Pesquisadora, em tese aprovada na USP, defende uma visão interdisciplinar para o direito comercial (foto: arq. pessoal)

Direito para o mundo real
12 de julho de 2005

Segundo tese defendida na USP, que se apóia no conceito do "direito e economia" para analisar o desenvolvimento do mercado de capitais, a predominante visão neoclássica barra o fluxo de investimentos no Brasil

Direito para o mundo real

Segundo tese defendida na USP, que se apóia no conceito do "direito e economia" para analisar o desenvolvimento do mercado de capitais, a predominante visão neoclássica barra o fluxo de investimentos no Brasil

12 de julho de 2005

Pesquisadora, em tese aprovada na USP, defende uma visão interdisciplinar para o direito comercial (foto: arq. pessoal)

 

Por Eduardo Geraque

Agência FAPESP - No caso do direito comercial, adequar a legislação de um país ao cotidiano dos negócios deveria ser sempre o principal objetivo dos legisladores. O problema, conforme mostra uma tese de doutorado que acaba de ser aprovada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é que, quando a visão neoclássica impera, o deslocamento da realidade é quase inevitável.

"Esse modelo tradicional não leva em conta as implicações do direito para a economia", afirma Érica Gorga, autora do estudo, à Agência FAPESP. Por causa disso, a recém-doutora e pesquisadora da Nova Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas optou por um caminho novo em termos de Brasil.

A pesquisadora usou o conceito do "direito e economia" – ou "law and economics" em inglês – para investigar em que medida a lei das sociedades anônimas promove o desenvolvimento do mercado brasileiro de capitais. Os conflitos encontrados por Érica, que foi convidada pela Escola de Direito da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, para dar um curso no primeiro semestre de 2006, não foram insignificantes.

"O direito é um dos principais fatores que poderia determinar, por exemplo, o processo de desenvolvimento do mercado de capitais ao assegurar a proteção aos acionistas minoritários, criando um ambiente adequado para a pulverização de ações e o crescimento do mercado", afirma Érica. Segundo ela, a atual Lei das Sociedades Anômimas, de 2001, não mudou o status quo. "Um dos problemas, por exemplo, é a questão dos benefícios privados de controle", explica.

Segundo a pesquisadora, os donos das ações ordinárias (com direito a voto) majoritárias acabam usando o poder de decisão da sociedade de modo a se beneficiar. Parte do lucro que também poderia ser repassada aos minoritários é usada para pagamentos de benefícios aos controladores, como veículos e outras facilidades, que acabam significando uma distribuição indireta de dividendos.

Como ações com direito a voto também não são distribuídas no mercado de capitais com freqüência – mas eventuais compradores da empresa vão pagar prêmios maiores por elas –, todos os benefícios ficam com os principais acionistas, com poder de voto.

"A nova lei chegou a determinar que ocorresse uma redução na emissão de ações sem direito a voto, para que as de outro tipo tivessem um aumento. Mas ela fez isso apenas para as novas empresas que decidirem abrir seus capitais. As antigas, que já são sociedade anônima, poderia permanecer no regime antigo", explica Érica.

De acordo com ela, em termos gerais o problema é que o direito acaba não absorvendo, nem no momento de escrever a lei nem na hora de interpretar o texto legal, as nuances da microeconomia. "O direito, é preciso que se tenha em mente cada vez mais isso, tem um grande impacto na economia. Por isso, a visão deve passar a ser interdisciplinar."

A análise feita na tese, que detectou outros problemas como a questão da transparência das sociedades no mercado de capitais, e também alguns avanços como o aumento do poder de voz de minoritários, provocou um desdobramento interessante. Para Érica, é importante que as abordagens do direito levem em consideração determinadas regras sociais, formadas pela cultura e ideologia.

"Na nossa sociedade ainda estamos muito presos às relações sociais de parentesco, de amizade. Isso impede o desenvolvimento de relações impessoais, a circulação de bens e o crescimento econômico", afirma.


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