desregula propositalmente, esvaindo potencial elétrico com a entrada do K+ para queimar mais combustível, o excesso de triglicérides. Gastando mais combustível, os camundongos não engordavam.

A equipe estuda agora a possibilidade de o canal funcionar também como um inibidor da produção de oxigênio reativo, ao induzir o aumento do trabalho da mitocôndria. Esse trabalho pode levar ao desenvolvimento de medicamentos que estimulem a respiração celular.

"Para tratar uma doença é preciso saber como ela funciona", disse Vercesi, defendendo o papel da pesquisa básica para entender as causas das enfermidades, principalmente doenças freqüentes na vida moderna, como obesidade, pressão alta e a aterosclerose.


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