Cinco eventos on-line reuniram especialistas para analisar o impacto do modernismo na vida cultural, acadêmica e artística do país. Debates foram registrados em vídeos (imagem: reprodução)

Debate sobre o potencial da pesquisa acadêmica em artes encerra seminário sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna
04 de março de 2022

Cinco eventos on-line reuniram especialistas para analisar o impacto do modernismo na vida cultural, acadêmica e artística do país. Debates foram registrados em vídeos

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04 de março de 2022

Cinco eventos on-line reuniram especialistas para analisar o impacto do modernismo na vida cultural, acadêmica e artística do país. Debates foram registrados em vídeos (imagem: reprodução)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Os cursos de pós-graduação em artes no Brasil cresceram de um para 70 nos últimos 50 anos. Os desafios e as oportunidades para a pesquisa acadêmica na área foram o tema de uma mesa-redonda que encerrou, no dia 18 de fevereiro, o ciclo de eventos on-line “100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura”, promovido pela FAPESP.

Sob a coordenação da professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maria de Fátima Morethy Couto, os três debatedores procuraram responder a uma pergunta não dita, mas claramente presente: “e, agora, o que fazer?”.

Com o objetivo de colocar o assunto em números, Vera Beatriz Siqueira, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora da área de artes na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), apresentou, em gráfico, a curva ascendente dos cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras. Do primeiro curso de mestrado, criado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) em 1972 e oficializado em 1974, a área cresceu consistentemente, apresentando, hoje, 70 programas, entre mestrado e doutorado. Embora fortemente concentrados no Sudeste, os cursos estão presentes em todas as macrorregiões do país.

“Há duas características que devemos destacar. Em primeiro lugar, a área de artes é recente no sistema nacional de pós-graduação, especialmente em comparação com outras mais consolidadas, não apenas em ciências exatas e ciências da vida, mas até entre as chamadas ciências humanas e sociais. Em segundo lugar, é uma área em franca expansão. Enquanto outras encontram-se atualmente em momentos de fusão ou mesmo de encerramento de programas, a gente ainda vive o processo de crescimento e especialização em artes”, disse Siqueira.

Em resumo, o campo das artes ingressou na academia. A questão, que foi tratada pelos apresentadores seguintes, é saber se isso é bom ou ruim. A pergunta não é, de forma alguma, retórica.

“Se a área cresceu tanto, como a Vera mostrou, é porque tem muita coisa para se pesquisar”, comentou Renato Ferracini, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais (Lume) da Unicamp. Apoiando-se em ideias dos filósofos franceses Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992), Ferracini associou os atos de pensar e criar, e contestou a visão de que os artistas criam, os filósofos pensam e os cientistas matematizam o pensamento.

“Todos os três criam e pensam, porque pensar e criar é um ato de violência. Não a violência no sentido da morte, mas a violência do parto, da semente que explode, da onda que bate na pedra e gera a areia que vai fazer a praia, a violência da construção da vida”, afirmou.

Para o artista e pesquisador, a ciência mergulha no caos e traz funções matemáticas; a filosofia mergulha no caos e traz conceitos; a arte mergulha no caos e traz monumentos de sensação, o enquadramento do próprio caos, a vibração que acontece entre os corpos.

“Para tanto é necessária toda uma materialidade, que constitui uma primeira camada de pesquisa. Como é essa materialidade? Como é essa técnica? Mas isso não basta. E preciso ir além e perguntar como essa técnica entra na sensação e constrói poesia a partir da materialidade. E isso já abre uma segunda camada, uma fortuna crítica do pensamento nas artes. Mas a coisa também não para aí. É preciso saber como essa camada conversa com a atualidade, com o estado de coisas presente. Ela conversa a partir de uma perspectiva ética”, argumentou Ferracini.

E continuou: “Aqui eu quero chamar Spinoza [o filósofo holandês de origem sefardita portuguesa Baruch de Espinosa (1632-1677)] para dizer que essa é uma ética da alegria, que amplia a capacidade de vida, de estar e agir no mundo. E isso abre ainda outro universo de pesquisa, que é o das relações da arte com a sociedade, das relações da arte com a política, de sua capacidade de promover quebras de hegemonia e de criar outras relações e outras operações afetivas do estar no mundo”.

O terceiro palestrante, Fernando Iazzetta, professor do Departamento de Música da ECA-USP e coordenador do Núcleo de Pesquisas em Sonologia (NuSom), mostrou que essa incorporação fecunda da pesquisa em artes à universidade não está livre de contradições.

