Questão social dominou o debate de abertura do ciclo de 16 seminários sobre os desafios brasileiros no século 21, na FEA-USP (Foto: Retirantes, de Candido Portinari)

Desafios da inclusão
08 de março de 2007

FEA-USP inicia ciclo de 16 seminários sobre os desafios brasileiros no século 21, com coordenação de Delfim Netto. Em debate de abertura, questão social foi apontada como prioritária para agenda econômica

Desafios da inclusão

FEA-USP inicia ciclo de 16 seminários sobre os desafios brasileiros no século 21, com coordenação de Delfim Netto. Em debate de abertura, questão social foi apontada como prioritária para agenda econômica

08 de março de 2007

Questão social dominou o debate de abertura do ciclo de 16 seminários sobre os desafios brasileiros no século 21, na FEA-USP (Foto: Retirantes, de Candido Portinari)

 

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – O Brasil precisa voltar a crescer, mas o grande desafio da economia é melhorar as condições sociais do próprio brasileiro. Esse foi o consenso entre os especialistas que participaram, nesta quarta-feira (7/3), do seminário de abertura do ciclo O Brasil no Século 21: uma visão geral da situação atual e os desafios de médio e longo prazo, realizado na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Coordenado por Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, o ciclo de 16 seminários quinzenais se estenderá até o fim do ano, discutindo problemas estruturais da economia brasileira e estratégias para acelerar o crescimento, de acordo com o chefe do Departamento de Economia da FEA-USP, Joaquim Guilhoto.

"A FEA-USP sempre foi referência na pesquisa na área econômica, mas há algum tempo estávamos muito encerrados na teoria. O objetivo do ciclo de seminários é retomar a longa tradição da escola na discussão da realidade que vivemos. Queremos incentivar o diálogo entre a pesquisa científica e a sociedade", disse Guilhoto à Agência FAPESP.

Além de Delfim Netto, participaram do debate introdutório os professores João Sayad e Adroaldo Moura da Silva, da FEA-USP, além de Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor titular aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Sayad, que atualmente é secretário de Cultura do Estado de São Paulo, foi enfático ao identificar as prioridades do país: "Nosso desafio é tirar 60 milhões de pessoas da pobreza e incorporar 20 milhões de desempregados ao mercado de trabalho. Hoje, temos praticamente dois países dentro do Brasil, com uma maioria excluída. Isso gera violência e ameaça a estabilidade política", disse.

Décadas atrás, segundo Sayad, acreditava-se que o crescimento dos países em desenvolvimento ocorreria com o incremento tecnológico da agricultura, que levaria a mão-de-obra para os setores industriais urbanos. Mas o processo foi interrompido no meio, devido a uma série de fatores, impedindo o crescimento e causando bolsões de pobreza.

O professor observou que o baixo crescimento econômico do país é um fenômeno recente, embora já dure demasiadamente. "O Brasil, que tinha tradição como um país que crescia rapidamente, ficou estagnado nos últimos 12 anos, com uma política macroeconômica de câmbio sobrevalorizado e juros dogmáticos", afirmou.

Na avaliação de Delfim Netto, os palestrantes demonstraram que a ciência econômica não deveria se afastar da preocupação social. "Estamos aqui fazendo uma crítica profunda à própria cultura econômica e buscando a introdução de um senso de humanismo em uma teoria que se matematizou demais", disse.

O ex-ministro, assim como os outros participantes, enfatizou a importância do estado na economia. De acordo com ele, o mercado é um sistema de competição terrível e desumano, a não ser que os competidores partam do mesmo patamar. "A idéia de que o Estado é irrelevante é um dos maiores absurdos. Nem acredito que alguém tenha defendido isso um dia. Economia de mercado exige um Estado forte para dar um mínimo de moralidade, com igualdade de oportunidades para todos os cidadãos", disse.

O economista apontou que o ponto fundamental da situação econômica brasileira é a carga tributária, que chega a quase 35% do PIB, enquanto o PIB per capita atinge US$ 8,5 mil anuais.

"O problema da distribuição de renda não é econômico, é social. O que a economia tem que mostrar é a relação entre esses dois processos. Nenhum país do mundo tem carga tributária acima de 30% e, ao mesmo tempo, PIB per capita abaixo de US$ 10 mil por ano", afirmou.


Estado investe pouco

Para Adroaldo Moura da Silva, que é pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários, o desafio brasileiro consiste em superar os entraves para a melhoria na qualidade de vida da força de trabalho. "A distribuição de renda e a herança escravocrata das favelas não nos orgulham. As periferias de qualquer grande cidade brasileira mostram o mesmo cenário de miséria e pobreza. Esse é o desafio do século", disse.

Moura da Silva apontou que o crescimento da economia só ocorrerá com aumento do capital físico, melhora da infra-estrutura social e qualificação da mão-de-obra. "Acredito que o problema central é recuperar a capacidade de investimento do setor público, que tem papel fundamental em certos setores, inclusive infra-estrutura básica. Não se pode enfrentar carências sociais com investimento público de 0,25% do PIB", defendeu.

O economista declarou que o país tem um problema crônico de déficit nominal que diminui sua capacidade de investimento. "É preciso ter clareza de que queremos um Estado forte, que cumpra seu papel na área regulatória, que invista em infra-estrutura e que não crie instabilidade tributária para quem quer aumentar o capital físico."

Luiz Gonzaga Belluzzo também defendeu que o Estado precisa recuperar sua capacidade de investir. "A economia não pode prescindir do investimento público, que hoje é muito baixo. O investimento do setor público foi achatado sob o pretexto errôneo de que o mercado seria auto-suficiente", disse.

Para Belluzzo, é preciso que os pesquisadores aprendam com o passado e vejam a importância da articulação entre Estado e empresariado. "Temos que olhar para trás e ver que, na época do crescimento, os setores público e privado se comportavam de forma coordenada. Muitas vezes nossas análises se concentram nos fatores macroeconômicos, mas deixam de olhar o aspecto estrutural dos mecanismos de governança", afirmou.

Belluzzo alertou para a necessidade de visão crítica por parte dos economistas. "A idéia de que a globalização poderia ser boa para todos é ingênua, mas foi incorporada ao receituário do início dos anos 1990. Os erros cometidos naquela década decorreram de uma perda de capacidade crítica da sociedade e dos economistas. Se tivessem olhado para trás, veriam que o crescimento, por si só, não é capaz de resolver problemas sociais."


  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.