Estudo indica que aumento de dados estatísticos sobre criminalidade pouco reflete na produção de conhecimento e de políticas públicas
Estudo indica que aumento de dados estatísticos sobre criminalidade pouco reflete na produção de conhecimento e de políticas públicas
Estudo indica que aumento de dados estatísticos sobre criminalidade pouco reflete na produção de conhecimento e de políticas públicas
Estudo indica que aumento de dados estatísticos sobre criminalidade pouco reflete na produção de conhecimento e de políticas públicas
Por Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – No Brasil, a produção de dados e de análises estatísticas sobre crime e criminalidade existe desde o século 19, com um considerável aumento que acompanhou a modernização tecnológica do Estado.
Mas, de acordo com um estudo publicado na revista Novos Estudos , do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), essas estatísticas criminais pouco têm se transformado em conhecimento útil para traçar políticas públicas, mesmo após a redemocratização.
De acordo com o autor, Renato Sérgio de Lima, chefe da Divisão de Estudos Socioeconômicos da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), o artigo é uma versão modificada do capítulo intitulado Estatísticas criminais, justiça e segurança pública no Brasil, publicado no livro História das estatísticas brasileiras: 1822-2002, editado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Desde o século 19 existe essa produção de dados isolados e fragmentados sobre crimes e criminosos, mas, até por se tratar de um tema sensível à agenda democrática, há uma série de desafios à transformação dessa produção em insumos metodologicamente adequados ao monitoramento e ao planejamento de políticas públicas e realidades sociais”, disse Lima à Agência FAPESP.
Segundo o pesquisador, que também é coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o capítulo procura resgatar em parte a história da produção de estatísticas no país. “A ideia era reconstituir o período de institucionalização do Sistema Estatístico Nacional, coordenado pelo IBGE, que teve papel central na conformação da agenda de pesquisas e levantamentos censitários sobre a realidade brasileira e suas diferentes dimensões socioeconômica, demográfica, cultural e política”, explicou.
De acordo com Lima, as estatísticas criminais no Brasil foram produzidas sem quaisquer vínculos com pressupostos de transparência e accountability, termo em inglês que significa algo como “responsabilização” e que remete à obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a seus representados.
Esses dados ainda seriam vistos por vários segmentos das instituições de justiça e segurança pública como atividade secundária e desnecessária. “No Brasil, as polícias avançaram na incorporação das estatísticas no planejamento operacional de suas ações, sobretudo no que diz respeito às ferramentas de análise criminal e georreferenciamento. Porém, o Judiciário e o Ministério Público ainda enfrentam enormes desafios neste campo”, apontou.
Isso não significa que não existam dados e registros. Mas esses dados não se transformam em informação e conhecimento capazes de interagir com o cenário burocrático. Se isso ocorresse, o acesso à justiça e a garantia de direitos seriam facilitados mesmo sem grandes mudanças nos marcos legais e jurídicos.
“Há muito a ser feito. A burocracia pública brasileira tende a diminuir as pressões por inovações na gestão. Por isso há necessidade de coordenação e pactuação de consensos mínimos em torno do que se está contando e de que forma essa contagem reflete as posturas do Estado no enfrentamento do crime e da violência”, afirmou.
Ao analisar a trajetória da produção de estatísticas no país, o estudo aponta que as instituições de justiça criminal no Brasil não superaram a dimensão do registro dos fatos criminais, ocorrências policiais e prisionais, porque produzem estatísticas quase sempre com objetivo operacional e sem uma grande preocupação de planejamento e eventual ajuste de rota. As polícias, no entanto, seguem o caminho contrário.
“As polícias têm revolucionado suas ações com o apoio de ferramentas de análise criminal que nada mais são do que a transformação de dados em informação e conhecimento. Elas começaram a perceber que, para aumentar a eficiência democrática no enfrentamento da criminalidade, deveriam associar os dados produzidos, considerando-os de forma integrada”, disse.
Segundo ele, diferentes camadas de dados começaram a compor um estoque de conhecimento que permitiu, por exemplo, a integração de áreas das polícias civil e militar e a identificação de áreas e locais mais violentos ou de maior incidência de determinados delitos. O cruzamento desses dados com os de outras instituições e órgãos públicos oferecem informações sobre ocupação urbana e existência de equipamentos públicos.
“Por meio do tratamento agregado de ocorrências policiais e demais registros administrativos, conseguimos avançar muito no desenho de políticas públicas. Isso não significa afirmar que as polícias tenham alcançado a excelência em termos de democracia e garantia de direitos, fato que exigiria discutir inúmeras permanências de situações de violação de direitos, mas que elas têm adotado as estatísticas como insumos efetivos de planejamento”, disse.
Necessidade de foco
Para Lima, graças à tecnologia se sabe quantos são e qual o andamento de cada processo na Justiça. Mas pouco se sabe – por meio de estatísticas públicas vindas de agendas permanentes de pesquisa – a respeito de padrões e características de decisões e procedimentos. Dados estatísticos confiáveis, com séries históricas e passíveis de validação, só farão sentido, afirma, se refletirem a realidade investigada.
“Precisamos definir o que queremos medir. Se for o crime, temos que pensar em como ele é percebido pela população ou como é definido pela legislação. Se for a violência, é preciso definir se estamos falando de homicídios enquanto categoria jurídica, essencial ao funcionamento do sistema de justiça criminal, ou como categoria social, que exige considerarmos todas as tipificações possíveis para o ato de uma pessoa matar outra. Ou, por fim, se for segurança pública, temos que pensar como as instituições lidam com tais fenômenos”, disse.
Para o chefe da Divisão de Estudos Socioeconômicos da Fundação Seade, a existência de dados leva a uma opacidade quando há dificuldade em transformá-los em informações e conhecimento capazes de mudar efetivamente a forma como as instituições públicas lidam com os temas tratados.
“Se tenho muitos dados, até como subproduto da informatização do Estado, posso usá-los e dispô-los de acordo com a minha conveniência política, à medida que não há espaços de coordenação e consensos mínimos sobre qual a agenda de produção e publicação de estatísticas sobre justiça e segurança”, disse.
Lima destaca ainda que o discurso da transparência se sobrepôs ao do segredo. “Isso é um fato, mas a inexistência de tais consensos inviabiliza que ela seja assumida integralmente pelos governos e poderes e, nesse processo, o que vinga é um quadro opaco no qual os dirigentes vão, em geral, afirmar que os dados estão à disposição, mas nem sabemos ao certo qual realidade queremos descrita por esses mesmos dados”.
Para ler o artigo A produção da opacidade: estatísticas criminais e segurança pública no Brasil, de Renato Sérgio de Lima, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
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