“Há uma tensão entre arte e pesquisa. A gente pode datar a percepção dessa tensão, desse incômodo, no final dos anos 1980 e nos anos 1990. Para falar dela, devemos retomar uma divisão didática em três blocos. O da pesquisa sobre as artes, em que estas são tomadas como objeto por disciplinas externas ou internas ao campo artístico. O da pesquisa para as artes, que apresenta forte relação com a tecnologia, a produção de pigmentos para pintura, a criação de mídias digitais. A tensão aparece quando consideramos o terceiro polo, que é o da pesquisa artística propriamente dita. Nesta, a arte é vista em si mesma como uma forma de produção de conhecimento – não necessariamente filiada a regras canônicas baseadas no racionalismo”, expôs Iazzetta.

De acordo com o pesquisador, a tensão surge quando o fazer prático das artes, como forma de pesquisa, passa a habitar o ambiente universitário. “A normatização da pesquisa artística não vai moldar a conduta dos artistas, adequando-os a demandas burocráticas e às regras impostas pelas instituições acadêmicas e pelas agências de fomento?”, perguntou. E lembrou que, em uma tentativa de crítica e autocrítica, a Society for Artistic Research promoveu, em 2018, uma conferência com o tema “A pesquisa artística vai devorar a si mesma” (Artistic research will eat itself).

“Toda arte é pesquisa. Então, qual é o problema que se coloca pela presença da arte na academia? A questão é política. É o porquê. A arte se vê privada de suas forças mais potentes quando precisa se apresentar meramente como um instrumento de ação social, um recurso terapêutico ou uma atividade econômica”, sublinhou.

Iazzetta enfatizou que “estamos hoje em um momento mais do que propício para refletir sobre a inclusão de novas formas de saberes na academia, formas que sejam distintas dos modelos apoiados em uma lógica racional, logocêntrica, modelos que, muitas vezes assumidos como universais, acabam por ofuscar outros modos de se entender e de estar no mundo”.

E acrescentou: “Em uma época em que a gente passa por uma crise ética, uma época de descrença na ciência, de intolerância em relação às diferenças, me parece fundamental ampliar a perspectiva de atuação da academia para além dos dados e das medições, dos registros e das sistematizações. É preciso dar espaço também para aquilo que às vezes escapa à objetividade, que tem sido chamado de pensamento radical, assim como o que conhecemos com os nossos corpos e percebemos por meio de insights, desvios, devaneios, intuições. Ou seja, é preciso que a gente promova uma espécie de descolonização do conhecimento e ocupe as lacunas do sensível, do subjetivo, do místico. E preencha esses vazios não apenas com arte, mas com tantas outras formas criativas e positivas de se fazer e de conhecer, como um antídoto para represar o transbordamento que temos visto de outras forças, negativas, que se espalham com muita facilidade, como a intolerância, a ignorância e a violência”.

Centenário em vídeos

O ciclo “100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura” reuniu especialistas numa série de debates sobre a contribuição do modernismo para a literatura, as artes visuais, a música e o cinema.

A série teve início no dia 16 de fevereiro, com a 8ª Conferência FAPESP 60 anos, cujo tema foi “O Modernismo no Contexto dos Estudos Brasileiros e da Agenda Cultural”. Participaram Telê Ancona Lopez (USP), Jacqueline Penjon (Universidade da Sorbonne Nouvelle, na França) e Walnice Nogueira Galvão (USP), com moderação de Flávia Camargo Toni (USP).

No mesmo dia, foi realizada a mesa-redonda “Escritas, arquivos e ressignificações”, com Marcos Antonio de Moraes (USP), Lígia Fonseca Ferreira (Universidade Federal de São Paulo - Unifesp) e Pedro Meira Monteiro (Princeton University, Estados Unidos). A moderação foi de Mirhiane Mendes de Abreu (Unifesp).

Na sequência, Ismail Xavier (USP) apresentou a conferência magna “Modernismo e Cinema”.

“Imagens, migrações e Memórias” foi o tema da mesa-redonda realizada no dia 17 de fevereiro, com Tadeu Chiarelli (USP), Robert Stam (New York University, Estados Unidos) e Beatriz Jaguaribe (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A coordenação foi de Esther Hamburger (USP).

E o ciclo foi encerrado no dia 18 de fevereiro, com a mesa “Artes, criação e pesquisa”, que reuniu Vera Siqueira (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Fernando Iazzetta (USP), Renato Ferracini (Unicamp) e Maria de Fátima Morethy Couto (Unicamp).

Todos os eventos podem ser assistidos na íntegra pelo canal da Agência FAPESP no YouTube.
 

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