De volta à vanguarda
14 de julho de 2003

O Ministro da Educação, Cristovam Buarque, defende reforma profunda da universidade brasileira. "Não tem sentido lutarmos para manter a estrutura atual. O Brasil mudou muito, o mundo mudou muito"

De volta à vanguarda

O Ministro da Educação, Cristovam Buarque, defende reforma profunda da universidade brasileira. "Não tem sentido lutarmos para manter a estrutura atual. O Brasil mudou muito, o mundo mudou muito"

14 de julho de 2003

 

Por Maria da Graça Mascarenhas, do Recife

(Agência FAPESP) - A platéia que lotou o teatro do Centro de Convenções da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no primeiro dia da 55ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ouviu, e ao final aplaudiu em pé, o ministro da Educação Cristovam Buarque defender uma profunda reforma da universidade brasileira e, ao mesmo tempo, o ensino superior público e gratuito.

Enfatizando, por várias vezes, que falava como professor e não como ministro, Cristovam Buarque destacou em sua conferência sobre Educação e Inclusão Social as mudanças que ocorreram nas últimas décadas no Brasil e no mundo, especialmente com as novas tecnologias de comunicação, e que não foram acompanhadas pela universidade brasileira.

Segundo ele, a situação da universidade brasileira pode ser sintetizada em cinco pontos. O primeiro é que ela está defasada. Na opinião do ministro, até trinta anos atrás, o conhecimento era produzido em uma velocidade que a universidade podia acompanhar. Hoje, isto não acontece mais. A universidade, com a sua atual estrutura, não acompanha a velocidade de produção do conhecimento. "É preciso recuperar esse atraso. A universidade tem que ser a vanguarda do conhecimento", disse Buarque.

Ao mesmo tempo, a transmissão do saber, antes feito exclusivamente nas salas de aula e nas bibliotecas, espalhou-se com as novas tecnologias de comunicação. "Este é o segundo ponto. Já não há local privilegiado para aprender. Ou a universidade percebe isso ou ela desaparece", sentenciou o ministro.

A perda da capacidade da universidade de legitimar por meio do diploma foi o terceiro ponto assinalado por Buarque. "Até há pouco tempo, o diploma era o passaporte definitivo. Hoje, muitos dos que possuem diploma não o usam. E não adianta jogar a culpa no mercado". Por último, Buarque destacou que a universidade está isolada, e precisa interligar-se numa rede mundial, ao mesmo tempo em que está descolada da realidade brasileira.

Reforma proposta

Em seguida, Buarque apresentou o que ele classificou de "idéias para debate". Criticou os que defendem a atual estrutura universitária, dizendo que a última reforma foi feita em 1968, no tempo da ditadura militar e com assessoria norte-americana, por meio da USAID, agência do governo americano para desenvolvimento internacional. "Não tem sentido lutarmos para manter essa estrutura. O Brasil mudou muito, o mundo mudou muito", afirmou.

A reforma proposta passa, segundo Buarque, pela recuperação da dinâmica da universidade, que tem que adotar mudanças e padrões novos. Um exemplo: a flexibilidade da duração dos cursos de graduação, diante das novas tecnologias que permitem um aprendizado muito mais rápido. Outro: a exigência da formação continuada. "O diploma não pode ser um instrumento para toda a vida. Ele precisa ser revalidado periodicamente, como ocorre com os brevês de pilotos", disse. O mesmo vale para a pós-graduação, na proposta do ministro.

Por fim, o ministro enfatizou que a reforma precisa fazer com que a universidade seja para todos. "Tem que continuar recebendo uma elite, tem que aumentar o número dos que entram e servir aos que não entram", disse. O aumento do número de alunos se daria pelo ensino à distância. "Temos, no país, dois milhões de professores do ensino básico e eles não estão matriculados em universidades. Isto deveria ser automático, por meio do ensino à distância", disse, lembrando que, como senador, foi autor do projeto de lei que obriga as universidades a receberem professores do ensino básico, para estudar disciplinas do magistério.

Como alcançar tudo isto? Criando uma universidade tridimensional. Isto é, que não seja feita apenas organizada em departamentos, como atualmente, mas, também, por núcleos de disciplinas organizados em temas, o que lhe dá, inicialmente, uma bidimensão. "A fome é um problema de economia, agronomia, sociologia, medicina e nutrição. E não há um lugar onde se discuta a fome, a saúde, a própria universidade, o Brasil, enfim". Segundo Buarque, isto não é fácil. Depois de 15 anos de implantados os núcleos temáticos na Universidade de Brasília, menos de 10% dos professores estão ligados a algum deles.

Já a tridimensionalidade da universidade virá, de acordo com o ministro, quando ela deixar de ser apenas a promotora da razão e da lógica. Daí a sua proposta de criação também de núcleos culturais, formados por estudantes, professores e funcionários. "Na universidade tridimensional é fundamental o exercício da atividade de extensão; não podemos nos aproximar do povo sem ela", disse Buarque, conclamando a universidade a participar do esforço de erradicação do analfabetismo no país.

Mas para que a universidade possa renovar-se e servir ao povo, segundo o ministro, ela precisa ser pública e gratuita. "Hoje ela é gratuita, mas não é pública, porque não está comprometida". E sintetizou: "Fazer a reforma é fazer uma universidade tridimensional, é mudar o sistema de avaliação, é envolver-se nos grandes desafios do Brasil de hoje".


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