A surucucu (Lachesis muta) possui veneno com relativa baixa toxicidade, mas injeta uma grande quantidade nas vítimas, o que a torna tão perigosa (Foto: Sávio Stefanini Sant' Anna/Instituto Butantan)
Fragmentos de toxinas hemorrágicas com possível ação anti-hipertensiva foram encontrados por pesquisadores da Unifesp e do Instituto Butantan no veneno da jararaca-de-barriga-preta, do Sul do Brasil, e da surucucu, presente em florestas da América do Sul. Moléculas podem dar origem a medicamentos com menos efeitos colaterais
Fragmentos de toxinas hemorrágicas com possível ação anti-hipertensiva foram encontrados por pesquisadores da Unifesp e do Instituto Butantan no veneno da jararaca-de-barriga-preta, do Sul do Brasil, e da surucucu, presente em florestas da América do Sul. Moléculas podem dar origem a medicamentos com menos efeitos colaterais
A surucucu (Lachesis muta) possui veneno com relativa baixa toxicidade, mas injeta uma grande quantidade nas vítimas, o que a torna tão perigosa (Foto: Sávio Stefanini Sant' Anna/Instituto Butantan)
André Julião | Agência FAPESP – Os venenos dos animais que ocorrem no Brasil continuam sendo uma fonte de novas descobertas com potencial biotecnológico. Dois trabalhos com apoio da FAPESP publicados recentemente mostram como isso é possível mesmo em espécies relativamente bem estudadas, como a jararaca-de-barriga-preta, ou cotiara (Bothrops cotiara), e a surucucu (Lachesis muta).
“Os venenos não cansam de nos surpreender. Mesmo com tantos dados já disponíveis, há outras possibilidades de descoberta, como fragmentos difíceis de se prever, que são parte de proteínas já conhecidas. Apesar de tanta tecnologia disponível, ainda há muito a ser estudado nessas toxinas”, conta Alexandre Tashima, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) apoiado pela FAPESP, que coordenou os estudos.
O pesquisador se refere ao novo peptídeo (fragmento de proteína) identificado no veneno da cotiara, batizado de Bc-7a. Apesar de fazer parte de uma proteína que causa hemorragia nas presas da serpente, sua função está mais próxima à de peptídeos como os que deram origem ao medicamento captopril, de inibir a enzima conversora da angiotensina (ACE) e, com isso, reduzir a pressão arterial.
Os resultados foram publicados na revista Biochimie.
A busca por novas moléculas inibidoras da enzima conversora de angiotensina, por mais que já existam medicamentos que realizem essa função, se dá, em parte, pela demanda por reduzir os efeitos colaterais do tratamento, como tosse seca, tonturas e excesso de potássio no sangue.
O peptídeo é um dos 197 revelados no estudo, 189 deles reportados pela primeira vez. Em um trabalho de 2012, o grupo havia encontrado 73 peptídeos no veneno da mesma espécie.
Segundo os autores, a diferença se deu pelos equipamentos usados no trabalho atual, mais rápidos e sensíveis dos que os disponíveis mais de uma década atrás. Além disso, hoje há maior disponibilidade de sequências de peptídeos da espécie presentes em bancos de dados.
Em outros trabalhos, o grupo de Tashima já havia encontrado moléculas com potencial biotecnológico nos venenos de outras serpentes e de aranhas (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/34586/ e https://agencia.fapesp.br/40536/).
Surucucu
No estudo da peçonha da surucucu, publicado na revista Biochemical and Biophysical Research Communications, 151 peptídeos foram identificados, 126 deles reportados pela primeira vez.
O que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi o fragmento nomeado Lm-10a, também por conta de ser um fragmento de toxina hemorrágica, pelo potencial de inibir a enzima conversora de angiotensina e, consequentemente, ter um possível efeito anti-hipertensivo.
A partir das análises, os pesquisadores sugerem que tanto Lm-10a, da surucucu, quanto Bc-7a, da cotiara, são frutos de processos de fragmentação que ocorrem durante a maturação do veneno, ainda nas glândulas de peçonha das serpentes. Por isso, as toxinas seguem sendo uma fonte quase inesgotável de novos peptídeos.
“Nesse tipo de análise, a sequência de proteínas que se obtém é apenas um retrato daquele momento. Na verdade, o tempo todo ocorrem processos como clivagens, degradação por enzimas, entre outros, que geram novos peptídeos nem sempre detectados”, explica Tashima.
Os pesquisadores ressaltam que são necessários outros estudos para verificar o real potencial dos peptídeos encontrados. Além disso, a natureza dinâmica da maturação das toxinas demonstra que as serpentes peçonhentas empregaram vários mecanismos biológicos ao longo da evolução para refinar seu veneno.
“A despeito do avanço das tecnologias de sequenciamento e da geração de grandes quantidades de dados nos anos recentes, um vasto universo de peptídeos e seus papéis biológicos ainda estão para ser descobertos. Temos que aproveitar a sorte de poder estudar essas espécies, pois muitas devem ter sido extintas antes mesmo de serem conhecidas”, reflete o pesquisador.
Os estudos estão disponíveis na íntegra apenas para assinantes. O trabalho A novel metalloproteinase-derived cryptide from Bothrops cotiara venom inhibits angiotensin-converting enzyme activity está em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0300908423002730
Já o artigo Unveiling the peptidome diversity of Lachesis muta snake venom: Discovery of novel fragments of metalloproteinase, l-amino acid oxidase, and bradykinin potentiating peptides pode ser lido em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0006291X23011749.
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